Inteligência artificial tira nota dez ao detectar câncer de pulmão
22/05/2019

Tecnologia pode ajudar médicos a fazer leituras mais precisas de imagens de tomografia

Os computadores são tão bons quanto, ou melhores que, os médicos humanos na detecção de minúsculos cânceres pulmonares em imagens de tomografia computadorizada, de acordo com um estudo conduzido pelo Google e diversas centrais médicas.

A tecnologia está em desenvolvimento, e ainda não está pronta para uso generalizado, mas o novo estudo, publicado na segunda-feira (20) pela revista Nature Medicine, oferece um vislumbre do futuro da inteligência artificial na medicina.

Uma das áreas mais promissoras é o reconhecimento de padrões e a interpretação de imagens —as mesmas capacitações que os seres humanos usam para interpretar lâminas de microscópios, raios-X, exames de ressonância magnética e outras imagens médicas.

Ao alimentar sistemas conhecidos como redes neurais artificiais com grandes volumes de imagens médicas, pesquisadores podem treinar computadores para que reconheçam padrões vinculados a uma condição específica, como pneumonia, câncer ou uma fratura no pulso que possa ser difícil de identificar para um observador humano. O sistema segue um algoritmo, ou conjunto de instruções, e aprende à medida que é utilizado. Quanto mais dados recebe, melhor se torna em suas interpretações.

O processo, conhecido como aprendizado profundo, já vem sendo usado para diversas aplicações, tais como permitir que computadores compreendam a fala e identifiquem objetos, ou para que um carro autoguiado reconheça uma placa de “pare” e diferencie entre um pedestre e um poste telefônico.

Na medicina, o Google já criou sistemas que ajudam patologistas a ler lâminas de microscópios para diagnosticar câncer, e que ajudam oftalmologistas a detectar doenças de visão em pessoas portadoras de diabetes.

“Temos alguns dos maiores computadores do mundo”, disse Daniel Tse, médico que gerencia o projeto no Google e é um dos autores do estudo. “Queríamos começar a estender os limites da ciência básica a fim de encontrar aplicações bacanas e interessantes para desenvolver.”

No novo estudo, os pesquisadores aplicaram a inteligência artificial a tomografias usadas para identificar câncer de pulmão, uma doença que causou 160 mil mortes nos Estados Unidos no ano passado, e 1,7 milhão de mortes em todo o mundo. As tomografias computadorizadas são recomendadas para pessoas em risco elevado de câncer de pulmão devido a um histórico longo de tabagismo.

Estudos contataram que recorrer à tomografia pode reduzir o risco de morte causada por câncer de pulmão. Além de identificar cânceres claros, as imagens também podem identificar pontos que podem se tornar cânceres posteriormente, o que permite que os radiologistas dividam os pacientes em grupos de risco e determinem quais deles precisam de biópsias ou de acompanhamento mais frequente, com novas tomografias, a fim de manter sob observação as regiões suspeitas.

Mas o teste tem seus problemas: pode não identificar tumores, ou confundir manchas benignas com manchas malignas, e conduzir os pacientes a procedimentos invasivos e arriscados, como biópsias pulmonares ou cirurgias. E radiologistas diferentes podem chegar a interpretações diferentes ao contemplar a mesma imagem.

Os pesquisadores imaginaram que computadores talvez tivessem resultados melhores. Criaram uma rede neural, com múltiplas camadas de processamento, e a treinaram fornecendo muitas imagens de tomografia de pacientes cujos diagnósticos eram conhecidos. Alguns tinham cânceres de pulmão, alguns não, e alguns tinham nódulos que mais tarde provaram ser cancerosos.

Em seguida, os pesquisadores começaram a testar a capacidade de diagnóstico da rede.

“O processo de experimentação foi parecido com o de ensinar um estudante na escola”, disse Tse. “Usamos um conjunto de dados extenso para treinamento, e demos aulas ao sistema, aplicando provas rápidas para ajudá-lo a aprender por sua conta o que é câncer e o que pode ou não pode se tornar câncer no futuro. Por fim, aplicamos um exame final com o uso de dados que o sistema jamais tinha visto, depois de muito tempo de treinamento —e o resultado que vimos no exame final foi uma nota A”.

Testado diante de 6.716 casos com diagnósticos conhecidos, o sistema registrou 94% de precisão. Em comparação a seis radiologistas especializados, em casos onde não havia tomografia anterior disponível, o modelo de aprendizado profundo superou os médicos: seu número de falsos positivos e falsos negativos foi melhor. Quando havia uma imagem anterior de tomografia disponível, os resultados da máquina e dos médicos foram comparáveis.

A capacidade de processar vastos volumes de dados pode tornar a inteligência artificial capaz de reconhecer padrões sutis que os olhos humanos simplesmente não conseguem ver.

“Pode começar como algo que não podemos ver, mas isso talvez abra novas linhas de investigação”, disse Mozziyar Etemadi, médico e professor assistente de anestesiologia na Escola Feinberg de Medicina, Universidade Northwestern, e um dos autores do estudo.

Eric Topol, médico e diretor do Scripps Research Translational Institute, em La Jolla, Califórnia, autor de diversos trabalhos sobre o uso da inteligência artificial na medicina, disse estar “muito confiante que a descoberta será útil, mas primeiro é preciso provas”. Topol não participou do estudo.

Dado o número elevado de falsos positivos e falsos negativos nas tomografias pulmonares tais como executadas atualmente, ele disse, “as tomografias de pulmão para fumantes são tão ineficientes que seria difícil piorá-las”.

Perguntado se a inteligência artificial tiraria os radiologistas humanos do mercado, Topol respondeu: “Nossa, de jeito nenhum”.

A ideia é ajudar os médicos, não substitui-los.

“Vai facilitar a vida deles”, disse Topol. “Em termos gerais, o número de falsos negativos e coisas que passam despercebidas que obtemos é da ordem de 30% . Não deve ser difícil reduzir esse número”.

Mas há riscos potenciais. Um radiologista que interprete erroneamente uma tomografia pode prejudicar um paciente, mas um sistema defeituoso de inteligência artificial em uso generalizado poderia prejudicar muita gente, alertou Topol.

Antes que sejam colocados em uso público, ele disse, os sistemas precisam ser estudados rigorosamente, e os resultados publicados em revistas acadêmicas que os submetam a revisão científica; eles precisam ser testados em uso real para garantir que operam tão bem na prática quanto em laboratório.

E mesmo que eles passem nos testes, ainda seria preciso monitorá-los de forma a evitar ataques de hackers ou defeitos de software, ele disse.

Shravya Shetty, engenheira de software do Google e uma das autoras do estudo, questionou: “Como apresentar os resultados de maneira que estimule a confiança dos radiologistas?” A resposta, ela diz, será “lhes mostrar o que existe embaixo do capô”.

Outra questão: se um sistema de inteligência artificial for aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), agência americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, e se —como seria de esperar— o sistema continuar mudando com a experiência e o processamento de dados adicionais, o criador do sistema terá de solicitar nova licença? Se for esse o caso, com que frequência?

A rede neural de exame pulmonar ainda não está pronta para uso clínico. “Estamos colaborando com instituições de todo o mundo para tentar determinar como a tecnologia pode ser implementada na prática clínica de modo produtivo”, disse Tse. “Não queremos nos precipitar.”





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