Para Iamarino, imunidade natural da covid-19 vai aumentar número de mortes
30/10/2020
“Os casos do novo coronavírus estão diminuindo, mas não tem o menor sinal de que isso é uma tendência. As coisas podem se reverter, e se reverter forte”, afirmou o doutor em microbiologia e divulgador científico, Atila Iamarino, em entrevista à emissora de televisão brasileira GloboNews. Iamarino também acredita que uma segunda onda do vírus pode atingir o Brasil em breve, apesar de não poder afirmar o tempo certo em que isso deve acontecer. Em outros continentes que estão passando pelo outono neste momento, como na Europa, a segunda onda do vírus já está causando um aumento exponencial de casos — colocando, novamente, a teoria da imunidade natural em xeque.
 

Iamarino, crítico ferreno do conceito de imunidade de rebanho, está de acordo com outros cientistas que não acreditam que essa é a forma ideal de lidar com a covid-19. “Nenhuma cidade no mundo atingiu ainda o ponto cruel de ter tantas pessoas infectadas e curadas de que eles atingiram o nível de imunidade necessário. Nós estamos vendo leitos começando a faltar em Manaus, que foi uma das cidades mais atingidas no mundo. É sinal que não dá para contar com a imunidade natural, primeiro porque a gente perde muitas vidas no processo e isso pode tirar muitas vidas mais para a frente”, explica.

Para médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a estratégia da imunidade de rebanho não funciona no Brasil porque o sistema de saúde não teria capacidade para lidar com o grande número de internações que seriam necessárias para que o vírus parasse de circular.

 

“Se toda a população de uma cidade, país, ou do mundo, tiver coronavírus, o vírus deixa de circular. Mas não é preciso que todos seja infectados. Há uma regra que indica que, se o contágio chega a 70% das pessoas, o vírus não consegue achar os outros 30% e deixa de circular, desaparece. Mas ele pode voltar um tempo depois, quando aumentar a população que não foi infectada, por nascimento ou imigração. Isso é o que se chama de imunidade de manada. No caso da covid-19, 40% de quem tem a doença nem percebe que teve, 15%  precisam de internação em hospital e 5% vão para a UTI. Se precisarmos internar 20% da população, seriam mais de 29 milhões de internações. Isso causaria colapso no sistema de saúde brasileiro”, afirma Vecina Neto, em entrevista à EXAME em maio.

“Se 0,36% das pessoas morrerem, vão morrer mais de 529 mil pessoas no Brasil. A imunidade de manada é muito cara. No resto do mundo, o mesmo aconteceria”, diz.

Além da imunidade de rebanho, outra preocupação de Iamarino é a descredibilização das vacinas — não só das experimentais contra a covid-19, mas também de outras já existentes e com eficácia comprovada. “Já estamos disputando as outras coisas todas. Já questionamos máscaras, distanciamento, já tivemos soluções farmacológicas que não eram soluções, como a cloroquina, e outras curas sendo promovidas até agora”, diz. “Uma coisa que temos muito clara em medicina que funciona para prevenir doenças são as vacinas. E esse tipo de discussão em cima de uma eventual vacina da covid também acaba vindo para outras vacinas. O Brasil já vive o pior período de vacinação dos últimos 20 anos. Será que a gente vai descredibilizar as vacinas para as pessoas dessa forma? E deixar de vacinar para coqueluche, sarampo e outras coisas, como já fazemos?”, questiona.

A vacina russa

Foi anunciado nesta quinta-feira, 29, que a vacina russa Sputnik V, a primeira a ser registrada no mundo, teve de ter seus testes pausados pela falta de doses da imunização. Para Iamarino, “a Rússia já está desenvolvendo a vacina como se ela já funcionasse”, o que pode confundir a população do país.

“Ou a Rússia está vacinando mais voluntários do que os cadastrados ou estão vacinando todos de uma vez porque estão na segunda onda agora de casos, ou na terceira onda. O processo de desenvolvimento de testes é delicado porque não temos ainda a capacidade de produção de uma vacina robusta quando desenvolvida, então o número de doses que é feito ao longo dos tempos é restrito. Parte da população pode estar confundindo se estão participando de uma fase experimental ou se estão sendo protegidos, o que não é o caso”, explica.

 

Vale ressaltar que, até o momento, todas as mais de 200 vacinas em desenvolvimento e as dez potenciais que estão na última fase de testes são, ainda, imunizações experimentais que não passaram por todas as fases de estudo clínico necessários para que ocorra uma aprovação.

A briga política pelas vacinas

Para Iamarino, o uso das vacinas experimentais para promover “a esperança das pessoas em um período incerto” é algo extremamente prejudicial que tem acontecido não só no Brasil, mas no mundo todo. A briga política em relação a imunização também é extremamente prejudicial — e Iamarino evidencia o fato de que as vacinas que estão em testes ainda são candidatas, ainda não temos uma vacina segura que todo mundo pode sair e tomar.

“Na verdade, são promessas. As vacinas são, ainda, candidatas, e tem chances de muitas darem errado. Esse é, inclusive, o processo de uma fabricação e desenvolvimento de vacina. Mas, justamente por muitas terem a chance de dar errado, uma que for eficaz e capaz de proteger as pessoas, tem que ser abraçada como se fosse a solução vinda de cima”, diz. “É raro conseguir isso, muito mais em um intervalo de tempo tão curto quanto essse e todos os países, principalmente os do hemisfério norte, mostram agora que vamos precisar das soluções que já tivermos. O Brasil já não tem as outras soluções não farmacológicas, vão jogar fora também a solução farmacológica?”

O que é a imunidade de rebanho?

A teoria da imunidade consiste no efeito de proteção que surge nas pessoas quando grande parte se vacinou contra uma doença — assim, mesmo quem não tomou a vacina fica protegido. Muitos acreditam que o indivíduo, ao contrair a SARS-CoV-2, se torna imune a ela. Assim, quanto mais gente for infectada, maior a chance de todos se tornarem imunes. É daí que vem o termo “imunidade de rebanho”. Com ela, todos estariam protegidos. No caso da covid-19, fica difícil imaginar que a situação possa ser resolvida dessa forma, já que ainda não existe uma vacina.

Nenhum estudo comprovou ainda se a imunidade após o contágio do novo coronavírus realmente acontece e casos de reinfecção já foram confirmados em alguns lugares do mundo. Mesmo se acontecer, em outras variações do vírus (como a OC43 e a HKU1), as pessoas ficam imunes por um período determinado de tempo. A imunidade só dura até que surja uma nova cepa do vírus, uma vez que a mutação é inerente a ele. É o que nos faz pegar gripe mais de uma vez, por exemplo.

 

Fora isso, a estratégia da imunidade teria um custo social alto: a perda de vidas, não só de pessoas em grupos de risco, mas também de jovens e pessoas aparentemente saudáveis.

Quem terá prioridade para tomar a vacina?

Nenhuma vacina contra a covid-19 foi aprovada ainda, mas os países estão correndo para entender melhor qual será a ordem de prioridade para a população uma vez que a proteção chegar ao mercado. Um grupo de especialistas nos Estados Unidos, por exemplo, divulgou em setembro uma lista de recomendações que podem dar uma luz a como deve acontecer a campanha de vacinação.

Segundo o relatório dos especialistas americanos (ainda em rascunho), na primeira fase deverão ser vacinados profissionais de alto risco na área da saúde, socorristas, depois pessoas de todas as idades com problemas prévios de saúde e condições que as coloquem em alto risco e idosos que morem em locais lotados.

 

Na segunda fase, a vacinação deve ocorrer em trabalhadores essenciais com alto risco de exposição à doença, professores e demais profissionais da área de educação, pessoas com doenças prévias de risco médio, adultos mais velhos não inclusos na primeira fase, pessoas em situação de rua que passam as noites em abrigos, indivíduos em prisões e profissionais que atuam nas áreas.

A terceira fase deve ter como foco jovens, crianças e trabalhadores essenciais que não foram incluídos nas duas primeiras. É somente na quarta e última fase que toda a população será vacinada.

 

Quão eficaz uma vacina precisa ser?

Segundo uma pesquisa publicada no jornal científico American Journal of Preventive Medicine uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia. Para evitar que outras aconteçam, a prevenção precisa ser 70% eficaz.

Uma vacina com uma taxa de eficácia menor, de 60% a 80% pode, inclusive, reduzir a necessidade por outras medidas para evitar a transmissão do vírus, como o distanciamento social. Mas não é tão simples assim.

Isso porque a eficácia de uma vacina é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que a tomam, ou seja, se 75% da população for vacinada, a proteção precisa ser 70% capaz de prevenir uma infecção para evitar futuras pandemias e 80% eficaz para acabar com o surto de uma doença.

As perspectivas mudam se apenas 60% das pessoas receberem a vacinação, e a eficácia precisa ser de 100% para conseguir acabar com uma pandemia que já estiver acontecendo — como a da covid-19.

Isso indica que a vida pode não voltar ao “normal” assim que, finalmente, uma vacina passar por todas as fases de testes clínicos e for aprovada e pode demorar até que 75% da população mundial esteja vacinada.

Os tipos de vacina disponíveis

Alguns tipos de vacina têm sido testados para a luta contra o vírus. Uma delas é a de vírus inativado, que consiste em uma fabricação menos forte em termos de resposta imunológica, uma vez que nosso sistema imune responde melhor ao vírus ativo. Por isso, vacinas do tipo têm um tempo de duração um pouco menor do que o restante e, geralmente, uma pessoa que recebe essa proteção precisa de outras doses para se tornar realmente imune às doenças. É o caso da Vacina Tríplice (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. A vacina da Sinovac, por exemplo, segue esse padrão.

Outro tipo de vacina é a de Oxford, feita com base em adenovírus de chimpanzés (grupo de vírus que causam problemas respiratórios), e contendo espículas do novo coronavírus.

As outras vacinas em fases clínicas já avançadas também são baseadas em espículas, mas apresentadas em forma de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna.

Como estão as dez potenciais?

Sinovac Biotech: a vacina chinesa que começou os testes em fase 3 no Brasil na segunda-feira, 20, pretende fabricar até 100 milhões de doses anuais. Por aqui, 9.000 profissionais da área da saúde receberão a vacina.

Sinopharm (Wuhan e Pequim): a vacina com base em vírus inativado, que se mostrou capaz de produzir resposta imune ao vírus, começou as fases 3 de testes neste mês nos Emirados Árabes Unidos. Cerca de 15.000 voluntários participaram do período de testes e a empresa chinesa acredita que a opção estará disponível para o público já no final do ano.

Oxford e AstraZeneca: os resultados preliminares das fases 1 e 2 da vacina com mais de 1.000 pessoas mostraram que ela foi capaz de induzir uma resposta imune à doença. As fases 2 (que ainda está ocorrendo no Reino Unido) e 3 de testes (acontecendo no Reino Unido, Brasil e África do Sul) devem garantir a eficácia completa dela. A opção é tida como a mais promissora pela OMS.

Moderna: a empresa americana iniciou última fase de testes de sua vacina baseada no RNA mensageiro no dia 27 de julho. O teste vai incluir 30.000 pessoas nos Estados Unidos e o governo investiu pesado: cerca de 1 bilhão de dólares para apoiar a pesquisa. A expectativa da empresa é produzir 500 milhões de doses por ano.

Pfizer e BioNTech: a vacina agora também está na fase 3 de testes e também usa o RNA mensageiro, que tem como objetivo produzir as proteínas antivirais no corpo do indivíduo. A expectativa é testar a vacina em aproximadamente 30.000 voluntários com idades entre 18 e 85 anos no mundo. Desse total, 1.000 serão testados no Brasil. Se tudo der certo, a expectativa é que a eficácia da vacina seja comprovada até novembro. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.

Instituto Gamaleyaem 11 de agosto a Rússia registrou a primeira vacina do mundo contra a covid-19. A vacina russa é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus e é por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima.

CanSino: a vacina chinesa usa um vírus inofensivo do resfriado conhecido como adenovírus de tipo 5 (Ad5) para transportar material genético do coronavírus para o corpo e, segundo a companhia, conseguiu induzir uma resposta imune nos indivíduos que foram testados. No começo de agosto, a China concedeu a primeira patente da vacina.

Janssen Pharmaceutical Companies: a vacina, em parceria com o gigante Johnson & Johnson conseguiu induzir imunidade robusta em testes pré-clínicos. A tecnologia usada para a produção dela é a mesma utilizada no desenvolvimento da vacina do Ebola, que inclui o uso do vírus inativado da gripe comum, incapaz de ser replicado.

Novavax: a empresa americana nunca produziu uma vacina em mais de três décadas de existência, mas decidiu tentar. A vacina tem como base as proteínas do próprio vírus.

Quais são as fases de uma vacina?

Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.

Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população.

Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscaras, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina. 

A mais rápida a passar por todas essas fases foi a do Ebola, que demorou cinco anos para ficar pronta e ser aprovada pela agência análoga à Anvisa nos Estados Unidos e pela Comissão Europeia, em 2019.

Até o momento, em relação à pandemia atual, nenhuma situação do tipo aconteceu.

Fonte: Exame




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