Durante o 34° Congresso Fehosp, a professora Linamara Battistella, titular da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da FMUSP (IMREA HC-FMUSP), compartilhou no podcast Saúde Business a trajetória de transformação da Rede Lucy Montoro. Com 15 anos de atuação, a rede é referência em reabilitação no Brasil e tem consolidado práticas que integram ciência, tecnologia e protocolos assistenciais orientados por dados.
A rede atua como um centro de difusão de conhecimento e protocolos clínicos aplicáveis ao Sistema Único de Saúde (SUS), com foco na reabilitação de pessoas com deficiência. Parte fundamental da estratégia foi o desenvolvimento de uma base de dados estruturada, alimentada por prontuários eletrônicos e dispositivos vestíveis, que permite o acompanhamento longitudinal do paciente e o monitoramento de indicadores clínicos.
“A análise do processo é a base para melhorias. Ao mapear intervenções, que podem chegar a nove áreas distintas por paciente, conseguimos estruturar algoritmos que indicam evolução ou falhas terapêuticas. Essa abordagem garante personalização, qualidade e segurança assistencial”, explicou Linamara.
A aplicação de inteligência artificial (IA) permite consolidar dados históricos e em tempo real, refinando a tomada de decisão clínica. “Hoje temos interoperabilidade parcial com outras instituições. Quando o paciente é oriundo do HC, conseguimos integrar exames e histórico clínico. Quando isso não acontece, repetimos exames, o que gera custos e estresse desnecessários”, comentou.
A IA permite a revisão dinâmica dos protocolos com base na evolução dos pacientes, possibilitando ajustes imediatos nas condutas terapêuticas. “É um ganho de eficiência, mas, sobretudo, de precisão clínica.”
O uso da robótica na reabilitação vai além da substituição de movimentos: trata-se de um estímulo cerebral ativo, com efeitos sobre cognição, função cardiovascular e qualidade de vida. Equipamentos como exoesqueletos e sistemas de realidade aumentada são utilizados tanto para treino motor quanto para controle postural e propriocepção.
“Repetição guiada por robôs ajuda na reorganização cortical e melhora a performance funcional. A robótica estimula o paciente e fornece dados objetivos de progresso clínico”, destacou a professora.
Sobre o desafio de viabilizar esses avanços no setor público, Linamara reforça que o SUS, apesar das limitações orçamentárias, apoia a inovação orientada por resultados. Projetos financiados por agências como a Finep e a Fapesp possibilitaram a estruturação de soluções tecnológicas posteriormente absorvidas pelo sistema público.
“Com dados de efetividade em mãos, conseguimos demonstrar valor agregado e justificar a incorporação de tecnologias. Nosso foco não é ter um robô em cada unidade, mas garantir que ele esteja onde for necessário. Não é custo, é resultado”, afirmou.
A Rede Lucy Montoro participa de iniciativas com instituições internacionais, como Harvard, para desenvolver protocolos com base em evidência. Um dos destaques é o projeto que avaliou mais de 400 pacientes para compreender o impacto de estímulos específicos — como gelo ou estimulação elétrica — na dor neuropática.
“Traduzimos esses achados em protocolos aplicáveis não apenas em centros de referência, mas também na atenção primária. A meta é ampliar o alcance da reabilitação de forma escalável”, disse Linamara.
Como curadora do Congresso de Reabilitação da Hospitalar, Linamara antecipou que o evento contará com a participação de uma das principais certificadoras canadenses da área, com foco em protocolos de segurança e qualidade aplicados especificamente à reabilitação. Outro destaque será o debate com a Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica sobre a necessidade de fortalecer a indústria nacional.
“Se o Brasil é capaz de construir aviões, por que ainda importamos exoesqueletos? A engenharia biomédica precisa ter mais protagonismo. Vamos discutir como aproximar médicos e engenheiros na construção de soluções adaptadas à nossa realidade e financiáveis pelo SUS”, concluiu.