Endividamento dificulta reação da demanda
Valor Econômico
18/06/2013

Endividamento dificulta reação da demanda

Por Arícia Martins | De São Paulo

Após a forte desaceleração do consumo das famílias observada no primeiro trimestre de 2013, o cenário para a demanda parece não ter melhorado nos últimos meses, ao menos pelo lado das dívidas. O indicador do Banco Central que mede o endividamento em relação à renda acumulada no último ano atingiu 44% em março (dado mais atual disponível), o maior nível para qualquer mês da série desde 2005. Já estatísticas mais recentes apontam aumento considerável no número de consumidores que possui parte do orçamento comprometida.

A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), elaborada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), mostra que, em maio, o percentual de famílias endividadas saltou para 64,3%, maior patamar desde março de 2011 e alta de quase dez pontos frente a maio do ano passado. Na cidade de São Paulo, segundo a Fecomercio-SP, essa fatia é menor, de 57,1%, mas alcançou seu nível mais alto desde junho de 2006. Os dois levantamentos consideram gastos com cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnês, empréstimo pessoal, financiamento de veículos e imóveis, entre outras modalidades.

 

 

Para especialistas, a queda dos spreads bancários, as desonerações para bens duráveis e o maior interesse pelo financiamento imobiliário incentivaram a tomada por crédito desde meados do ano passado, movimento que, aliado à piora da inflação, diminuiu a disposição para novas compras agora. Em um contexto de lento recuo da inadimplência, a avaliação é que o avanço do endividamento não é predatório e deve se estabilizar no segundo semestre, mas, com menos renda disponível e mais dívidas para pagar, o poder de fogo dos consumidores seguirá reduzido.

"As famílias estão mais otimistas em relação ao crédito do que em 2012", diz Marianne Hanson, economista da CNC, para quem o perfil do endividamento ainda desperta alguma preocupação, mas tem melhorado. Embora a maioria das dívidas mencionadas pelos entrevistados na pesquisa da confederação sejam de curto prazo e tenham juros mais altos, com destaque para o cartão de crédito (76,4%), outros empréstimos mais "benignos" ganharam espaço em relação a maio do ano passado, como o financiamento imobiliário (3,7% para 5,7%) e o crédito consignado (3,8% para 5%).

Como consequência, os prazos para quitar os débitos foram alongados, o que dificulta um recuo do endividamento. Em maio de 2012, a maior parte das famílias (27,9%) terminaria de pagar suas dívidas num período entre três e seis meses, enquanto 24,6% estavam comprometidas por mais de um ano. No mês passado, essa relação praticamente se inverteu: os débitos mais longos passaram a 30,9% do total, ao passo que os mais curtos eram 21,2%. "Ainda que o perfil de crédito do brasileiro seja o de curto prazo, vemos uma mudança gradual", afirma Marianne.

Segundo a Serasa Experian, a demanda do consumidor por crédito cresceu 6,4% de janeiro a maio frente a igual período do ano passado, movimento liderado por novos tomadores, já que a procura subiu 12,1% entre aqueles que recebem até R$ 500 por mês. Em maio, porém, o número de pessoas que buscaram crédito nessa faixa de renda diminuiu 6% sobre o mês de abril, ante recuo de 4,8% na amostra total da pesquisa.

Para Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa, boa parte dos consumidores freou novas aquisições devido à inflação mais alta, que corroeu os rendimentos, e aos atuais níveis de comprometimento de renda. A fatia mensal destinada ao pagamento de dívidas alcançou o pico de 23% na série do Banco Central em janeiro de 2012 e, desde então, vem cedendo, mas permanece em patamar elevado na opinião de Almeida (21,7% em março, número mais recente).

"O consumidor já perdeu parte do seu poder aquisitivo por causa da inflação e, com o aumento dos juros, fica mais cauteloso. Não há nada que indique uma expectativa melhor para o consumo", diz o economista.

O atual ciclo de aperto monetário, avalia Almeida, por outro lado, não deve comprometer o cenário de lenta queda da inadimplência da pessoa física, que recuou 0,1 ponto entre março e abril, para 5,3%, de acordo com dados do Banco Central. Em igual mês do ano passado, esse percentual estava em 5,8%. A taxa de atrasos entre as operações com recursos livres, que representam a maior parte das operações das famílias, está em 7,5%, mas caiu 0,5 ponto na comparação com abril de 2012.

Medido pela Boa Vista Serviços, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), o registro de novos consumidores inadimplentes marcou sua primeira alta no ano em maio, ao subir 1,8% ante abril, feito o ajuste sazonal. Apesar do aumento recente, diz o economista-chefe da Boa Vista, Flávio Calife, a tendência é que o indicador siga o movimento de declínio que vem desde meados do ano passado, em linha com a taxa de inadimplência. Nos 12 meses encerrados em maio, os novos registros acumulam retração de 0,9%.

Calife afirma que ainda é cedo para apontar motivos por trás do avanço dos registros em maio, como o ajuste recente da Selic, por exemplo, que deve ter pouco efeito nos calotes daqui em diante, a depender do tamanho do ciclo de aperto e de como a alta será repassada para frente. Caso os bancos privados, que perderam espaço em 2012, consigam cumprir sua meta de retomar as concessões, diz ele, não serão incentivados a elevar consideravelmente o custo dos empréstimos.

Antes da inversão recente da direção da política monetária, diz Wermerson França, da LCA Consultores, os bancos já haviam ficado mais exigentes nas concessões, ao mesmo tempo em que as famílias, mais endividadas e com a renda perdendo fôlego, diminuíram o apetite por crédito. "Em um cenário que já estava ruim para o consumo, a alta dos juros não é quase nada", afirma França. Após as vendas do varejo restrito (que excluem automóveis e material de construção) terem crescido 0,5% entre março e abril, abaixo do esperado, a LCA cortou de 5,5% para 5% sua estimativa para a expansão das vendas em 2013 neste conceito, após alta de 8,4% em 2012.

 

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