Diagnóstico claro
Valor Econômico
26/06/2013

Diagnóstico claro

Por Roberto Rockmann | Para o Valor, de São Paulo
 
Claudio Belli/Valor / Claudio Belli/Valor
Carlos Gadelha, do Ministério da Saúde: "Haverá mais intensidade no uso de serviços, ou seja, a indústria terá mais mercado para vender, e os médicos e hospitais terão de atender mais"

 

O perfil demográfico brasileiro no século XXI criará mais pressões sobre o sistema de saúde nacional. Em um cenário que combina envelhecimento da população e ascensão social, para universalizar o acesso à população, melhorar os serviços e reduzir o crescente déficit comercial da indústria farmacêutica, será preciso superar diversos obstáculos: financiamento, estímulo à inovação, fortalecimento da cadeia de produção, melhor gestão, regulação mais eficiente, redução da corrupção e melhor formação de profissionais. Esse foi o diagnóstico formulado por especialistas no seminário "Saúde: desafios de hoje e amanhã", realizado em São Paulo, segunda-feira, pelo Valor em parceria com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), em comemoração aos 60 anos da criação do Ministério da Saúde.

Ao longo dos próximos anos, até 2030, a população brasileira deve crescer 10% e chegar a 225 milhões de pessoas, enquanto o número de idosos deve dobrar em relação a 2010 e atingir cerca de 40 milhões de habitantes. Significa que uma população do tamanho da Bélgica terá mais de 60 anos no Brasil. A expectativa de vida do brasileiro também deverá melhorar. O crescimento das cidades médias, com 100 mil a 500 mil habitantes, será relevante. "O envelhecimento deve aumentar a demanda por saúde, porque haverá mais intensidade no uso de serviços, ou seja, a indústria terá mais mercado para vender, e os médicos e hospitais terão de atender mais", disse o secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha.

Com 9% do PIB e responsável por 40% da inovação criada no país, o setor de saúde terá de dar um salto para atender à demanda crescente, melhorando e universalizando os serviços e fortalecendo a indústria nacional. "O Brasil registra um déficit de US$ 10 bilhões na balança comercial do setor, o que precisa ser revertido", ressaltou o secretário. Cerca de 50% do déficit estão ligados à importação de medicamentos e fármacos. Com o novo cenário, o Brasil, além de ainda ter de lidar com moléstias tropicais como a malária, terá de tratar cada vez mais casos de doenças típicos de países desenvolvidos, como câncer e diabetes.

Isso vai aumentar a compra de produtos mais avançados, o que pode pressionar ainda mais a balança comercial e os gastos do governo com medicamentos. Hoje cerca de 95% do volume de produtos adquiridos pelo Ministério da Saúde está em drogas, enquanto biofármacos, cujo conteúdo tecnológico incorporado é maior, representam apenas 5%. Mas, quando se analisa o valor desembolsado pelo governo, vê-se que esses biofármacos, cujo preço é mais alto que remédios normais, representam 32% do total gasto pelo ministério com medicamentos e fármacos. "Com o programa Brasil Maior, abrimos um mercado de compras públicas de R$ 35 bilhões em quatro anos para empresas que fabricam aqui, algo de mais de R$ 8 bilhões por ano."

Para avançar, será preciso ampliar os mecanismos de financiamento. O Brasil gasta US$ 1000 per capita na área, um terço da média registrada nos países da União Europeia. Uma das principais fontes de recursos vem da União. "Será preciso criar uma nova política para que haja espaço para mais gasto fiscal em saúde, já que 75% do gasto federal está em folha de pagamento. Hoje, para elevar o investimento em saúde, teria de elevar a carga tributária, já elevadíssima", apontou José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).

"O setor não é prioridade. Fizeram-se R$ 70 bilhões em desonerações fiscais nos últimos meses e vão se desonerar mais R$ 120 bilhões no próximo ano, mas nada se fez para a saúde", afirmou o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde no Congresso. "Hoje o setor movimenta R$ 50 bilhões por ano, paga R$ 15 bilhões de imposto, e o governo investe R$ 10 bilhões, ou seja, o governo está no lucro. Se o Brasil não desonerar, teremos problemas sérios pela frente, continuaremos fadados a não investir e a não inovar", afirmou Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo. Ele destacou que a desoneração fiscal teria impacto grande, com maior acesso da população a medicamentos. "Os genéricos provaram que remédio mais barato vende e amplia o acesso da população à saúde."

Outro problema que afeta o orçamento de investimentos públicos do Ministério da Saúde são cortes feitos pelo governo para fechar as contas. "Por que o governo deixou de usar R$ 17 bilhões ano passado? Por que houve esse contingenciamento? O subfinanciamento é o problema mais grave da área", ponderou o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso. Segundo os especialistas, será preciso também melhorar a gestão dos serviços. Governo federal, Estados e os 5563 municípios precisam se articular melhor. "Os interesses políticos às vezes se sobrepõem e são divergentes", disse Cechin.

Para Antonio Britto, presidente-executivo da Interfarma, o momento é de reflexão sobre alguns pontos. "A estratégia para lutar por mais financiamento está correta? Só com o Sistema Único de Saúde (SUS) conseguiremos avançar?", questionou. As seguradoras privadas têm enfrentado problemas. Hoje existem pouco mais de mil empresas atuando no setor, sendo que grande parte opera no vermelho. As despesas assistenciais médicas subiram 130% em média nos últimos cinco anos, bem acima do aumento do número de participantes dos planos de saúde e da inflação, que cresceram 70%. Apenas as despesas com internação subiram mais de 220% em cinco anos, sendo que metade desses gastos são relativos à aquisição de materiais.

Segundo estimativas de analistas que acompanham o setor, cerca de 25% da população brasileira têm seguro privado. Essa parcela consome 55% do total gasto com saúde. Os outros 75%, ou cerca de 150 milhões de pessoas, dependem exclusivamente do SUS e consomem os 45% restantes.

Gastar muito não é sinônimo de gastar bem. Os EUA, por exemplo, gastam US$ 2,7 trilhões em saúde por ano, mas, mesmo assim, registram os piores índices em comparação a outros 16 países desenvolvidos em relação à mortalidade infantil, obesidade, diabetes e doenças cardíacas. O modelo americano privilegiou a oferta privada dos serviços, mas isso criou um fosso: 46 milhões de americanos não têm seguro saúde. "Dois terços dos americanos e um terço das crianças estão acima do peso", disse Judith Salerno, diretora-executiva do Instituto de Medicina dos EUA. Segundo estimativas de Judith, cerca de US$ 210 bilhões também são gastos por ano em serviços desnecessários, como pedidos excessivos de exames para pacientes.

 

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