O governo Jair Bolsonaro ouviu de autoridades chinesas em Pequim que “parceiros estratégicos”, como o Brasil, passarão na frente de outros países na lista de envio de insumos para a produção de vacinas contra a covid-19. Ontem, a Embaixada da China em Brasília divulgou nota em que se compromete a fazer “máximos esforços” para conseguir viabilizar essas exportações para o Brasil.
A sinalização sobre os insumos foi dada ao embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet, pelo ministro de Negócios Estrangeiros do país, Wang Yi. Estivallet teve a oportunidade de conversar com Wang após contato com o chefe do Departamento de América Latina e Caribe do ministério, Zhao Bentang, normalmente o interlocutor máximo da chancelaria chinesa com a comunidade diplomática latino-americana em Pequim.
Os chineses relataram, segundo um auxiliar do presidente, que o atraso no envio dos imunizantes é uma questão técnica, e não política, apesar do desgaste provocado por ataques do presidente Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo. Diante dos apelos para acelerar o fornecimento, eles responderam que há uma fila de países a serem atendidos, mas que “parceiros estratégicos como o Brasil” estarão na frente da fila, disse esse auxiliar.
Apesar da suposta garantia de boa vontade da China, conforme os relatos, há uma preocupação no governo brasileiro com o “timing” para equacionar o impasse. O que entrou no radar dos negociadores em Brasília é a proximidade do Ano Novo chinês, no dia 12 de fevereiro, quando o país praticamente para por uma semana - é o maior feriado nacional.
O temor é menos com eventuais paralisações na fabricação dos imunizantes por causa do feriado do que uma demora adicional para fazer contatos oficiais, obter licenças com a burocracia chinesa, providenciar soluções logísticas.
Nesses dias costuma haver uma desmobilização geral em empresas e no próprio governo em Pequim. Qualquer pendência fica mais difícil de resolver.
Os auxiliares presidenciais atribuem à pesada burocracia chinesa, além da falta de produção em escala suficiente para atender todos os países, a demora no envio dos insumos.
“Também foi indicado que a exportação de insumos para vacinas a partir da China está condicionada à aprovação do Grupo de Prevenção e Controle Conjunto do Conselho de Estado, com procedimento aparentemente novo e pouco claro para as diversas agências com as quais a embaixada conversou”, diz um telegrama diplomático escrito por Estivallet, conforme reprodução de uma fonte ouvida pelo Valor.
A embaixada em Pequim conversou ainda com representantes do Ministério do Comércio, da Comissão Nacional de Saúde (equivalente ao nosso Ministério da Saúde) e da GAAC (correspondente à Receita Federal).
A sinalização dos chineses ocorre no momento em que o país está carente de insumos para a fabricação no país da Coronavac e da vacina AstraZeneca /Oxford. O Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) possuem, respectivamente, convênios de transferência de tecnologia para fazer os imunizantes em solo brasileiro.
No comunicado divulgado ontem, a embaixada da China em Brasília afirma que “a parte chinesa tem sempre apoiado e continuará apoiando o fortalecimento de cooperação na área de vacinas entre as empresas e instituições dos dois países”.
“Em relação à exportação ao Brasil de insumos de vacinas, a Embaixada da China no Brasil tem mantido contatos com a parte brasileira e fará máximos esforços para conseguir avanços sob a premissa de garantir a saúde e segurança”, informou a nota.
Ontem, em live nas redes sociais, Bolsonaro negou haver problemas no relacionamento com a China. Ao lado de Araújo, ele também desmentiu estar sofrendo pressões dos asiáticos para substituir o auxiliar. E afirmou que os chineses precisam do Brasil para comer.
“Quem demite ministro sou eu. Ninguém procurou nem ousaria procurar”, disse. “O Brasil precisa da China, mas a China também precisa da gente. [...] A relação de um país com o outro tem interesse, não tem amor.”