Em 2019, o segmento de saúde suplementar teve uma receita de cerca de R$ 214 bilhões e uma despesa com assistência médica de aproximadamente R$ 174 bilhões. No Relatório Mundial da Saúde, estima-se que entre 20% e 40% de todos os gastos em saúde são desperdiçados. Logo, se estimássemos um desperdício de 20%, chegaríamos a R$ 35 bilhões por ano.
Segundo Sigevaldo Santana, diretor administrativo do Instituto de Gestão e Humanização, especializado em Gestão da Saúde, a forma como o serviço é administrado pelos usuários não é focado na medicina preventiva. “O usuário vê o plano de saúde como um cheque em branco. Não faz exame de consciência de que o gasto excessivo vai voltar para ele. Mas sabemos que isso é uma questão cultural”, afirma o diretor.
Mas a responsabilidade do uso consciente do plano não é só do beneficiário. Ainda segundo Sigevaldo, muitos prestadores não vêem que os planos têm uma limitação de recursos. “Prolongam os tratamentos, recorrem a métodos adicionais, quando poderiam ser mais objetivos. O que às vezes causa a sobreposição de exames por exemplo”, conta.
Com um sistema de saúde contaminado por essa cultura, algumas operadoras têm praticado restrições de acesso à rede. O que não significa uma coisa ruim para o usuário, muito pelo contrário. As evidências do valor agregado pela Atenção Primária à Saúde (APS), como porta de entrada para o cuidado, se colocam como uma boa alternativa para a melhora da qualidade assistencial.
Mas, de que maneira a APS pode melhorar a saúde financeira das operadoras de saúde e também a assistência prestada às pessoas? Ao ser inserida na saúde suplementar, a APS atua com equipe multidisciplinar, composta por médicos de família, enfermeiros, entre outros profissionais, a pessoa fica no centro do cuidado e é atendida de maneira integral.
Para Sigevaldo, o modelo que funciona hoje quando falamos em redução de desperdício, é modelo da APS. “As operadoras que não estabelecerem o modelo de APS passarão por períodos de mudança gradativa. Não é à toa que as novas operadoras de mercado já são criadas utilizando este modelo. Eu não vejo futuro sem APS”, conta o diretor administrativo do IGH.
Há quatro elementos estruturantes na organização do serviço de APS, estabelecidos pela médica Barbara Starfield. São eles:
Com a Atenção Primária à Saúde, todos os atores do segmento de saúde suplementar são beneficiados. “Os beneficiários, por exemplo, contam com uma equipe de profissionais, que conhece seu histórico de saúde e está pronta para atendê-los em todas as fases da vida”, as pessoas ficam com um médico para chamar de 'seu'", explica Vilma Dias, diretora de relações institucionais e de produtos da AsQ, empresa especializada em Gestão de Saúde para operadoras e empresas.
Essa equipe tem abrangência nos atendimentos, pois trabalham com a promoção da saúde, a prevenção de agravos e de doenças, aceleram diagnósticos e de forma tempestiva iniciam os tratamentos. Também atuam apoiando o autocuidado das pessoas atendidas para que as mesmas continuem o cuidado em casa de forma adequada.
“As operadoras de saúde também percebem, ao longo do tempo, melhora na saúde financeira do plano, uma vez que mais de 80% dos problemas de saúde trazidos são resolvidos pela equipe de Atenção Primária. Assim, há melhor uso dos recursos, melhor coordenação do cuidado e constrói-se uma rede de cuidados, centrada nas conquistas das pessoas, conforme sua singularidade", conta Vilma.
Em países como Austrália e Canadá, a média anual de ressonância por mil habitantes é de 51 e 54,5 respectivamente. Enquanto isso, na saúde suplementar brasileira esse número chega a 179, ou seja, muito acima da média de países desenvolvidos.
Não é possível afirmar que este número esteja relacionado a desperdícios ou questões culturais, já que temos um cenário mais amplo, onde podemos relacionar a traumas, por exemplo, onde seguramente países desenvolvidos terão um número bem inferior. Mas será que clínicas de imagem não teriam interesse nessa prescrição de exames?
Segundo Sigevaldo, é possível que sim, porém ele ressalta que não temos só isso na saúde suplementar. O SUS também pode ser uma vítima potencial desse cenário.
O fato é que se cada um fizer sua parte, beneficiários, prestadores e operadoras de planos de saúde, aí sim, será possível se chegar a uma sustentabilidade do sistema como um todo.