Análise: Os limites da liberdade de expressão na era da internet
12/01/2021

 

Com que rapidez, numa crise, o impensável pode se tornar realidade? Se uma semana atrás parecia irreal que um presidente dos Estados Unidos pudesse incitar uma insurreição ou enfrentar um segundo impeachment em um único mandato, o mesmo se dava com a possibilidade de as plataformas das redes sociais excluírem o “líder do mundo livre”. 
 

As interdições do presidente Donald Trump pelo Twitter, Facebook e Instagram, suscitam questões profundas — de liberdade de expressão e os precedentes que elas podem estabelecer para sociedades menos livres. No entanto, embora a natureza “permanente” da suspensão do Twitter seja questionável, não agir teria criado riscos ainda maiores.

 

Nas circunstâncias excepcionais vividas hoje pelos EUA, as redes sociais fizeram bem em suspender o acesso de Trump pelo menos até o fim de seu mandato presidencial. O presidente glorificou a violência e encorajou uma contestação às instituições americanas que deixou cinco mortos. 
 

Os críticos estão certos em afirmar que a decisão veio cinicamente tarde. O presidente desprezou repetidamente as regras de uso das plataformas. Tivessem elas agido mais cedo para remover seletivamente as postagens presidenciais ofensivas, a necessidade de ações mais duras poderia ter sido evitada. 
 

Além disso, a polícia tinha bons motivos para temer que os apoiadores do presidente estavam usando tanto as grandes plataformas quanto outras menos conhecidas para planejar mais violência. Isso justifica as medidas da Apple, Google e Amazon de restringir o acesso ao Parler, a alternativa ao Twitter adorada pela direita radical. 
 

Estas são, sem dúvida, questões éticas complexas. A premiê alemã, Angela Merkel, criticou a suspensão por tempo indeterminado de Trump pelo Twitter como uma violação ao “direito fundamental de liberdade de expressão”. Alexei Navalny, o blogueiro russo anticorrupção, disse que isso poderá ser “explorado pelos inimigos da liberdade de expressão de todas as partes do mundo” 

Mesmo assim, a capacidade dos EUA de promover a democracia e as liberdades políticas em outros lugares entra em colapso se ela não conseguir defender a sua própria. Embora alguns questionem por que inimigos dos EUA mantêm acesso ao Twitter enquanto Trump é impedido, o presidente tem o poder único de minar a democracia americana, se ele escolher fazer isso. É equivocado sugerir que Trump foi “silenciado” quando ele mantém o acesso ao poderoso púlpito presidencial. 
 

Discurso do ódio 

Além disso, a liberdade de expressão não pode ser totalmente ilimitada. Os liberais deveriam estar atentos ao mau uso de seus próprios argumentos para minar aquilo em que eles acreditam. As restrições são legítimas quando se trata do discurso do ódio e da incitação pela internet. Embora o contexto cultural seja muito diferente, Merkel observa que os EUA fariam melhor em seguir a Alemanha na aprovação de leis que restringem esse comportamento, do que deixar que as plataformas das redes sociais criem e fiscalizem suas próprias regras. 
 

Tais restrições legais nos EUA poderão colidir com a Primeira Emenda da Constituição. Mesmo assim, os últimos dias mostram, acima de tudo, a necessidade de um debate sobre os limites da liberdade de expressão nos EUA e o poder das empresas de tecnologia. Uma regulamentação mais clara deveria ser a prioridade para o governo de Joe Biden e para o Congresso. 
 

Isso não significa necessariamente repelir a cláusula 230 da Lei de Decência nas Comunicações, que concede às companhias da internet imunidade ao conteúdo gerado pelos usuários em seus sites. Mas isso deveria ser, pelo menos, reformado, com isenções estendidas para cobrir, por exemplo, a incitação à violência ou a propaganda terrorista. Um mecanismo de reparação mais eficiente é necessário. 
 

O que não pode ser negligenciado, também, é a responsabilidade dos canais convencionais de TV, como a Fox News de Rupert Murdoch, que capacitaram Trump por muito tempo e, segundo um estudo, foram mais influentes na disseminação de falsas crenças do que as redes sociais. O Reino Unido, que aprovou o canal noticioso “opiniático” de Murdoch, deveria prestar muita atenção. 

 

Fonte: Valor




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