Mais Médicos une sindicatos contra Dilma e Padilha
Por Caio Junqueira | De Brasília
29/07/2013

A criação do Programa Mais Médicos pela presidente Dilma Rousseff consolidou no movimento sindical médico brasileiro uma tendência oposta ao adesismo que marcou outros setores nos dez anos de governo petista.

Desde o lançamento do programa, quando Dilma anunciou seus dois eixos - a importação de médicos estrangeiros e a criação de um segundo ciclo de dois anos na graduação de estudantes de medicina para que atendam ao Sistema Único de Saúde (SUS) -, as mais representativas entidades médicas do país declararam guerra ao Palácio do Planalto e prometem atrapalhar os planos do PT em 2014.

Em um movimento inédito, a Associação Médica Brasileira (AMB), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) unificaram o discurso de combate ao governo.

Isso foi possível após uma substituição no comando da Fenam, em maio de 2012, quando o grupo do neurologista Cid Carvalhaes, ligado ao PT, foi substituído pelo anestesista Geraldo Ferreira, filiado ao PPS, partido de oposição a Dilma. "A partir da nossa posse, iniciamos um processo de desaparelhamento. Antes rezavam a cartilha do governo. Hoje já formamos a ideia de que há um sentimento grande de que o governo é antimédico. Eles nos veem como burgueses privilegiados que precisam ser destruídos", diz Ferreira.

Ferreira conta que há médicos que avaliam que o estrago da classe na campanha de Dilma tem potencial de milhões de votos. "Somos 400 mil médicos mais 200 mil estudantes. Um médico recém-formado tem um prontuário de 1 mil pacientes, um com tempo de carreira, 20 mil pacientes. Fora os familiares. Faça as contas".

Não fala, porém, para onde esses votos podem ser direcionados. Apenas para onde podem não ser direcionados. "A classe médica não é boa de eleger. É boa de não eleger. E há três palavras que circulam muito nos médicos: 'Fora Dilma', 'Fora Mercadante' e 'Fora Padilha'".

A Fenam é uma entidade sindical e, portanto, responsável pelas condições de trabalho e relações de emprego dos médicos. A adesão é voluntária, apesar da cobrança compulsória do imposto sindical. Até a era Lula, era comum que médicos ligados ao petismo comandassem a entidade.

O antecessor de Ferreira na Fenam, Cid Carvalhaes, não concorda que haja atrelamento partidário na entidade, embora diga haver muitos médicos que são filiados a partidos políticos. O Congresso Nacional é uma boa medida. Em 2010 foram eleitos 63 deputados e 16 senadores médicos - o equivalente a 13%. Mesmo ligado ao PT - é próximo do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) - critica o Mais Médicos. "Não vejo ninguém defendendo o programa da forma como foi apresentado. O governo foi infeliz ao misturar muita coisa em um texto só".

Aponta ainda o formato unilateral de como as decisões foram tomadas como prejudicial ao governo. "Não é algo coerente".

A divergência mais forte que tem contra a atual direção da Fenam é quanto à estratégia para derrubar a medida. "As lutas políticas não devem ser judicializadas. Talvez não seja estrategicamente adequado. É uma precipitação, pois não se aguardou o pronunciamento do Congresso." As três entidades acionaram a Justiça contra a medida provisória (MP) que criou o programa.

Das três entidades, a Fenam é aquela em que há maior ativismo partidário, muito embora seus integrantes afirmem que isso é manifestado de maneira individual, não corporativa. Tanto que as chapas montadas são formadas por integrantes dos mais variados partidos. Ou mesmo de nenhum. O que ajuda a isolar o governo na discussão sobre o Mais Médicos.

Relator da MP no Congresso, o deputado Rogério Carvalho (PT-SE) conhece seus formuladores - o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e o secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mozart Sales - desde os anos 90, quando militaram pelo PT no movimento estudantil.

Depois, foi presidente do Sindicato dos Médicos de Campinas e da Federação Nacional dos Médicos do Estado de São Paulo (Fenam-SP), até ser secretário de Saúde de Aracaju e, na sequência, de Sergipe. "Os melhores quadros ocupavam as entidades e depois foram para o governo. Hoje não tem um recorte de esquerda e de direita nas entidades. O recorte é de quem tem e quem não tem projeto. E quando não tem projeto, resvala para o interesse corporativo, inclusive ao custo de interesse público."

Segundo ele, os médicos petistas ainda estão nas entidades, mas sucumbem ao discurso corporativo por uma questão de sobrevivência política. "Se não for assim eles não se mantêm nos seus cargos. As entidades médicas se profissionalizaram. São carreiras a serem seguidas."

Ao contrário da Fenam, onde há maior vinculação partidária de seus integrantes, na AMB e no CFM a posição política é mais identificada no discurso. Ambas são consideradas de perfil liberal e conservador.

"A classe médica não é boa de eleger. É boa de não eleger", diz o presidente da Fenam

A AMB é o órgão associativo, onde os médicos se organizam em sociedades de especialização e fornecem título de especialização. Pelo próprio caráter científico, é muito próximo das conceituadas universidades presentes no Estado, como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina) e a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), cuja maior parte dos acadêmicos, por sua vez, tem vínculos com o Palácio dos Bandeirantes, onde o condomínio PSDB-PFL (atual DEM) se faz presente desde 1995.

O maior opositor do Mais Médicos hoje no Congresso Nacional, o deputado federal e cirurgião e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Eleuses Paiva (PSD), presidiu a entidade entre 1999 e 2005. Antes, foi presidente do seu braço paulista, a Associação Paulista de Medicina (APM).

Eleito pelo DEM, Paiva migrou para o partido do ex-prefeito de São Paulo e pré-candidato a governador, Gilberto Kassab, em 2012. Mais do que Dilma, o maior alvo dos seus discursos é Padilha, também pré-candidato a governador. "Espero que o ministro da Saúde desça do palanque político. Porque ministro de área social envolvido em campanha política dá no que está dando: todos os projetos estão voltados muito mais para o interesse pessoal do que para o de melhorar definitivamente a assistência pública deste país." Também afirmou que Padilha "se agarra a subterfúgios, manipula dados, enviesa informações, ludibria a população e prefere essa canhestra alternativa."

O presidente da AMB, o oncologista Florentino Cardoso, assegura não há atuação partidária da entidade. "Eu nunca subi em um palanque na minha vida. Voto em pessoas, não em partidos." Ele declara que são três os pontos que explicam a situação da saúde no país: corrupção, má gestão e subfinanciamento. Após avaliar que nas duas primeiras não há muito o que fazer, elegeram o melhor financiamento como bandeira. Ele critica o programa. Acha que tudo o que o governo faz é "politiqueiro, incentiva o peleguismo, a camaradagem, o partidarismo".

Sobre 2014, aponta a estratégia: "Usaremos toda nossa força de trabalho e de convencimento para que a população mude o cenário. Vamos mostrar que estamos no caminho errado em todos os aspectos. Em todas as áreas. Como é a infraestrutura desse país? Como é a educação? Como é a segurança pública? A educação? A segurança pública? A saúde?"

O CFM, por sua vez, é uma autarquia na qual todos os médicos têm obrigação de ser registrados se quiserem atuar no país. Quando foi criada, em 1951, sua única função era regular a profissão e zelar pelo Código de Ética Médica e normatizar a profissão. Hoje, como diz seu site, "exerce um papel político muito importante na sociedade, atuando na defesa da saúde da população e dos interesses da classe médica".

Os 28 conselheiros são eleitos a cada cinco anos a partir de um colegiado indicado pelas chapas vencedoras nas eleições dos conselhos estaduais, que ocorrem no próximo mês. Há ainda uma cadeira cativa para um representante da AMB, entidade que detém mais influência no CFM. Médicos calculam que metade dos conselheiros costumam ser egressos dos braços estaduais da AMB, 30% de sindicatos e 20% da academia.

O atual presidente, o cardiologista Roberto d'Ávila, conta que Padilha até chegou a sugerir que o tensionamento das entidades decorria das eleições no conselho. D'Ávila respondeu: "Eu não sou candidato. Quem é candidato aqui é você". Critica o processo unilateral com que o programa foi apresentado, a despeito de, em abril, as entidades terem se reunido com Dilma no Palácio do Planalto, onde tiveram a garantia de que nenhuma decisão seria tomada sem conhecimento prévio dos médicos. Ocorreu o contrário.

Afirma ainda que desde que o PT chegou ao poder há uma campanha para desqualificar os médicos. "O ministério nem nos chama mais de médicos, mas de profissional da saúde. Até o Samu mudou a nomenclatura de serviço de atendimento médico para serviço de atendimento móvel. Há um nítido movimento de desqualificação."

Como todas as outras entidades, diz haver viés eleitoreiro no programa. "Muito estranho isso ocorrer a um ano das eleições, após dez anos de governo do PT. Nesses dez anos não houve uma decisão favorável ao SUS. Foi negligenciado, subfinanciado e agora querem nos colocar uma culpa que não nos cabe." Confirma uma mobilização para 2014. "O médico sabe a força que tem. Sempre em meses que antecedem a eleição os pacientes nos pedem orientação. Se o médico for politizado, poderá orientar."

Na medida em que foi perdendo espaço nessas entidades, o governo apostou no apoio do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para levar à frente suas propostas. O órgão, vinculado ao Ministério da Saúde, é a instância máxima deliberativa do SUS. Nele há 48 cadeiras, sendo metade de usuários e a outra metade dividida entre trabalhadores e prestadores de serviços.

"Nesses dez anos não houve uma decisão favorável ao SUS", afirma o presidente da CFM

Após o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, compartilhar a presidência do conselho com o ministério por duas gestões - fato inédito - assumiu o posto Maria do Socorro dos Souza, indicada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), um dos braços petistas do movimento dos trabalhadores rurais. Foi a primeira vez que um representante de usuários assumiu o cargo.

Há dez dias, os médicos decidiram abandonar o conselho. O motivo foi a reação do CNS aos vetos de Dilma no projeto do ato médico, aprovado por unanimidade nas duas casas do Congresso em junho. O texto aprovado após mais de dez anos de tramitação prevê, por exemplo, que só um médico pode chefiar serviços médicos, diagnosticar doenças e prescrever seu tratamento. Dilma vetou esses trechos. O conselho apoiou.

Para os médicos, foi mais uma ação combinada entre o governo e as outras 13 profissões da saúde assim consideradas pelo SUS. Algumas delas: nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, dentistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e biomédicos. Sob essa ótica, o governo joga esses profissionais contra os médicos para enfraquecê-los no debate sobre saúde pública no país. Isso porque o governo sabe que eles são minoritários. Para comparar com apenas uma área: são cerca de 400 mil médicos no Brasil contra aproximadamente 1,5 milhão de enfermeiros.

"O governo do PT tem como área mais mal avaliada a saúde, que só piora. Aí o governo jogou com o número. Somou quantos médicos há e quantos outros profissionais há. Fizeram as contas para ver quem tinha mais voto e jogaram as profissões contra nós", disse Cardoso, da AMB. "O governo usou o ato médico para dividir a categoria contra a gente. Porque neste governo é tudo assim: rico contra pobre, índio contra posseiro, negro contra branco, homem contra mulher. O PT e o governo trabalham bem essas divisões da sociedade", disse Ferreira, da Fenam.

Formada em educação com especialização em políticas sociais, Socorro, como é conhecida a presidente do conselho, discorda. "As disputas que existem na sociedade vem para o conselho, que tem uma concepção popular, de representação dos segmentos da sociedade para debater saúde pública. Essa é a natureza e a esfera onde os conflitos da sociedade ocorrem. Tudo aqui é defendido e votado, e os médicos perderam na discussão interna. Só que não aceitaram a derrota."

Ela defende os vetos e o programa Mais Médicos. "Nem tudo na saúde tem que ser protagonizado por um médico. Não existe e não pode haver uma relação vertical nas profissões de saúde, porque engessa o serviço e prejudica o atendimento ao usuário".

Avalia que o Brasil sempre investiu muito em uma concepção de saúde focada na tríade médico-hospital-medicamento, o que tanto deu mais poder aos médicos quanto levou a população a uma busca preferencial por hospitais para se tratar, em vez de postos de atenção básica. "É essa cultura que queremos desconstruir. Defendemos outra concepção de saúde, que precisa de um olhar multidisciplinar."

Socorro diz que historicamente os governos brasileiros se eximiram de regular o setor, deixando o caminho livre para o mercado. "O mercado é muito forte. As indústrias farmacêuticas têm peso significativo em dizer quais profissionais de quais áreas devem entrar no mercado, assim como quais as tecnologias e onde elas devem ir. É o mercado que acaba ditando as regras."

Candidato a presidente do PT em Campinas nas eleições internas do partido em novembro, Casemiro Reis é médico há 29 anos, presidente do Sindicato dos Médicos em Campinas e da Federação dos Médicos do Estado de São Paulo. Sua visão é semelhante à de Socorro. "É o mercado que dita onde o profissional vai. A escola de medicina se moldou ao mercado." Para ele, isso está relacionado à indústria de equipamentos, que tem interesse em vendê-los, o que encarece a formação do médico e do próprio sistema de saúde. Também aponta uma "elitização dos alunos de medicina que são muito menos sensíveis a causas populares." No entanto, é outro a discordar da forma como o Mais Médicos foi apresentado. "Muitas lideranças petistas na área estão fazendo oposição ao governo. Quando a política vem de encontro ao que querem os médicos, a gente compõe. Se não, não."







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