O atraso nas entregas das vacinas contra a covid-19 e as incertezas quanto às vacinas ainda não aprovadas indicam que é pouco provável que a Europa terá vacinado uma parcela significativa de sua população até a metade do ano. Isso traz o risco de mais meses de “lockdowns” e outras restrições. E de atraso na recuperação econômica.
A piora na expectativa de um rápido retorno à normalidade, em relação aos EUA, que estão muito mais adiantados na vacinação, prenuncia problemas para a economia da região, que depende muito de serviços, entre os quais viagens e turismo, principalmente no sul europeu, menos rico.
A Comissão Europeia, o órgão executivo da União Europeia (UE) que centraliza a compra de vacinas para o bloco, encomendou 2,3 bilhões de doses de seis fabricantes. E previa que os países do bloco deveriam conseguir vacinar 70% dos adultos que compõem o total de 448 milhões de habitantes do bloco até o terceiro trimestre.
Mas atrasos na entrega e contratempos de produção sofridos por dois grandes fabricantes ameaçam esse plano, juntamente com a incerteza sobre quando outras vacinas compradas pela UE serão aprovadas. Nesse ínterim, os governos na região estão tendo dificuldades em reduzir os números de casos e de mortes, apesar das rígidas restrições impostas à população.
Dez dias atrás, a Pfizer e a BioNTech, que venderam 600 milhões de doses de sua vacina para a UE, o que as converte no maior fornecedor do continente, disse que reduziriam temporariamente as entregas no bloco devido a ajustes na sua fábrica na Bélgica. Na sexta-feira, a AstraZeneca, cuja vacina a UE ainda está para aprovar, disse que só poderá entregar 30 milhões dos 80 milhões de doses prometidas para fevereiro e março, devido a problemas de produtividade em uma fabricante terceirizada.
A UE alertou ontem que tomará as medidas necessárias para proteger seus cidadãos após chamar de inaceitáveis as respostas da AstraZeneca sobre os atrasos. E anunciou que passará a exigir notificação prévia de qualquer exportação de vacinas fabricadas no bloco. Isso levanta a possibilidade de o bloco limitar a exportação de vacinas.
A americana Moderna, cuja vacina é a única aprovada no bloco junto com a da Pfizer, prometeu 160 milhões de doses para UE, de longe a menor encomenda. Outras fabricantes, como Sanofi, GlaxoSmithKline, Johnson & Johnson e Curevac, ainda não pediram aprovação para seus produtos. Vacinas ainda não aprovadas respondem por 66,6% das encomendas da UE.
Autoridades alemãs já aventaram a suspeita de que o atraso nas entregas na UE pode estar relacionado com o decreto dos EUA que diz que o país deve ter prioridade nas vacinas produzidas localmente. Os EUA não foram afetados por atrasos nas entregas até agora.
A imprensa alemã informou ontem que autoridades do país relataram ainda que a vacina da AstraZeneca tem baixa eficácia (9%) em pessoas acima de 65 anos, e que poderia nem ser aprovada na UE. A empresa negou os dados.
Ontem, a Comissão Europeia disse manter suas metas de vacinação. O porta-voz Eric Mamer disse que a presidente da comissão, Ursula Von Der Leyen, comunicou ao executivo-chefe da AstraZeneca, Pascal Soriot, que espera que a empresa cumpra seu contrato.
Na prática, porém, é cada vez mais provável que o processo de vacinação tenha de ser desacelerado até o terceiro trimestre.
A UE já está atrás de outros países ricos. Reino Unido e EUA, que começaram a vacinação quase um mês antes, imunizaram 10,1% e 6,2% de suas populações, respectivamente, segundo dados da Universidade de Oxford. No caso de Espanha, Itália, Alemanha e França, as taxas variam de 1,5% a 2,5%.
Problemas de fabricação não são o único percalço. A UE foi mais lenta que EUA e Reino Unido em aprovar as vacinas. Como as doses só podem ser entregues depois de aprovadas, o bloco foi empurrado para trás na fila para entregas.
Outro problema é que o vírus sofre mutações, o que torna provável que as vacinas tenham de ser modificadas para garantir a continuidade de sua eficácia.
Além disso, a campanha de vacinação, concentrada na população idosa e nos grupos mais vulneráveis, poderá conseguir reduzir as mortes, mas terá pouco efeito em desacelerar a propagação do vírus, que é impulsionada por setores da população de maior mobilidade.