Para diretor do Butantan, 2ª onda já chegou e pode ser pior
14/12/2020

O país já vive a segunda onda da covid-19, e ela poderá ter a mesma intensidade ou ser até mais forte que a primeira. A afirmação é do hematologista Dimas Covas, diretor-presidente do Instituto Butantan, em entrevista ao Valor. 

Covas afirmou que mesmo depois da vacinação contra a doença, o uso da máscara não será abandonado. “Certamente não. É um mundo tão novo, que a cada dia você tem informações novas, notícias a respeito do próprio comportamento do vírus”, comentou. 

Segundo ele, também não há previsão para imunizar toda a população brasileira, o que demandaria algo em torno de 360 milhões de doses. Campanhas de vacinação, disse, provavelmente serão recorrentes. Apesar disso, confirmou que o Brasil terá vacina 100% nacional, feita pelo Butantan, o que ajuda a reduzir custos. Covas se refere à Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, cuja tecnologia está sendo transferida para o instituto. 

Ele defende a Coronavac como uma das vacinas mais seguras até o momento e se diz a favor da quebra de patentes para imunizantes contra a covid-19. 

Questionado ontem sobre o plano nacional de vacinação entregue ao STF (ver texto abaixo), Covas disse que mantém as avaliações da entrevista dada na sexta-feira. 

A seguir, os principais trechos da entrevista: 

Valor: O senhor disse que, caso a Anvisa não conceda o registro à Coronavac, governos locais podem se valer de artigo da Lei 13.979, relacionada ao Estado de Calamidade Pública. Isso quer dizer, objetivamente, que a vacinação em São Paulo começará em 25 de janeiro? 

Dimas Covas: Não vou afirmar categoricamente que vai. O governo anunciou medida provisória para requisitar todas as vacinas. Isso já é um elemento novo na equação. Significa, se de fato isso acontecer, que as vacinas serão todas disponibilizadas pelo Programa Nacional de Imunizações. O dispositivo [da lei] é do registro apenas. Inclusive foi mencionado pelo governador Flávio Dino [PCdoB-MA], numa ação no Supremo Tribunal. Exatamente reforçando a possibilidade de incorporar a vacina, nem é de vacinar, mas incorporar. 

Valor: A Anvisa definiu que o pedido para uso emergencial das vacinas deve ser feito pelos fabricantes, e não por governos. Isso pode comprometer o cronograma de São Paulo? Quando vocês devem entrar com pedido para uso emergencial? 

Covas: Não tem como um governo pedir autorização para a Anvisa, certo? A Anvisa autoriza produtos, e quem pede registro é quem produz. Obviamente, existem dois caminhos possíveis para registrar essa vacina. Um é o pedido regular de registro ou esse de uso emergencial. Na essência, analisando os requisitos, eles não diferem muito, o que muda é o rito. O rito de registro regular é adstrito à área técnica. Ao passo que o de uso emergencial é restrito à diretoria colegiada da Anvisa. São dois caminhos, e o fato de ser via diretoria colegiada significa que poderá ser feito de forma expedita. Inclusive há necessidade de apresentar resultados da fase três de estudo clínico. 

 

Valor: O estudo de eficácia sai mesmo neste 15 de dezembro? 

Covas: Não submetemos [à Anvisa], porque estamos aguardando o resultado. Logo que tivermos, faremos a solicitação. A previsão é que saia até 15 de dezembro, mas não posso dizer que sairá dia 15. É etapa crucial tanto para registro aqui quanto na China. 

Valor: O que é preciso para produzir a vacina? Todos os itens são daqui ou é tudo importado? 

Covas: Na realidade, o que recebemos da China é a matéria-prima da vacina. Os demais insumos são do Butantan. O que compõe toda a vacina, com exceção do princípio ativo, é do Butantan: frasco, rótulo, processo de formulação, processo de controle de qualidade, o registro, definição de farmacêutico responsável, a bula. Tanto que a vacina não é chinesa, é do Butantan. 

Valor: Os insumos importados da China até agora são suficientes para produzir 1 milhão de doses por dia e atender à demanda também de outros Estados? 

Covas: Existe um cronograma de entrega desse princípio ativo, de forma que, até o fim de janeiro, todos os 46 milhões prontos ou semiprontos estarão aqui no Butantan. O falamos para os Estados nesse momento, e o governador [João Doria] anunciou, é apenas 4 milhões de doses para os Estados. Na fase inicial de vacinação, que termina em 28 de março, serão 18 milhões de doses para São Paulo e 4 milhões para os demais Estados. 

Valor: Mas o governo estadual anunciou que, não só outros Estados, mas países da América Latina vêm procurando São Paulo interessados em obter o imunizante. A vacina para esse atendimento será produzida com nova leva de insumos que virão da China? 

Covas: Sim, esse acordo de 46 milhões é o que nós temos até o momento destinado ao Brasil. Existe uma segunda possibilidade, que é completar os 100 milhões de doses até maio. Na proposta que apresentamos ao ministério, há esse escalonamento de 46 milhões até janeiro, mais 15 milhões até o fim de fevereiro e 40 milhões até maio. Como não houve manifestação efetiva do ministério, nos restringimos aos 46 milhões. A América Latina é outra história, que não está incluída. O Butantan vai fornecer a vacina para toda a América Latina, se houver demanda. 

 

Valor: Esses 100 milhões seriam suficientes para vacinar toda a população vulnerável do Brasil? 

Covas: Seriam 50 milhões de pessoas. Para esses grupos iniciais previstos, e até com certa sobra, porque os grupos vulneráveis são em torno de 30 milhões. 

Valor: Quais são as próximas etapas do acordo com a Sinovac? Já há um desenho? 

Covas: Temos. Prevendo fornecimento para a América Latina, pois já temos alguns pedidos iniciais, estamos avançando com a Sinovac para fazer um cronograma para esses países. 

Valor: Poderemos ter um dia uma vacina 100% brasileira? Com insumos produzidos no Brasil? 

Covas: Brevemente teremos, sem dúvida. Estamos prevendo para o fim do ano que vem. Dependemos de uma fábrica do Butantan que está em construção e que estará pronta em outubro. 

Valor: Qual o prazo de validade da vacina? É do tipo dose única na vida, ou teremos muitas campanhas no futuro? 

Covas: Essa é a pergunta que eu gostaria de poder responder. Tudo indica que teremos necessidade recorrente de vacinação, só não sabemos a periodicidade. Se anual, se poderá ser bianual ou até num intervalo menor. Tudo depende dos estudos clínicos, pois nenhum em andamento, nem de vacinas em uso como a da Pfizer, tem ainda tempo suficiente de acompanhamento. Todos têm a mesma idade, que é de quatro a cinco meses. É muito recente. 

Valor: A Anvisa reportou ter encontrado inconformidades na fábrica da Sinovac. O sr. pode detalhar esses achados? 

Covas: Isso é absolutamente normal no processo de GMP [Good Manufacturing Practices] validation, principalmente considerando que a inspeção da nossa Anvisa tem requisitos que são diferentes dos requisitos da inspeção na China. A fábrica na China já foi certificada GMP pela autoridade chinesa, e a Anvisa solicitou esclarecimento sobre pontos, os quais acha que têm que ter documentação mais robusta. 

Valor: Muitas pessoas temem efeitos colaterais de vacinas produzidas em fast track. Alguns têm até dúvida se vão de fato se vacinar. 

 

 
Covas: O primeiro ponto é que existem várias vacinas sendo testadas, de tipos diferentes. E cada tipo com o seu perfil de segurança. A vacina que o Butantan desenvolve é baseada numa tecnologia das mais tradicionais, que é a produção por meio de vírus inativados. Há mais de 70 anos esse tipo é usado. São as mais seguras que existem. A vacina Butantan-Sinovac tem o melhor perfil de segurança entre todas as apresentadas até agora. 

Valor: Mas não há muita saída, pois é uma emergência mundial, o que implica riscos, não é isso? 

Covas: Um dos pontos da equação é o risco-benefício. Se você tem vacinas relativamente seguras, mas eficazes, considerando que você tem um grande número de pessoas desenvolvendo doença grave e indo a óbito, quando você coloca esses elementos na equação, você conclui pela utilidade da vacina. Ela é efetiva no sentido de reduzir mortes e complicações. 

Valor: Qual o prazo para toda a população do Estado de São Paulo ser vacinada? Se a primeira fase termina em 28 de março, todos terão recebido a vacina até o meio do ano? 

Covas: Na realidade, o Estado de São Paulo está obedecendo ao planejamento federal. Simplesmente está adiantando a fase. No plano federal, em nenhum momento foi prevista a vacinação integral da população. Foi prevista a vacinação de profissionais da saúde, de idosos acima de 60 anos, grávidas, depois de profissionais de segurança pública, profissionais da educação, pessoas com comorbidade. Mas não está contemplada a população geral, nem de crianças. 

Valor: Mas é possível que isso ocorra no futuro? 

Covas: Para o Brasil, isso significaria em torno de 360 milhões de doses de vacina. No primeiro momento, o Brasil vai chegar aí à casa de 100 milhões de doses no primeiro semestre do ano que vem. Portanto 2021 será, primeiramente, de procura de vacinas, e em segundo lugar, de seguir um cronograma de vacinação, se houver disponibilidade suficiente de vacina. 

 

Valor: Vamos poder abandonar as máscaras? 

Covas: Certamente não. É um mundo tão novo, em que a cada dia você tem informações novas, notícias a respeito do próprio comportamento do vírus. Essa questão agora da reinfecção que volta a ser mencionada. Não sabemos todos os detalhes do vírus e do seu comportamento. 

Valor: O avanço da pandemia no Brasil e em São Paulo já configuram uma segunda onda? 

Covas: Sim. Já estamos numa segunda onda, cujo potencial, pelos números iniciais e pelas projeções em cima desses números, é tão grande ou até maior que a primeira. Nesse momento, não há o que ser feito, é precaução. Temos que relembrar isso às pessoas que estão dando menos importância ao vírus. Parece que se acostumaram ao vírus. 

Valor: Quase 100 países membros da OMS defendem o fim das patentes para vacinas e tratamentos contra a covid. O Itamaraty se recusou a se unir ao grupo. Qual sua opinião? 

Covas: Nesse momento de desafio mundial, é importante lembrar que a epidemia nunca diminuiu. Desde o começo, só vem aumentando. Ela migra de país para outro, aumenta num país e diminuiu noutro, mas, no geral, só se expande. Portanto, no que diz respeito a vacinas, temos que ter olhar diferente. A China já anunciou que essa vacina é patrimônio mundial. Acho que os demais detentores de patente deveriam licenciar, e não ter como perspectiva a exploração comercial. É minha opinião. 

Valor: Já se fala em judicialização da distribuição da vacina, e que planos estaduais podem criar iniquidade em saúde. Como resolver a equação num país tão desigual? 

Covas: Na Constituição está escrito em letras capitais que a saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Acho que qualquer desvio dessa norma constitucional dá abrigo a possíveis judicializações. 

 
 

 

 

Fonte: Valor




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