Um tema que tem dominado os principais canais de comunicação é a recente abertura de uma consulta pública pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para análise do Plano para consultas médicas estritamente eletivas e exames. Essa questão está de acordo com a Resolução Normativa – RN nº 621, de 13 de dezembro de 2024, que dispõe sobre as regras para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental na ANS e com o Guia Referencial de Sandbox Regulatório da Advocacia-Geral da União – AGU.
Trata-se de um Projeto-Piloto que deverá se desenvolver em Ambiente Regulatório Experimental (Sandbox Regulatório – SBR) e tem como objetivo ampliar o acesso da população que hoje não consegue arcar com um plano de saúde convencional, diante da baixa oferta de planos individuais, ou sua quase inexistência, e das restrições mais rigorosas para novas admissões. Outro fator em destaque e amplamente discutido continua sendo as longas filas do SUS para exames e consultas com especialistas.
Em geral, é fato que o brasileiro não é um grande guardião de sua saúde, como demonstrado em uma pesquisa recente da YouGov, empresa líder internacional de pesquisa de mercado, onde podemos ver que mais da metade dos entrevistados concordam que não cuidam tão bem como deveriam de sua saúde. Fato esse que demonstra exatamente os níveis de sinistralidade nas operadoras de saúde ou nos gastos com a alta complexidade nos serviços públicos.
Historicamente, o brasileiro tem resistência em procurar serviços de saúde preventivamente e busca serviços quando surge algum evento agudo ou urgente. Isso justifica o fato dos prontos-socorros serem o principal recurso. A longo prazo, esse tipo de comportamento agrava os custos da rede privada ou pública, pois a demora em buscar o serviço de saúde torna o tratamento da doença mais custoso.
Dificilmente os brasileiros pensam de forma preditiva, com o intuito de prevenção por diversos fatores, como falta de tempo, prioridades diversas, receios. Nesse sentido, podemos verificar que, em 2023, as consultas médicas tiveram um aumento de 4% e as consultas ambulatoriais 2,6% em relação ao mesmo período de 2022, de acordo com a ANS.
Com relação às internações, percebemos um crescimento de 4,8%, com destaque para as internações cirúrgicas que performaram mais de 9,5% de variação, chegando a quase 38% na Laqueadura Tubária, por exemplo.
Tal comportamento está diretamente ligado à forma como o brasileiro reconhece o valor à saúde e àqueles que cuidam de sua saúde, seja direta ou indiretamente. Os motivos são vários. Podemos começar pelo fato de não haver interoperabilidade na saúde suplementar, dificultando o cuidado integrado e contínuo do indivíduo ao longo do tempo, o que otimizaria a utilização de exames e consultas já realizadas. Além disso, a descontinuidade da cobertura contratual quando é cessado o vínculo empregatício (plano empresarial) acaba atingindo também os dependentes.
Os 4 Ps da Saúde: Preço, praça, produto e promoção
É inegável que as mensalidades dos planos de saúde pesam no orçamento, seja em planos familiares ou por adesão, uma vez que esse fenômeno se dá também pela contratação de Pessoa Jurídica (pejotização), quando muitos indivíduos contratam o plano de forma indireta. Para se ter uma ideia, segundo a Receita Federal, a pejotização, na forma de MEI (Microempreendedor Individual) teve um aumento de 53% em 2024, sendo que 22% correspondem à faixa entre 18 e 30 anos.
Porém, precisamos dividir a população que terá acesso em duas partes: aqueles que poderiam pagar um plano de saúde ambulatorial e os que, mesmo com um plano mais em conta, não conseguiriam arcar mensalmente, fato que demonstra o crescimento exponencial do mercado de pay per use na saúde suplementar chegando a impressionante marca de 320 bilhões em 2023 e a recente investida da ANS para alteração dos modelos de cancelamento dos planos de saúde.
Em ambos os casos, qual seria o valor a ser pago? Considerando que o projeto prevê os mesmos mecanismos de controle dos planos convencionais, como coparticipações e reajustes por sinistralidade, entre outros, esse conceito praticado é o mesmo utilizado pelas “operadoras de saúde”, ou seja, totalmente financeiro.
A saúde não pode mais ser vista de forma numérica e fragmentada. É preciso pensar na saúde do indivíduo como um todo, onde cuidamos, levando em consideração os que efetivamente buscam uma saúde melhor. Precisamos inverter a premissa, buscar o incentivo mútuo e retribuir por isso, pois o sentido de cobrar um plano por consulta multiespecialidade, infinita, é prorrogar ainda mais um problema crônico da saúde.
Pensando de forma integrada, as pessoas que aderirem a esse tipo de plano, com as mesmas condições de reajuste, sinistralidade, acompanhamento e os freios e contrapesos aplicados para o controle de sinistralidade atual, tendem a transformar essa modalidade em mais um produto ineficaz quando falamos do resultado esperado à saúde da população. Afinal de contas, o que essas pessoas que realizaram consulta, exames e o diagnóstico farão depois? Onde iniciarão e darão continuidade ao seu tratamento?
Eficácia real do novo plano
Em linhas gerais, o acesso a consultas e exames ajudará em alguma medida nas intermináveis filas do SUS ou até mesmo àqueles que não utilizam a saúde pública. Porém, qual a qualidade assistencial inserida nesse contexto? Considerando que o mercado já oferece consultas médicas cada vez mais baratas e não há a centralização das informações clínicas dos pacientes, a gestão clínica do cuidado distanciasse de se tornar uma realidade.
A saúde da população está cada vez mais imersa em um sistema fragmentado e complexo. Mas, no centro de tudo, o que realmente falta é a integração, uma visão que enxergue o indivíduo por completo. Precisamos de um cuidado que una boas práticas, garanta segurança e ofereça ao paciente não apenas escolhas, mas a certeza de que está no caminho certo. Porque, no fim, saúde não é apenas tratar, é acolher, conectar e transformar vidas. É cuidar.
*Rodrigo Rodrigues é Diretor de Relacionamento da YUNA.