Cientistas brasileiros desenvolvem um segundo pelotão de vacinas contra a covid-19 com bom potencial de eficácia e entrega ao mercado em 2022. Este é o horizonte de pelo menos 3 dos 16 imunizantes em desenvolvimento no país - dois da Universidade de São Paulo (USP) e um da Fundação Oswaldo Cruz de Minas Gerais. O avanço dos trabalhos, no entanto, depende da liberação de recursos públicos e privados para os testes em humanos, a última e mais cara etapa do trabalho, que pode custar até R$ 350 milhões, segundo o próprio governo federal.
O secretário de pesquisa e formação científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI), Marcelo Morales, disse que a pasta “articula” para levantar R$ 390 milhões ainda neste início de ano para essa finalidade. O montante, diz ele, seria o suficiente para arcar com as fases 1 e 2 dos três imunizantes, ao valor de R$ 30 milhões cada, e com a fase 3 do que se mostrar mais avançado.
O Ministério da Economia, negou, em janeiro, uma solicitação feita em dezembro pelo MCTI para a abertura de crédito extraordinário precisamente no valor mencionado por Morales. O secretário não quis comentar o episódio, mas garantiu que as conversas com a pasta comandada por Paulo Guedes continuam e foram ampliadas dentro do governo ou junto a outros entes.
“O que temos até o momento é a articulação com todos os setores. Estamos conversando diretamente com o presidente da República, com o Congresso e com os governos estaduais”, diz Morales.
Segundo ele, desde o início da pandemia, a pasta repassou R$ 26 milhões especificamente para o desenvolvimento de vacinas, sobretudo das “plataformas”, espécie de embalagem que transporta o antígeno, uma parte básica dos imunizantes que podem servir à criação mais célere de outras vacinas no futuro. “Foi o montante suficiente para a etapa inicial e tivemos resultados: três vacinas que se mostram eficazes não só na geração de anticorpos, mas na proteção celular”, afirma Morales.
Professor de Ciências Farmacêuticas da USP envolvido em um dos projetos, Marco Antônio Stephano concorda com o foco estratégico no domínio das plataformas, mas afirma que o aporte foi “baixo” e que as vacinas nacionais têm de ser levadas a cabo para dar conta das mutações do vírus no Brasil. “As vacinas estão vendo sua eficácia despencar frente às novas variantes. Se não tivermos tecnologia 100% nacional, para adaptá-las rapidamente e repor à população, vamos continuar dependentes de laboratórios aos quais pode não ser tão interessante mudar seus produtos”, adverte. O ofício do MCTI à Economia, apurou o Valor , continha argumento parecido.
Para Stephano, saída definitiva para os recursos faltantes seria a derrubada do veto presidencial ao trecho de um projeto de lei que impedia o contingenciamento do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT), com previsão de aplicação de R$ 500 milhões este ano, mas potencial de arrecadação superior à R$ 5 bilhões. Por travar a pauta do Congresso, os vetos podem ir à votação plenária nas próximas semanas.
Cientistas que dependem das verbas reconhecem os esforços do MCTI, mas correm por fora para não paralisar as pesquisas. Professor de imunologia da USP, Jorge Kalil Filho diz manter diálogo com laboratórios privados nacionais para viabilizar a produção da vacina em formato de spray nasal que desenvolve em quantidade necessária para os testes.
Até o momento, o projeto recebeu R$ 10,5 milhões do CNPQ: um primeiro aporte de R$ 4,5 milhões já totalmente consumido e outro de R$ 6 milhões, dos quais uma parte está reservada ao desenvolvimento do protótipo e testes finais em animais.
“Na fase de testes clínicos, vamos precisar, no mínimo, de R$ 150 milhões, o que é comparativamente baixo. Acredito que o dinheiro virá, inclusive do setor privado, à medida que mostrarmos resultados positivos”, diz. A vacina da USP é encarada como das mais inovadoras, por abrir mão de seringas e agulhas e gerar resposta imune intensa nos órgãos mais afetados (pulmão e vias respiratórias), ao incitar a produção de imunoglobulinas A, anticorpos específicos da mucosa nasal.
Kalil promete, ainda, resposta celular superior às vacinas hoje no mercado. Isso porque diz ter especializado o antígeno, selecionando partes específicas da proteína do vírus que provocaram a melhor resposta imunológica em 220 pacientes convalescentes que tiveram seu soro estudado. Quanto à plataforma, os cientista trabalham em duas frentes: partes do vírus sem poder de replicação ou uma nanopartícula sintética.
Outra vacina bem posicionada é a da USP de Ribeirão Preto, que associa nanopartículas, mas lipídicas, a partes do vírus produzidas por bactérias que recebem sua carga genética. A vacina já tem parceiros privados: a startup brasileira Farmacore e a americana PDS Biotech, que investiram na fase inicial, mas agora buscam US$ 100 milhões para os testes em humanos.