Combate ao desperdício envolve hospitais, SUS e empresas de convênio
31/05/2019
Como equilibrar as contas, brecar o desperdício e oferecer mais qualidade nos serviços de saúde?

Uma estratégia é ampliar a cobertura da atenção primária no atendimento médico, dando assim os cuidados iniciais aos usuários, o que estimula a prevenção e evita custos desnecessários com exames.

Outras saídas são programas de qualidade, investimento em tecnologia e, nos planos de saúde, adoção de modelos de remuneração que não estimulem o uso excessivo de recursos.

Mudanças desse tipo são necessárias para enfrentar o desperdício, que chegou ao menos a R$ 27,8 bilhões em 2017, segundo dados mais recentes do Instituto de Estudo da Saúde Suplementar.

O valor representa quase um quinto (19,1%) de todas as despesas assistenciais (relativas a atendimento médico e tratamentos, basicamente) que as operadoras de saúde tiveram no mesmo ano (R$ 145,4 bilhões) e impacta diretamente nos reajustes dos planos.

“No setor de saúde, existe a dificuldade de mensurar desperdícios ou fraudes, mas o elevado crescimento das despesas assistenciais dá uma ideia de como as más práticas aumentam os custos”, diz Vera Valente, diretora da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).

No ano passado, a despesa assistencial atingiu R$ 161,5 milhões, um aumento de 7,2% em relação a 2017, puxado por gastos com internações.

Para buscar eficiência, hospitais, prestadores de serviço e operadoras de planos estão substituindo o pagamento baseado nos serviços prestados (“fee for service”) por modelos que relacionem o custo de cada atendimento ao desempenho profissional e ao benefício ao paciente. 

No pagamento por serviço, a conta é feita a partir de cada procedimento realizado (insumos, consultas, exames): a remuneração depende do volume de serviço e do material envolvido.

Uma mudança nesse modelo é essencial neste momento, mas desde que exista envolvimento de todas as partes do setor, pondera Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

Ele explica que, pelo sistema atual, quanto mais pacientes contraírem pneumonia em ambiente hospitalar, melhor será para a receita do hospital. “O modelo privilegia a doença, e não a saúde do paciente, que deveria ser o foco principal”, diz. “Ao passo que, quanto mais eu investir em programas de qualidade e remunerar com base no desempenho, não haverá mais pneumonia para tratar”, compara Klajner.

O hospital tem metas para reduzir desperdício —até o de tempo. O programa de melhoria no fluxo de pacientes, por exemplo, padronizou processos e procedimentos e reduziu o tempo médio de permanência do paciente no hospital de 5 dias para 3,2 dias nos últimos sete anos. Com isso, aumentou o número de leitos disponíveis e a construção de um novo prédio foi evitada.

“A partir da análise de dados do prontuário eletrônico, também conseguimos prever com antecedência se o paciente ficará ou não internado, com mais de 90% de assertividade. Isso ajuda a ter o leito bloqueado, o que faz com que o tempo de espera caia em até uma hora e 20 minutos”, diz o presidente do Einstein.

Com o sistema de telemedicina, criado em 2012, o hospital incrementou as consultas em tempo real, que passaram de 197 para 440 por mês, e evitou que, em 98% dos casos, atendidos nas empresas em 2018, os pacientes tivessem que se deslocar para receber atendimento especializado.

No Sírio-Libanês, o monitoramento de pacientes do hospital e de 18 empresas permitiu a redução em até 50% da ida ao pronto-atendimento.
“São cerca de 130 mil pessoas acompanhadas de perto, com médicos que monitoram o paciente e seu quadro familiar”, diz Paulo Chapchap, diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês.

O Banco Votorantim é uma das empresas que participa do programa Saúde Corporativa, do Sírio-Libanês. O ambulatório, que fica na sede do banco, completou um ano em março e tem foco na atenção primária, com médicos de família.

O programa gerou reduções importantes de desperdício, principalmente relacionadas a exames complementares, consultas em pronto-atendimento e faltas no trabalho.
3 milhões de pessoas ficaram sem assistência médica privada entre 2014 e 2017, o que o representou queda de 5,8% no número de beneficiários no período

As despesas assistenciais aumentaram 34,4% no mesmo período

*Os dados de 2017 são os mais recentes disponíveis. A estimativa é atualizada pelo IESS, a cada ano, com base em estudo da Funenseg (2006) que mostra que, no mercado de saúde, de 12% a 18% das contas hospitalares apresentam itens indevidos e de 25% a 40% dos exames laboratoriais não são necessários. As informações de 2018 não foram estimadas ainda. **Inclui despesas assistenciais acessórias aos atendimentos de promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação do paciente, como aluguel de cadeiras de rodas, atividades coletivas, campanha de vacinação, palestras, assistência farmacêutica 

R$ 27,79 bilhões é o montante de gastos indevidos com procedimentos e práticas irregulares, o que representa quase 1/5 do total de despesas assistenciais na saúde privada em 2017

Fonte: IESS (Instituto de Estudo de Saúde Suplementar) a partir do Mapa Assistencial da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) 

Em Porto Alegre, o Hospital Moinhos de Vento também reduziu a ineficiência e diminuiu em 33% o tempo para reocupar um leito entre 2016 e 2017, com iniciativas voltadas ao fluxo de paciente. O resultado foi a ampliação do atendimento, com acesso para cerca de 60 pessoas a mais por mês, total de 710 no ano.
A contratação de empresas de tecnologia é outra forma de monitorar comportamentos e estancar desperdícios.

A Orizon, que reúne um banco de dados de 13 milhões de usuários de 43 operadoras de convênios, atendidos em 140 mil locais no Brasil, detectou entre os problemas mais comuns a cobrança duplicada em exames de ultrassom. Por exemplo, em vez de cobrar pela única análise total do abdômen, cobra-se por órgão: fígado mais baço mais estômago. Também detectou casos em que se cobrou 64% a mais por uma prótese de quadril.

Outro exemplo de esbanjamento é a realização de tomografia, sete vezes mais cara que o raio-X, em situações em que poderia ser usado o exame de menor custo.
“Com ferramentas que permitem a análise de dados e inteligência médica, identificamos e alertamos as operadoras sobre desvios de padrão de procedimentos”, diz Mário Martins, presidente da Orizon, que analisa por dia 250 mil pedidos de autorizações para exames e já classificou 3.000 tipos de desvios.

O desperdício ocorre não só por responsabilidade de quem prescreve os procedimentos, lembra Ana Maria Malik, coordenadora do GV Saúde (Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV). Quem agenda exame sem necessidade, ou o mesmo exame em vários locais, ou, ainda, quem não comparece ao procedimento agendado atrapalha o sistema, tira o horário de quem precisa. “O desperdício ocorre em toda a cadeia”, afirma.

Neste ano, a Bradesco Saúde implementou em 50 empresas, responsáveis pelo atendimento de 500 mil pessoas, o programa de gestão do beneficiário “Juntos Pela Saúde”, para identificar e acompanhar doenças crônicas em tempo real e tornar os atendimentos mais resolutivos. Também adotou novos modelos de remuneração junto à rede referenciada.

“Estimamos que, ao adotar esses novos modelos de remuneração, a Bradesco Saúde teve cerca de R$ 83,6 milhões de custos evitados em 2018, resultado direto das negociações com mais de 450 hospitais, que já adotaram o modelo de procedimentos padronizados”, diz Flavio Bitter, diretor-gerente. 

Iniciativas como criação de canais de denúncia para combater fraudes também trazem resultados eficientes, acrescenta Claudio Lottenberg, presidente do UnitedHealth Group Brasil (dono da Amil).

De 2018 até agora, 11,5 mil denúncias foram recebidas pelos canais instalados pela empresa, das quais 1.242 se confirmaram fraudes. Usar a carteirinha de convênio de outra pessoa e cobrar por exames não realizados e insumos não usados em internações são os golpes mais frequentes.

“A sociedade pede para nos responsabilizarmos pela qualidade da saúde que entregamos. Significa menos desperdício, menos erros e custo menor”, diz Lottenberg. “Saúde não é muito, nem pouco, mas o que se faz necessário.”

A maior aproximação entre os setores público e privado também é apontada como essencial para aprimorar a saúde no Brasil.

“Existe um grande número de municípios com até 10 mil habitantes e hospitais de grande porte vazios. A ineficiência do sistema público passa por gestão orçamentária”, avalia o presidente do Einstein.

R$ 27,79 bilhões é o montante de gastos indevidos com procedimentos e práticas irregulares, o que representa quase 1/5 do total de despesas assistenciais na saúde privada em 2017

Relatório do Banco Mundial de 2018 mostrou que, com adoção de medidas de maior eficiência na atenção primária (unidades básicas) e na média e alta complexidade (ambulatórios e hospitais), o SUS poderá evitar desperdícios de até R$ 22 bilhões por ano.

O Ministério da Saúde informa que, desde janeiro, busca melhores práticas de gestão para evitar desperdícios e gastar melhor os R$ 132,8 bilhões previstos para 2019. Entre as ações está a informatização do SUS. “A iniciativa evitará a repetição de exames e encaminhamentos desnecessários, além de maior controle do gasto público”, informa a nota.

Para garantir a atenção primária, a pasta informa que reorganiza o atendimento em mil unidades, que passam a abrir no horário de almoço, à noite e aos finais de semana. “Assim, espera-se evitar o surgimento de doenças ou a evolução para estágios mais graves, cujos tratamentos são mais aflitivos para o paciente e mais onerosos para o SUS”.

Em janeiro, o governo começou uma ação integrada nos hospitais federais do Rio para identificar gargalos. “Em três meses, registrou-se aumento de 32% no número de consultas na emergência, de 7% nos atendimentos ambulatoriais e de 10% no número de internações na comparação com o primeiro trimestre de 2018.”

Um projeto para centralizar processos de compras e serviços prevê também economia de R$ 50 milhões por ano.

Desperdício passa ainda pelo baixo nível de formação dos médicos no Brasil, na visão de Diogo Leite Sampaio, vice-presidente da AMB (Associação Médica Brasileira).

“Mesmo de boa fé, profissionais mal preparados, por insegurança, sobrecarregam o sistema, internam sem necessidade, prescrevem equivocadamente, retardam tomadas de decisão em casos complexos e simples, agravando os que já eram graves e gerando custos desnecessários”, diz.
 




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