O que você precisa saber sobre as variantes da Covid-19
09/04/2021

As variantes do novo coronavírus acenderam um sinal de alerta para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e centros de pesquisa em todo o mundo. Como um grande quebra-cabeças, cientistas investigam os impactos das mudanças constantes do novo coronavírus na eficácia das vacinas desenvolvidas, na capacidade de transmissão e no desenvolvimento de quadros clínicos mais graves da Covid-19.

Segundo os especialistas consultados pela CNN Brasil, sequências genéticas virais que diferem em uma ou mais mutações são chamadas de variantes. Uma cepa é uma variante que se constitui e se comporta de maneira diferente em relação ao vírus original. Nesse contexto, existe no campo da virologia uma categoria chamada “Variante de Preocupação” (VOC – Variant of Concern, em inglês).

De acordo com o pesquisador Rafael dos Santos Bezerra, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, para que uma cepa seja incluída nessa classificação, a linhagem precisa apresentar mutações associadas a uma maior transmissibilidade ou ao escape do sistema imunológico, por exemplo.

No momento, são consideradas variantes de preocupação as cepas do Reino Unido (B.1.1.7), do Brasil, com origem em Manaus (P.1), e da África do Sul (B.1.351 ou 501.V2). Por acumularem mutações como as N501Y, E484K e K417T, capazes de modificar a estrutura da proteína S, utilizada pelo vírus para infectar as células humanas, essas três variantes são consideradas atualmente as mais relevantes pela comunidade científica global.

Como surgem essas variantes?

Uma vez dentro do organismo humano, o coronavírus infecta as células e passa a produzir inúmeras cópias. Segundo os especialistas, há uma possibilidade de que, nesse processo, o vírus produza erros ao copiar o próprio material genético, gerando então vírus com mudanças na sequência de RNA.

“Toda vez que o vírus replica no organismo de uma pessoa, há uma chance de surgir uma variante. Quanto maior a taxa de replicação, e quanto mais pessoas são infectadas, maiores são as chances de surgirem novas variantes. Só identificamos uma nova variante quando sequenciamos o genoma do vírus”, explicou o pesquisador José Eduardo Levi, do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (USP).

O virologista Fernando Motta, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), destaca que o surgimento de novas variantes faz parte de um processo natural do comportamento do vírus e pode ocorrer de forma aleatória. “Por serem muito simples, os vírus apresentam uma taxa de evolução muito rápida. Um processo evolutivo de um vírus pode acontecer em algumas semanas, por exemplo. Com uma grande quantidade de variantes surgindo, há uma maior chance que alguma delas possa ser mais eficiente na capacidade de infecção, provoque uma doença mais grave ou seja capaz de escapar da resposta imunológica da população”, explicou.

1 – Variante B.1.1.7 (do Reino Unido)

A variante B.1.1.7 foi identificada em setembro de 2020, no Reino Unido. Atualmente, a cepa está distribuída em 120 países, incluindo o Brasil. Um estudo publicado na revista científica BMJ, em março, apontou que a variante britânica é até 64% mais letal. Os pesquisadores verificaram que a variante foi associada a 227 mortes em uma amostra de 54.906 pacientes, em comparação com 141 mortes entre o mesmo número de pacientes infectados com cepas anteriores.

Segundo um estudo publicado na revista Science, a variante pode ser até 90% mais transmissível. “Foi identificada uma mutação na variante inglesa, localizada na parte da molécula que faz a absorção do vírus à superfície da célula, que provoca uma absorção mais forte do vírus na célula, o que aumenta a capacidade de infecção. Na Inglaterra, existe uma relação estatística bem forte e comprovada, observada em laboratório, de uma maior infecciosidade dos vírus da variante britânica”, explicou Fernando.

2 – Variante P.1 (de Manaus, no Brasil)

A variante P.1 foi identificada pela primeira vez no Japão. Em janeiro, o Ministério da Saúde no Brasil foi notificado pelo governo japonês sobre a nova cepa em quatro viajantes que chegaram a Tóquio com origem no Brasil e histórico de viagem pelo estado do Amazonas.

Um estudo conduzido por pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz Para Coronavírus apontou que a variante presente nas amostras analisadas evoluiu de uma linhagem viral presente no Brasil, que circula no Amazonas. Para chegar ao resultado, os pesquisadores analisaram 69 sequências da linhagem, isoladas no estado, juntamente com os genomas disponibilizados pelo Japão.

No início de fevereiro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu um alerta sobre risco de maior transmissão viral das novas variantes do novo coronavírus. A nota técnica apresentou resultados da análise de 114 genomas completos de amostras coletadas entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, em diferentes municípios do Amazonas.

Segundo outro estudo realizado pela Fiocruz Amazônia, a infecção pela variante P.1 pode aumentar a carga viral em até dez vezes no organismo humano, quando comparada à infecção por outras linhagens.

Para obter um panorama mais aprofundado da diversidade genética das variantes que circulam no Amazonas desde a fase inicial da pandemia, os pesquisadores geraram 250 sequências do genoma completo do SARS-CoV-2 de indivíduos de 25 municípios do estado, entre 16 de março de 2020 e 13 de janeiro de 2021.

A pesquisa revelou que a maioria das sequências foi classificada em cinco linhagens: B.1.1.28, P.1, B.1.195, B.1.1.33 e P.2, com uma prevalência variável ao longo do tempo.

A primeira onda de crescimento exponencial no número de casos de Covid-19 foi impulsionada principalmente pela disseminação da linhagem B.1.195, que foi gradualmente substituída pela linhagem B.1.1.28.

Já a segunda onda coincide com o surgimento da variante P.1, que evoluiu de um clado B.1.1.28 local no final de novembro e rapidamente substituiu a linhagem de origem em menos de dois meses.

3 – Variante B.1.351 (da África do Sul)

Identificada pela primeira vez na África do Sul, a variante conhecida como B.1.351 (ou 501.V2) apresenta múltiplas mutações na Proteína S. A variante tem sido associada a uma maior carga viral, o que representa mais concentração de partículas virais no corpo dos pacientes, contribuindo possivelmente para níveis mais elevados de transmissão.

A variante foi identificada recentemente, pela primeira vez no Brasil, por um grupo de pesquisadores de uma rede de vigilância genômica coordenada pelo Instituto Butantan, com participação da USP e de outras instituições de pesquisa.

estudo publicado no dia 04 de abril em formato preprint, ainda não revisado por pares, teve como foco o sequenciamento e obtenção de genomas do novo coronavírus em diversas localidades do Estado de São Paulo, para o entendimento da dinâmica de disseminação do vírus na população.

Os pesquisadores sequenciaram 217 genomas do vírus, a partir de amostras coletadas em diversas cidades do estado de São Paulo, incluindo Sorocaba, Araçatuba, Marília, Taubaté, Campinas, Ribeirão Preto, além de amostras da região da Baixada Santista e Grande São Paulo.

Dos genomas analisados, cerca de 64% eram pertencentes à linhagem P.1, seguido pelas linhagens B.1.1.28, com 25%, e a inglesa, que apareceu em cerca de 6% das amostras. De apenas uma das amostras surgiu o achado mais relevante da pesquisa: a variante sul-africana, identificada no material coletado de um paciente da cidade de Sorocaba.

Segundo o pesquisador da USP, Rafael dos Santos Bezerra, a disponibilidade escassa do genoma torna difícil estabelecer a rota de como a variante chegou à cidade. “A rede de laboratórios está tentando fazer o rastreamento das pessoas que tiveram contato com esse paciente inicial e reunindo informações epidemiológicas importantes que podem nos ajudar a entender a origem dessa variante e sua possível forma de introdução no estado”, afirmou.

Preocupação com a eficácia das vacinas

Comumente encontradas nas variantes do Reino Unido, Brasil e África do Sul, as mutações na proteína S podem tornar o vírus menos suscetível à resposta imunológica esperada pelas vacinas.

Segundo os especialistas, o conhecimento sobre a forma como uma variante pode afetar a eficácia das vacinas é dinâmico, ou seja, está sendo construído a cada dia e pode mudar rapidamente.

Um estudo com a participação de trabalhadores de saúde de Manaus mostrou que a CoronaVac, vacina produzida pelo Instituto Butantan, tem 50% de efetividade contra variante P.1.

Outra pesquisa, conduzida por especialistas da Universidade de Oxford, com a participação de cientistas brasileiros, mostrou que tanto a vacina de Oxford quanto a da Pfizer são eficazes contra a variante brasileira. Já a vacina da farmacêutica americana Novavax demonstrou eficácia de cerca de 86% contra a variante britânica e de 55% em relação à cepa da África do Sul, em estudos de fase três.

Uma pesquisa publicada no periódico científico New England Journal of Medicine, em março, indicou que a vacina de Oxford/AstraZeneca não mostrou eficácia na proteção contra Covid-19 leve ou moderada em relação à variante sul-africana.

 “A variante sul-africana demonstrou uma taxa de perda de eficácia muito alta em relação à vacina da AstraZeneca. A mesma vacina quando foi testada na África do Sul e no Reino Unido teve uma resposta muito melhor no Reino Unido. Acredita-se que isso se deve ao fato de que na África do Sul já tinha a variante local predominando”, explicou José Levi.

 

 Agravamento da doença

Em relação ao desenvolvimento clínico da doença, os especialistas ponderam que ainda não existem estudos que comprovem que as variantes possam provocar quadros mais graves ou internações.

“O que sabemos é que essas variantes têm uma replicação maior no hospedeiro, isso se traduz nos resultados laboratoriais que indicam uma maior quantidade de vírus sendo replicado no organismo. A possibilidade desse fator estar associado a um desenvolvimento clínico mais grave ainda está sendo tema de investigação por várias equipes de epidemiologistas e pesquisadores ao redor do mundo”, afirmou Fernando.

Outras variantes

Segundo os especialistas, existem inúmeras linhagens do novo coronavírus identificadas e distribuídas pelo mundo que não fazem parte da categoria das variantes de preocupação. No entanto, como critério de atenção, cientistas e autoridades de saúde dos diversos países fazem o monitoramento contínuo dessas cepas.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) identificaram o que pode ser uma nova variante do coronavírus em Belo Horizonte. Para chegar ao resultado, os pesquisadores sequenciaram 85 genomas de amostras clínicas coletadas na região metropolitana da capital mineira.

Desse conjunto, foram encontrados dois novos genomas com uma coletânea de 18 mutações ainda não descritas, caracterizando uma possível nova variante. No estudo, também foram encontradas as variantes P.1, P.2, B.1.1.28 e B.1.1.7.

Um estudo recente liderado pela Fiocruz identificou uma nova variante chamada N9, presente em todas as regiões do Brasil. Ela contém a mutação E484K, que pode contribuir para que o vírus escape do sistema imune. Os pesquisadores analisaram cerca de 1.250 genomas, referentes a amostras do Brasil, pertencentes à linhagem B.1.1.33, da qual tem origem a variante.

Segundo o pesquisador José Levi, o alto número de casos é uma situação propícia para o surgimento de novas variantes. Ele diz que não tem como prever como serão essas novas cepas. Daí a importância de fazer a vigilância genômica, que é o sequenciamento em grande escala, e de forma ágil, de uma fração proporcional e representativa dos novos casos no Brasil.

“É interessante acompanhar casos com interesses clínicos específicos, como pessoas que tomaram as duas doses e desenvolveram doença grave ou apresentações atípicas como doença grave em pessoas jovens ou sem comorbidades, por exemplo”, conclui Levi.





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