Condução do Mais Médicos pelo governo expõe 'sintomas' do SUS
Valor Econômico
05/09/2013

Condução do Mais Médicos pelo governo expõe 'sintomas' do SUS

Por Luciano Máximo | De São Paulo
 
Divulgação/Sandra Codo (IEA-USP) / Divulgação/Sandra Codo (IEA-USP)
Especialistas, entre eles o ex-ministro Adib Jatene (primeiro plano), disseram que Mais Médicos expõe fragilidades do SUS

 

Na esteira de toda a polêmica e até excessos em torno do Mais Médicos, especialistas avaliam que o modo como o programa está sendo conduzido pelo governo expõe "sintomas" que debilitam o Sistema Único de Saúde (SUS), como opções por ações emergenciais em detrimento de medidas estruturantes, subfinanciamento, sinais de privatização e até formulação de políticas com abordagem eleitoral.

Durante debate sobre o Mais Médicos, promovido ontem pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), o cardiologista Adib Jatene, ex-ministro da Saúde e integrante de uma comissão de notáveis que aconselha o governo sobre o problema da carência de médicos, disse que o país cometeu erros na condução do Programa Saúde da Família (PSF) desde a criação do SUS, o que repercute na falta de profissionais para o atendimento primário no interior e em periferias distantes.

Mesmo com a criação de mais de 15 mil equipes (médico de família, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde) nos últimos 15 anos, Jatene considera as mais de 30 mil equipes atuais insuficientes para a demanda brasileira e são pouco articuladas com o SUS. "Precisaríamos hoje de 52 mil equipes de saúde da família, que trabalham com muita dificuldade, e não montamos nenhuma equipe de médicos especialistas para interagir com os médicos de família e ter acesso a leitos hospitalares na área em que atuam".

Para justificar que o ponto negativo da organização da saúde brasileira hoje é "eminentemente financeiro", Jatene mencionou o déficit de leitos na cidade de São Paulo, de 12 mil leitos. "Isso significa 60 hospitais de 200 leitos. Nos últimos 15 anos foram construídos apenas dois, um na Cidade Tiradentes [bairro da zona leste] e em M'Boi Mirim [zona sul]".

Diante do problema do financiamento do SUS levantado por Jatene, o professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP Mário César Scheffer associou a carência de médicos a um sintoma da não efetivação do SUS no país, conforme preceitos de universalidade, integralidade, justiça e qualidade. "Os sinais estão trocados: ao mesmo tempo que há um subfinanciamento crônico, principalmente da esfera federal, nós temos políticas cumulativas de privatização. O SUS virou um sistema totalmente inusitado, que é universal na Constituição, mas totalmente liberal na estrutura, predominando gastos e cada vez mais gestão privada", pontuou Scheffer.

Para Paulo Hilário Saldiva, professor do Departamento de Patologia da USP, esses "sinais trocados" são de uma privatização branca do SUS. "A mesma que ocorre na segurança quando você decide instalar uma guarita na sua rua porque tem medo da violência; escola ruim, você paga uma particular; transporte ruim, o melhor é comprar um carro. Na saúde tem os planos de saúde. Esse processo de privatização branca vem desmontando o SUS", diz o acadêmico, que relaciona a contratação de médicos, brasileiros e estrangeiros, sem direitos trabalhistas e passagem por processos de avaliação a uma forma de enfraquecer o SUS.

O biólogo Fernando Reinach, ex-professor da USP, questiona a oferta de bolsas a esses profissionais, no lugar de salários e outros direitos trabalhistas. "Talvez seja a primeira vez que bolsas estejam sendo usadas para pagar salários. Bolsas de estudo foram criadas para educar as pessoas, não para efetuar pagamentos de serviços profissionais. Isso é uma forma para negar pagamento de férias, aposentadoria, décimo-terceiro salário", pontua Reinach.

Ele também criticou a opção pela contratação de médicos sem o "atestado de qualidade profissional". Milton Arruda Martins, professor titular de clínica médica da USP e ex-secretário de Educação e Trabalho do Ministério do Trabalho, disse que o Mais Médicos trouxe à tona um problema que está dentro das universidades: formação e avaliação. "Antes de começar a trazer os médicos, o governo propôs aumentar em dois anos o curso de medicina. A tendência mundial hoje é de reduzir o tempo de curso e reforçar as residências. Sobre avaliação, seria adequado, avaliar o estudante por três vezes ao longo do curso", disse Martins.

 

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