O desafio de reagir rápido às variantes da covid-19
27/01/2021

Foi o desenvolvimento mais rápido na história de uma vacina. Agora, os laboratórios farmacêuticos se preparam para fazer tudo de novo. Depois do surgimento de novas variantes preocupantes, que poderiam tornar o vírus sars-cov-2, causador da covid-19, mais transmissível, mais mortal ou mais resistente às vacinas, os laboratórios farmacêuticos que reagiram em tempo recorde com seus imunizantes agora correm para enfrentar as novas ameaças. 

Cientistas mostram confiança quanto a seu poder de reação. A dúvida é com que velocidade? 

 

 

 
A Moderna, que igualmente a rivais como a BioNTech / Pfizer e a parceria Universidade de Oxford/ AstraZeneca, desenvolveu sua vacina em menos de 12 meses, anunciou na segunda-feira o início de ensaios em seres humanos de uma nova dose de reforço, criada para enfrentar a cepa 501.v2, primeiro identificada na África do Sul. 

“Apenas queremos ser supercautelosos, porque este vírus é enganoso, como aprendemos, todos, da forma mais difícil no ano passado”, disse o executivo-chefe da Moderna, Stéphane Bancel, ao “Financial Times”. “Não podemos ficar parados agora [...] porque levaria meses para deixar a próxima [vacina] pronta caso a precisemos.” 

A Moderna decidiu começar novos ensaios depois de ter descoberto que sua vacina produziu níveis seis vezes menores de anticorpos para a 501.v2 do que para as outras cepas já identificadas. 

 

Um motivo para a pressa é que quanto mais o vírus se disseminar, maior a probabilidade de que sofra mais mutações. 

Embora os dados até agora indiquem que as vacinas existentes são eficazes em termos gerais contra algumas das variantes mais disseminadas, como a B.1.1.7, responsável pelo forte aumento nos casos no Reino Unido, e a 501.v2, nenhuma fabricante de vacina divulgou dados sobre a preocupante cepa P.1, encontrada no Brasil. 

Para os laboratórios farmacêuticos, poupar tempo em tudo o que for possível no desenvolvimento inicial, nos ensaios e na produção será crucial, caso as atuais vacinas não funcionem contra novas cepas. 

“As vacinas usadas hoje são todas baseadas na sequência [do DNA viral] original de Wuhan e é provável que, se houver um impacto [das novas cepas] nas vacinas, ele se dê em todas”, disse Dan Barouch, pesquisador de Harvard, que ajudou a elaborar a candidata a vacina da Johnson & Johnson. 

Não é uma questão da tecnologia básica de como a vacina contra a covid-19 é produzida, acrescentou Barouch. “É de quando você aperta o gatilho para decidir se fará uma nova vacina.” 

Preparando-se para o pior, cientistas vêm trabalhando em vacinas que poderiam funcionar contra variantes recentes, como a 501.v2 e a P.1. “Assim que essas variantes se tornaram visíveis, começamos a trabalhar em vacinas que as tinham como alvos”, disse Mene Pangalos, vice-presidente executivo de pesquisa e desenvolvimento farmacêutica na AstraZeneca. 

Ele disse que levará de um a três meses até os protótipos ficarem prontos e que o objetivo é ter uma candidata que tenha como alvo “todas as principais variantes em circulação”. Depois, a empresa começaria os ensaios clínicos. 

Nathalie Landry, vice-presidente executiva de assuntos médicos e científicos do laboratório farmacêutico canadense Medicago, que desenvolve três candidatas a vacinas, disse que a empresa também trabalha em protótipos. “Eu diria que todos os fabricantes de vacina estão fazendo o mesmo”, afirmou. 

 

Nathalie disse que leva cerca de 20 dias para inserir e desenvolver a sequência genética de uma nova variante em uma cultura de plantas para que forme partículas como as de um vírus. Isso, então, engana o sistema imunológico para que pense que se depara com uma partícula viral. 

As equipes produzindo outros tipos de vacinas informaram que o processo de produzir um novo protótipo de vacina leva apenas alguns dias. 

Ela citou o caso da vacina anual contra a gripe, que precisa ser ajustada todos os anos com base nas cepas mais virulentas em circulação. Como frequentemente há várias cepas, os fabricantes de vacinas produzem quatro tipos separados de vacinas para combiná-las em uma só dose. 

Preparar protótipos de vacinas e reforços já a partir de agora permitirá que as empresas passem rapidamente para ensaios em pequena escala quando novas cepas do vírus surjam. 

Com a sars-cov-2, Nathalie explicou que se a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou as agências de regulamentação determinassem que uma variante anterior não está mais em circulação, eles “mudariam completamente a produção”, mas que “se a recomendação for que ainda precisamos adicionar outra cepa, teríamos que dividir nossa produção em dois”. 

Bancel disse que a Moderna precisou de 42 dias entre o momento em que teve acesso à primeira sequência do vírus e o envio das primeiras doses de sua versão da vacina candidata, mas que provavelmente poderiam “ser mais rápidos com uma nova versão, se necessário”. 

Ele disse ao “Financial Times” que ajustar a produção seria “muito fácil”, porque quase tudo na formulação das drogas se manteria igual. O único que mudaria é a sequência genética, feita de “plasmídeo”, um pequeno pedaço circular de DNA. A Moderna tem planos para produzir novos plasmídeos da variante 501.v2 e armazenar esse ingrediente para o caso de necessidade. 

 

A alemã BioNTech, que como a Moderna, produziu um novo tipo de vacina baseada no RNA mensageiro, informou que poderia usar as tecnologias existentes para produzir rapidamente uma nova vacina contra mutações do vírus. 

“A beleza da tecnologia do RNAm [RNA mensageiro] é que podemos diretamente começar a projetar uma vacina que mimetize completamente essa nova mutação e poderíamos produzir uma nova vacina dentro de seis semanas”, disse o executivo-chefe da BioNTech, Ugur Sahin, em dezembro. 

Pangalos, da AstraZeneca, também admitiu que as vacinas de mRNA “provavelmente têm uma vantagem de 4 a 6 semanas”. 

Umesh Shaligram, diretor de pesquisa e desenvolvimento do Serum Institute of India, maior fabricante mundial de vacinas, informou que “reelaborar a vacina não levará muito tempo”. 

Em parceira com cinco grupos farmacêuticos internacionais, entre os quais a AstraZeneca e a Novavax, o Serum Instiute se comprometeu a produzir 1 bilhão de doses de vacinas em 2021. 

O doutor Shaligram disse que a empresa tem tecnologia para substituir o ingrediente crucial da vacina sem mudar nenhum de seus componentes. Ainda assim, ele admitiu que poderia levar seis meses para ampliar a capacidade produtiva. 

As discussões com as agências reguladoras resultaram em compromissos flexíveis, de que estudos resumidos serão aceitos como evidência de segurança e eficácia nas novas formulações das vacinas. Mas ainda se debate o que exatamente esses ensaios envolveriam. 

A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos para a Saúde (MHRA, na sigla em inglês), do Reino Unido, informou que provavelmente se exigiriam “estudos de ligação” (entre a região do estudo original e os novos dados da região nova) - para compilar os dados existentes sobre qualidade, segurança e eficácia, além de informações sobre o produto modificado. Também ressaltou que tentaria realizá-los no “período mais curto possível”. 

Bancel, da Moderna, destacou que “estudos de ligação” sazonais da vacina contra a gripe - imaginados como o melhor modelo de regulamentação para a covid-19 - normalmente envolvem dois mil participantes, em vez das dezenas de milhares exigidos pelos estudos preliminares. 

Pangalos disse que se os estudos precisarem demonstrar apenas uma boa resposta de imunização, provavelmente só requereriam até 1 mil pacientes. Segundo a AstraZeneca, esses ensaios poderiam levar até três meses, acrescentou. “Receberíamos os dados até o fim do ano, a tempo para a próxima estação do inverno [setentrional], essa seria a meta.” 

No caso das vacinas já autorizadas, a Agência de Remédios e Alimentos (FDA) dos Estados Unidos exigiu, em média, fazer um acompanhamento de dois meses para monitorar a segurança, o que ampliou o tempo necessário para que os produtos chegassem ao mercado. 

No entanto, Andrey Zaru, executivo-chefe da GreenLight Biosciences, que desenvolve uma vacina de RNAm, disse que a FDA havia informado a empresa de que não precisaria refazer os testes de segurança se todos os ingredientes das vacinas fossem os mesmos e apenas a sequência viral mudasse. 

“Temos garantias da FDA de que se prosseguirmos com uma cepa do DNA e, então, a mudarmos, não precisaríamos nem começar a fase inicial dos ensaios clínicos”, afirmou. A FDA comunicou que já pensou na ideia de “desenvolver um canal potencial” para mudanças nas vacinas e tratamentos da covid-19. 

Vários grandes laboratórios farmacêuticos estudam como o vírus evolui diante de ameaças, para tentar antecipar prováveis variantes. Outros se empenham em pesquisar um Santo Graal das vacinas, que funcione contra todos os coronavírus, não apenas a sars-cov-2. 

A Vir Biotechnology, uma empresa de San Francisco da área de doenças infecciosas, vem trabalhando com a GlaxoSmithKline em uma vacina universal. 

“Acho que temos uma boa chance de descobrir [uma], mas levará anos, não meses”, disse George Scangos, executivo-chefe da Vir Biotechnology. 

Barney Graham, vice-diretor do Centro de Pesquisas de Vacinas, do Instituto Nacional de Saúde (NIH), uma agência federal de apoio à pesquisa médica nos EUA, disse que uma vacina universal é o objetivo derradeiro, no qual ele vem trabalhando desde 2017. Mas há pouco tempo para esse tipo de pesquisa durante uma pandemia. 

 

Jesse Goodman, ex-cientista-chefe da FDA e professor da Universidade de Georgetown, acredita que governos e agências reguladoras deveriam estar pressionando bastante por uma vacina do tipo e que os estudos de candidatas promissoras deveriam começar de imediato. 

“Não acho que seja uma questão de se algum dia vamos ter uma cepa diferente do coronavírus que tenha potencial significativo de escapar da imunização pelas vacinas, mas, mais provavelmente, de quando”, disse. “Você não vai querer esperar até que isso realmente aconteça para pensar o que pode fazer.” (Colaborou Stephanie Findlay. Com tradução de Sabino Ahumada) 

 

Fonte: Valor




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