A inteligência artificial (IA) está deixando de ser um conceito futurista para se tornar uma ferramenta concreta de apoio à prática médica e à gestão hospitalar. Foi essa a principal mensagem do cardiologista Thiago Liguori, fundador e CEO da healthtech Turi, durante a palestra “Oportunidades de uso da inteligência artificial na prática médica”, no Congresso Fehosp.
Com experiência no Hospital das Clínicas e passagem como Chief Medical Officer na Pipo Saúde, Liguori defende que a IA generativa tem potencial para melhorar a eficiência operacional das instituições de saúde e a qualidade do cuidado ao paciente, desde que adotada com critérios técnicos e responsabilidade.
Segundo o palestrante, as principais frentes de uso da IA generativa na saúde se dividem em três grupos:
No Brasil, os avanços mais consistentes até agora se concentram na esfera administrativa. Liguori destacou o case da startup Psyco.AI em parceria com o Dr. Consulta, que implementou um agente conversacional para agendamento de consultas, aumentando em 180% a captação de pacientes e em 67% o volume de agendamentos.
Um dos destaques da apresentação foi a demonstração prática de um dos copilotos médicos que já está no mercado, que atua na transcrição e sumarização automatizada de consultas. A tecnologia permite gerar documentos clínicos estruturados, como notas clínicas, receitas e solicitações de exames, a partir da gravação da consulta.
“O objetivo é reduzir o tempo gasto com burocracia e aumentar a interação médico-paciente. Estudos realizados nos EUA mostram uma redução média de 5 minutos por consulta com a adoção de copilotos, mantendo ou até ampliando a qualidade do atendimento”, explicou Liguori.
Essa foi uma das perguntas mais debatidas durante a palestra. Liguori reforçou que a IA deve ser vista como uma ferramenta de apoio, e não como substituta do profissional de saúde. Estudos indicam que, quando utilizada isoladamente, a IA apresenta alta acurácia diagnóstica, mas seu uso em conjunto com médicos ainda sofre com o chamado “viés da automação”, que é a tendência de o profissional desconsiderar a sugestão do algoritmo.
“A IA pode ser mais eficiente em alguns diagnósticos, mas a prática médica envolve aspectos complexos de empatia, julgamento clínico e tomada de decisão contextualizada. A tecnologia deve servir como copiloto, não como piloto”, afirmou.
Além da prática assistencial, a IA está sendo incorporada à indústria farmacêutica para acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos. Liguori citou o exemplo do EVO — um modelo de linguagem treinado com dados genéticos — que permite interações diretas para análise de riscos e eficácia de moléculas em estudo.
Apesar do entusiasmo com as novas ferramentas, o médico fez um alerta sobre os riscos envolvidos. A segurança de dados, o custo elevado de algumas soluções e o risco de “alucinações” – respostas incorretas geradas pelos modelos – são barreiras reais à adoção responsável da IA em instituições de saúde.
Outro ponto sensível diz respeito ao uso de plataformas abertas para fins clínicos. “O ChatGPT, por exemplo, não foi desenhado para receber dados sensíveis de saúde. Isso pode violar diretrizes de privacidade e LGPD”, reforçou.
Liguori concluiu ressaltando que estamos no auge da curva de hype da IA, e é papel dos gestores hospitalares saber discernir o que é valor real e o que é promessa inflada. “A IA não será solução para tudo, mas será uma aliada importante em áreas específicas da jornada do paciente”, finalizou.