A revisão populacional de 2013
Valor Econômico
02/09/2013

A revisão populacional de 2013

Por Fabio Giambiagi | De São Paulo

O IBGE publicou, na semana passada, as novas projeções para a população brasileira até 2060. Como se trata de um exercício complexo, que envolve um esforço computacional importante e a contribuição de uma equipe de certo porte, esse não é um trabalho trivial, razão pela qual o órgão tem atualizado as projeções a intervalos de aproximadamente quatro a cinco anos. Depois de 2000, ele fez revisões em 2004, em 2008 e agora em 2013.

À luz da relevância dessas informações, bem que poderíamos nos dirigir a nossas lideranças políticas com a saudação de muitos músicos, quando se encontram socialmente: "E aí, tá ligado?". Está na hora de a classe política se ligar na importância do tema.

Por incrível que pareça, o Brasil ainda não acordou para o que está em jogo, o que parece reafirmar a imagem de país "deitado eternamente em berço esplêndido". Os governos de nações que têm o hábito de se preparar adequadamente para o futuro estão há muito tempo prevenindo as respectivas populações que uma mudança das regras de aposentadoria e de concessão de pensões é inexorável, em função das modificações do perfil demográfico das sociedades.

 

 

Nesses países, o tempo de contribuição exigido para a aposentadoria vem sendo dilatado e/ou a idade para a concessão do benefício vem aumentando, muitas vezes com os anúncios sendo feitos com 10 ou 15 anos de antecedência, para evitar transtornos.

Enquanto isso, no Brasil, os congressistas se revezam para ver quem tem a ideia mais irresponsável para reduzir a exigência de idade ou aumentar o valor das aposentadorias (de olho na próxima eleição), os ministros de plantão falam platitudes acerca do tema (tal como o comentário acaciano de que "cedo ou tarde a sociedade terá que se debruçar sobre o assunto", como se a sociedade não pagasse o salário dos ministros para eles fazerem propostas ao país) e há 15 anos que os governos se sucedem inteiramente inertes na matéria, como se o desafio demográfico em perspectiva fosse uma questão que afetasse apenas os habitantes de Marte. Nossa imprevidência é triste.

A projeção de 2000 já tinha dado o alerta - que passou em brancas nuvens. Depois, a projeção de 2004 tinha reafirmado ao país que tínhamos um desafio pela frente. Pelas projeções de 2004, entre 2010 e 2050 a população entre 15 e 59 anos ("proxy" do número de pessoas trabalhando) iria aumentar 0,5 % ao ano, muito abaixo do crescimento da população de 60 anos ou mais, que no mesmo período aumentaria 3,0 % ao ano.

Isso "per se" já seria fator de preocupação. Não deixa de ser espantoso que o governo não tenha esboçado reação alguma à divulgação das projeções, como se o fato de a população de idosos crescer a uma taxa igual a seis vezes a da população ativa não tivesse consequências. Enquanto isso, o país continuou com regras de aposentadoria que se incluem entre as mais generosas do mundo.

Mais espantoso ainda foi que quatro anos depois, em 2008, o IBGE divulgou nova projeção, mostrando uma realidade muito mais preocupante ainda - e o governo continuou fazendo cara de paisagem. Na nova projeção, o número de idosos foi o mesmo que na revisão anterior, mas a população de 15 a 59 anos projetada para 2050 passou a ser praticamente a mesma de 2010. Em outras palavras, todo - atenção, leitor, eu não disse "a maior parte": escrevi "todo" -- o crescimento do PIB nessas 4 décadas terá que vir do aumento da produtividade.

Se as autoridades tivessem se debruçado sobre a questão oportunamente, teriam percebido a dimensão do desafio que o país teria pela frente anos depois, e acordado mais cedo para a necessidade de elevar a produtividade, ao invés de descobrir o assunto em 2013, quando já praticamente não se encontra mão de obra disponível para que a economia possa se expandir a um ritmo sustentado de 4 % a 5 %. É por essas e outras que a frase de Winston Churchill, de que "o estadista é aquele que pensa na próxima geração", continua tão atual.

O país continua com regras de aposentadoria que se incluem entre as mais generosas do mundo

Agora, o cenário em perspectiva voltou a ficar mais sombrio (ver tabela). Quero deixar claro uma coisa: é ótimo que as pessoas vivam mais. Na Escandinávia, as pessoas vivem muito - e os países da região vão muito bem, obrigado. O que faz a gente, como dizia Nelson Rodrigues, "chorar lágrimas de esguicho" é constatar que o país sabe que no futuro haverá cada vez mais idosos para serem sustentados pela população adulta, sem que ninguém faça nada diante disso. Entre outras coisas, continuamos exibindo idades de aposentadoria por tempo de contribuição que são inacreditáveis aos olhos de qualquer visitante estrangeiro.

O mercado financeiro tem sido bastante simpático ao governo ao longo dos últimos dez anos, aceitando com grande tranquilidade a passividade governamental diante dos grandes desafios do país, nunca devidamente endereçados, e encantou-se com o bônus demográfico, esquecendo que o fato de a população em idade ativa crescer mais do que a população total é escassamente relevante diante da piora da taxa de dependência da população idosa em relação à população em idade ativa, que já está em curso. O fato é que entre 2010 e 2060 o número de pessoas com 60 anos ou mais aumentará de 20 milhões para 74 milhões de pessoas, enquanto que, daqui a menos de 20 anos, a população de 15 a 59 anos começará a declinar (ver gráfico 1).

Se o critério de "população adulta" for um pouco diferente, indo de 20 a 64 anos, os números variam um pouco, mas a tendência é a mesma. O IBGE tem nos dado sucessivos avisos das tarefas que teríamos pela frente - e nós ignoramos todos. O gráfico 2 mostra claramente a tendência. Em 2000, o IBGE indicou que a proporção de indivíduos com 60 anos ou mais de idade em relação à população de 15 a 59 anos passaria de 15 %, em 2010, para 38 % em 2050 - e ninguém fez nada. Quatro anos depois, a projeção para 2050 já era de 43 % - e continuamos com as mesmas regras benevolentes, estimulando o nosso "lado grego" de aposentadorias precoces e aumentos reais de duas de cada três aposentadorias.

Em 2008, a projeção para 2050 já alcançara 52 % - e mantivemos nosso ar contemplativo. Agora, em 2013, o IBGE informou que em 2060 tal proporção chegará a 63 %. Continuaremos todos surdos, no país do Carnaval, onde, se meus pais tivessem pago meu carnê do INSS aos 16 anos, aos 51 anos de idade hoje, eu poderia estar aposentado?

Há três conclusões, de uma obviedade ululante. A primeira: é preciso mudar a regra das aposentadorias e pensões. A segunda: é preciso mudar a regra das aposentadorias e pensões. A terceira decorre das duas primeiras: é preciso mudar a regra das aposentadorias e pensões. O Brasil foi de uma enorme passividade nos "anos dourados" da década passada que, assim como os anos 80 passaram para a história como a "década perdida", têm tudo para serem conhecidos pela historiografia futura como a "década da complacência".

Refletindo acerca de como deixamos de aproveitar a oportunidade que a excepcional bonança externa nos deu para nos preparar melhor para o futuro, e assistindo o tratamento indigente que nossa classe política tem dado ao tema previdenciário, é inescapável lembrar da velha frase de Thomas Jefferson: "Temo por meu país quando penso que Deus é justo".

Fabio Giambiagi é economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus).

Email: fgiambia@terra.com.br.

 

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