Durante o ABCIS Summit, realizado na Feira Hospitalar, o painel “Perspectiva CEO – Tecnologia: afinal, custo ou investimento?” reuniu três CEOs de grandes instituições de saúde para discutir um tema cada vez mais debatido no setor: o investimento em tecnologia.
Fernando Torelly, CEO do HCor, não usou meias palavras. Ao questionar o eterno dilema “tecnologia é custo ou investimento?”, ele foi direto: “Depende. Pode ser investimento, pode ser custo… ou pode ser desperdício total.” A fala, permeada por histórias reais e aprendizados de uma carreira de mais de 40 anos em gestão hospitalar, revelou um diagnóstico contundente sobre os erros recorrentes na digitalização da saúde — e também as oportunidades de transformação que a TI pode (e deve) protagonizar.
Torelly começou sua trajetória no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde participou da criação do AGHUC, sistema hospitalar adotado por hospitais universitários e públicos de todo o Brasil. “Ele nasceu a partir da lógica clínica, não da administrativa. E talvez por isso funcione até hoje”, afirmou.
Mas nem todos os projetos seguiram esse caminho. Ao longo dos anos, ele conta que viveu fracassos caros, como a implementação de sistemas sem capacitação adequada, sem revisão de processos e sem infraestrutura mínima. “Treinaram toda a equipe da nutrição em 2019, mas o sistema só foi ao ar em 2022. A equipe já era outra. Isso é desperdício.”
No HCor, onde assumiu a liderança em 2020, encontrou prontuários ainda em papel e um projeto pronto para “virar a chave” em um mês, mas sem garantir se as máquinas suportariam o sistema. “A única vantagem de ter 40 anos de experiência é que você já cometeu tantos erros que aprende a não repetir”, brincou.
Para o CEO do HCor, o sucesso de qualquer projeto de tecnologia na saúde exige a sincronia de três elementos: a tecnologia em si, os processos e as pessoas. “Não adianta digitalizar processos ruins nem colocar sistemas nas mãos de quem não está preparado. A TI não pode ser um cartório que apenas carimba pedidos. Ela precisa dizer ‘não’ quando for preciso.”
Ele ressalta que o profissional de tecnologia da informação precisa ter peso político na organização para evitar que sua atuação se resuma a atender solicitações mal elaboradas de gestores que sequer compreendem o que estão pedindo. “A pior coisa é um incompetente motivado. Ele vai te pedir errado com a melhor das intenções.”
Com a população envelhecendo rapidamente, e sem a contrapartida de um país mais rico, a equação da saúde brasileira tende a se tornar insustentável. “Estamos envelhecendo antes de enriquecer. A pirâmide etária dos países desenvolvidos, mas com investimento per capita muito inferior. É um pacto geracional que não vai fechar.”
Para lidar com essa nova realidade, segundo Torelly, o hospital precisa se transformar. E isso passa por entender que tecnologia deve estar a serviço do cuidado e da eficiência. Um exemplo? Um projeto de monitoramento clínico via integração de sinais vitais diretamente no prontuário eletrônico permitiu ao HCor antecipar agravos e reduzir paradas cardiorrespiratórias. “TI tem que se enxergar como uma área que cuida do desfecho do paciente.”
Outro ponto levantado por Torelly foi a necessidade de levar a transformação digital além do hospital. “Informatizamos o hospital, mas não a linha de cuidado. O paciente vai ao pronto-socorro em outra cidade e ninguém tem acesso ao histórico dele. Isso é desperdício — e perigoso.”
Ele citou como exemplo positivo o projeto de telediagnóstico com a Beneficência Portuguesa, que realiza mais de 150 mil laudos mensais de eletrocardiograma em UPAs de todo o Brasil. “É uma aplicação real de tecnologia para salvar vidas, com escala, impacto e eficiência.”
Entre glosas, cadastro mal feito e contas que demoram mais de 200 dias para serem pagas, Torelly vê na TI a chave para destravar a sustentabilidade financeira dos hospitais. “O setor de cadastro é mais importante que o CEO. Um erro ali compromete todo o fluxo de receita.” Ele defende que a TI assuma processos como cadastro, glosas e análise de contas, criando sistemas com inteligência artificial e barreiras sistêmicas que evitem erros e desperdícios.
No fim da palestra, Torelly fez questão de lembrar que, apesar de toda a transformação digital, o melhor hospital ainda será aquele onde “um humano cuida bem de outro humano, com apoio da tecnologia.” E concluiu: “A gente não precisa só digitalizar. A gente precisa transformar. E pra isso, é preciso mais do que orçamento: é preciso visão.”