A receita sustentável dos hospitais
20/04/2022

A jornada ESG (sigla em inglês que se refere às melhores práticas ambientais, sociais e de governança corporativa) não é tarefa fácil para nenhuma indústria. Na hospitalar, porém, o desafio parece ser ainda maior. Afinal, não dá para economizar energia usando menos os equipamentos que mantêm os pacientes vivos, nem otimizar recursos utilizando seringas e agulhas várias vezes, por exemplo. 

O setor é grande consumidor de recursos naturais e gerador intensivo de resíduos, sobretudo os infectantes e perfurocortantes. Para se ter uma ideia, a produção do chamado lixo hospitalar, que já não era pequena, de estimados 480 mil toneladas por ano, teve um acréscimo da ordem de 20% no auge da pandemia da Covid-19, entre abril e maio do ano passado, de acordo com estudo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren). E mais, o consumo médio diário de água por paciente internado passou de 0,86 para 0,96 metros cúbicos entre 2019 e 2020, de acordo com levantamento da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp). Até a pandemia, alguns indicadores, como geração de resíduos e reciclagem, apontavam melhora significativa (Veja o quadro). 

O outro lado desta história é que as empresas estão trabalhando para minimizar seus impactos. A própria Anahp decidiu fazer um compilado das melhores práticas entre seus 130 associados e está divulgando o estudo ESG entre os hospitais, com mais de uma centena de ações, nas mais variadas frentes no Brasil. 



 

Antonio Britto, presidente da Anahp, diz que a maior parte desses casos está relacionada a saúde e bem-estar, com 22% das iniciativas - todas elas, baseadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Até pela natureza do negócio, é natural que ações de saúde sejam maioria. Mas há muito trabalho de reciclagem, consumo e produção responsáveis”, afirma Britto. 

Um dos mais inusitados talvez seja a reciclagem de películas de raio-x, iniciado pelo HCor, de São Paulo, em 2020. Com campanhas de incentivo para funcionários e pacientes, e disponibilização de coletores em pontos estratégicos, nada menos que 189 quilos de películas foram recolhidos e enviados para reciclagem. Já o projeto de reciclagem de isopor, iniciado em novembro de 2020, somou meia tonelada nos primeiros dois meses e chegou a 5,1 toneladas em 2021. Segundo Joslene Menezes, gerente executiva de Responsabilidade Social do HCor, mais de mil pessoas passam todos os dias por lá. 

Já no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, um dos principais feitos foi ampliar o tratamento de resíduos infectantes e perfurocortantes. Em 2019, foram enviadas 394 toneladas para o aterro. No ano passado, este volume subiu para 642 toneladas, de acordo com Ana Paula Pinho, diretora executiva de sustentabilidade e responsabilidade social da empresa. 

 

Mas não basta perguntar como o hospital chegou a esses números em plena pandemia da Covid-19. “Não há uma receita única que possa ser usada por todos. Porque as práticas ESG significam uma série de estudos e análises de como se está fazendo, onde é possível mudar e como se faz essa mudança”, explica a executiva do Oswaldo Cruz. 

Segundo ela, sem esta compreensão e sem o comprometimento de todos os níveis hierárquicos da empresa o trabalho pode ficar comprometido. “ESG não é modismo, e os resultados não aparecem de um dia para o outro. É um trabalho minucioso de longo prazo”. 

O Hospital Sírio-Libanês, que, durante a Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas de 2019 (COP25), recebeu o certificado de boas práticas por reduzir suas emissões de carbono, é, de acordo com Victor Kenzo, coordenador de sustentabilidade ambiental do hospital, a primeira instituição de saúde no Brasil a ostentar o selo de carbono neutro. Segundo ele, a instituição trabalha em três frentes: mensurar melhor as emissões que são geradas direta e indiretamente; reduzir as emissões próprias, e compensar o que não é possível reduzir. “Mas a gente não compensa para continuar emitindo. Este é um dos desafios”, comenta ele, acrescentando que a grande dificuldade até aqui tem sido mensurar as emissões indiretas. “Qual é a emissão dos colaboradores no trajeto entre a casa e o trabalho? Não sabemos e estamos trabalhando para tentar medir.” 

O presidente da Anahp diz que o estudo ESG nos Hospitais teve o cuidado não só de elencar as melhores práticas como também buscar exemplos em várias regiões do País - e não apenas no “ambiental” (E), mas também no “social” (S). O Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), no Rio de Janeiro, em 2018, por exemplo, passou a oferecer treinamento em socorro em parada cardio-respiratória e outros eventos que envolvem perda de consciência para profissionais de segurança e educação. “A iniciativa surgiu quando nos perguntamos o que poderíamos fazer pela comunidade do nosso entorno”, afirma Sergio Ricardo dos Santos, vice-presidente de Estratégias, Jurídico e ESG na Dasa, dona do hospital. 

 

Os próprios funcionários do CHN apontaram o caminho: o número de pacientes que chegava à emergência em estado grave seria menor se recebessem o primeiro socorro adequado. Segundo Santos, mais de 800 pessoas já passaram pelo treinamento. Mas não há, ainda, um levantamento se a ação efetivamente reduziu a gravidade das emergências. 

Em parceria com a Universidade Federal da Fronteira Sul, o hospital São Vicente de Paulo, de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, criou o Laboratório de Atendimento ao Imigrante. Como são pessoas sem documentos, sem comprovante de residência e que, geralmente, só são atendidas pelo sistema público de saúde quando já estão em situação de urgência, a maior parte dos imigrantes acabou tornando-se um grande desafio para a cidade, de acordo com o professor Leandro Tuzzin, coordenador acadêmico da faculdade e do Laboratório - que fica no próprio campus da universidade. O resultado da assistência feita por médicos e enfermeiros do São Vicente de Paulo é o atendimento de 800 a mil imigrantes todos os anos. 

Os exemplos vão dos mais simples às soluções mais complexas, como a construção de uma usina própria de transformação de resíduos químicos e infectantes, como fez o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Segundo o presidente do hospital, Mohamed Parrini, foi investido US$ 1 milhão na usina que hoje transforma duas mil toneladas de lixo em cápsulas de energia. O hospital aguarda aprovação de órgãos reguladores para começar a gerar a sua própria eletricidade. 

Parrini afirma que foi buscar a solução quando a empresa que recolhia o lixo do Moinhos de Vento envolveu-se em escândalo de corrupção, e ele temeu algum respingo na reputação do hospital. “Hoje, sabemos que ter uma operação sustentável tem impacto não só ambiental como nos custos”, pondera o executivo. Ele faz as contas: só a empresa de coleta de lixo infectante lhe custava R$ 800 mil por ano, dinheiro hoje economizado. Além disso, fez acordo com uma empresa de reciclagem e o que se consegue juntar de plástico é trocado por 7 mil sacos de lixo de 60 litros por mês. A mesma coisa com papel: a cooperativa recebe a coleta e dá em contrapartida papel sanitário - só com esse item, gastavam-se R$ 7 mil/mês. “É dinheiro que antes a gente jogava fora”. 

 

No Hospital Israelita Albert Einstein, a jornada ESG vai ganhar um comitê exclusivo - atualmente esse trabalho é realizado no comitê de responsabilidade social. A área, diz o presidente, Sidney Klajner, vai cuidar das demandas já conhecidas (diminuição da pegada de carbono, redução e tratamento adequado de resíduos e fomento à economia circular), além de ter uma missão extra: compartilhar as melhores práticas com hospitais públicos, especialmente as dedicadas à qualidade na atenção aos pacientes. “Nada do que é feito aqui nós deixamos de pensar em como levar para a área pública”, comenta. 

O Einstein, aliás, foi o primeiro hospital da América Latina a trabalhar com o Institute for Healthcare Improvement (IHI), sediado em Londres e que reúne e dissemina as melhores práticas de hospitais em todo o mundo. Segundo o diretor geral do IHI, Pedro Delgado, hoje cerca de 1,5 mil hospitais da região fazem parte do instituto. Não há um ranking das melhores práticas, diz ele, mas Brasil e Colômbia são os países mais ativos, enquanto México e Chile, os menos avançados. “Nosso propósito é divulgar o que cada hospital está fazendo e criar um banco de cases que todo o setor possa usar”, afirma Antonio Britto, da Anahp, que passará a publicar o estudo todos os anos. 

Fonte: Valor




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