Vacinas chinesas dominam vacinação na América Latina
10/05/2021

As vacinas chinesas são predominantes nas campanhas de vacinação na América Latina, a região mais gravemente atingida pela covid-19. Isso é uma vitória para Pequim, ao se acrescentar à sua “diplomacia da máscara” calcada no ano passado em seus suprimentos de aparelhos de respiração mecânica e equipamentos de proteção. 

Num momento em que a América Latina luta contra uma terceira onda letal da pandemia, a China remeteu mais de metade dos 143,5 milhões de doses de vacinas entregues aos dez países mais populosos da região, segundo análise feita pelo “Financial Times” de dados fornecidos por governos. 

 

 

Empresas chinesas, lideradas pela Sinovac, entregaram 75,8 milhões de doses acabadas ou de componentes fundamentais para a produção de doses a esses dez países até agora. Os dois principais fornecedores ocidentais à América Latina, a AstraZeneca e a Pfizer, entregaram juntas um total 59 milhões de doses, com algumas doses da AstraZeneca enviadas por meio do programa Covax, da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

A Rússia, apesar do barulho diplomático considerável em torno de seus esforços como fornecedor de vacinas, entregou só 8,7 milhões de doses da sua Sputnik V, principalmente à Argentina. 

Fabricantes americanas assinaram contratos de fornecimento futuro de vacinas a países latino-americanos, mas as únicas entregas consideráveis até agora aos 10 maiores países da região feitas por uma fabricante americana são as da Pfizer, que enviou 19,5 milhões de doses, segundo os dados. 

“Há mais vacinas chinesas nos braços dos latino-americanos e nos dos habitantes de outros países em desenvolvimento”, disse Clare Wenham, professora assistente de política de saúde mundial da London School of Economics. “Isso reflete tendências de saúde mundial, onde estamos vendo uma alta da hegemonia chinesa como potência em saúde.” 

A hegemonia chinesa provavelmente teria sido ainda maior se não fosse a recente queda das entregas ao Brasil, o maior comprador de vacinas na região. Isso ocorreu após comentários negativos sobre o governo chinês feitos pelo presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, que desencadearam a suspeita de que a China os estaria punindo. 

 

O Instituto Butantan, que envasa e dá acabamento à vacina chinesa Coronavac no Brasil, disse que os suprimentos poderão acabar já na semana que vem devido à escassez de insumos da China. “Nossa sensação é a que há dificuldade, uma burocracia que está sendo mais lenta que o habitual, com autorizações de volumes muito baixos”, disse o diretor, Dimas Covas. 

Bolsonaro disse na semana passada que “ninguém sabe se [o coronavírus] nasceu no laboratório ou de um ser humano que ingeriu um animal inadequado. Mas ele está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual é o país que teve o maior crescimento do seu PIB?” 

Autoridades latino-americanas apelaram para os EUA, a potência tradicional da região, para que se empenhe mais em ajudar. Em março, o presidente da República Dominicana, Luis Abinader, pediu ao presidente Joe Biden que liberasse estoques americanos da vacina da AstraZeneca. 

O ministro das Relações Exteriores do Paraguai, que está tendo dificuldades de acesso às vacinas chinesas porque tem relações diplomáticas plenas com Taiwan, pediu ajuda aos EUA no fim de março, com o aumento dos casos de covid-19. “De que serve a fraternidade se não nos responderem agora?”, perguntou Euclides Acevedo. 

Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, disse nesta semana que Washington compartilhou 4 milhões de doses de vacinas com o Canadá e o México e que compartilhará mais 60 milhões nos próximos dois meses, sem, porém, dizer com que países. Ele destacou a contribuição de US$ 2 bilhões dos EUA ao programa Covax, que forneceu 6,5 milhões de doses, até agora, para a América Latina, e sua promessa de mais US$ 2 bilhões. 

Mas a oferta americana de doar vacinas e as entregas do programa Covax ficam minimizados diante da enorme demanda da América Latina. Os três países mais populosos - Brasil, México e Colômbia - estão entre os países mais gravemente atingidos do mundo pela mais recente onda do vírus. 

 

Cidadãos mais ricos estão acorrendo ao norte, em voos para os EUA, para serem vacinados em cidades como Miami, enquanto os pobres esperam por vacinas em programas governamentais engessados pela escassez de suprimentos. As taxas de vacinação em toda a América Latina ficaram atrás das dos EUA e da Europa, com a notável exceção do Chile. 

O problema não é dinheiro - os governos latino-americanos têm condições financeiras para comprar as vacinas que precisam. Mas ficaram em desvantagem em relação aos EUA e à Europa porque a maior parte da capacidade da região de fabricar vacinas a partir do zero foi fechada nas últimas décadas e transferida para a Ásia. Além disso, essa capacidade depende de insumos importados. Brasil, México e Argentina têm projetos em curso voltados para a reconstrução da produção ou da capacidade de acabamento interno de vacina. 

“A China tenta há muito melhorar o desempenho em diplomacia pela influência [ou “soft diplomacy”] em toda a região, e a Covid forneceu a oportunidade para o país ser visto sob uma óptica positiva em um período de grande necessidade”, disse Jason Arczak, diretor do centro para a América Latina do Atlantic Council. “Os EUA têm uma oportunidade de ultrapassar a China e reconquistar nossa influência... Mas precisam obter doses para a América Latina o quanto antes.” 

O Departamento de Estado dos EUA disse que o governo Biden está trabalhando em planos voltados para compartilhar doses da vacina AstraZeneca quando ficarem disponíveis. “No momento, não há doses da AstraZeneca para serem compartilhadas”, disse o órgão. 

 
 

Fonte: Valor




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