Ao longo da minha atuação na oncologia, tenho acompanhado uma verdadeira transformação na forma como tratamos o câncer, o que também está mudando a maneira como os pacientes e a sociedade enxergam essa doença. O câncer, que por tanto tempo foi sinônimo de medo, hoje dá lugar a uma nova perspectiva de enfrentamento, qualidade de vida e, em muitos casos, cura.
É crucial desmistificar a imagem do câncer como uma sentença inevitável. Nos filmes e séries, é comum vermos histórias de câncer associadas ao fim da vida, retratando pacientes fragilizados, em cuidados paliativos. Essa imagem definitivamente não representa o cenário completo que vemos hoje na prática clínica. Graças aos avanços no tratamento e ao diagnóstico precoce, não são exceção os pacientes que conseguem manter uma vida ativa e produtiva durante e após o tratamento.
Essa mudança no cenário do câncer é fruto não só do aumento dos diagnósticos precoces, graças a programas de rastreamento como mamografia, colonoscopia e exames de imagem, como também dos avanços no tratamento sistêmico da doença, com medicamentos que atuam no corpo todo.
Os primeiros quimioterápicos surgiram na década de 40, a partir de estudos com substâncias usadas durante a guerra. A quimioterapia, apesar de conhecida por seus efeitos colaterais, trouxe a esperança de que, pela primeira vez, era possível tratar o câncer com medicamentos. Ao longo das décadas seguintes, novas drogas foram sendo desenvolvidas e aprimoradas, o que permitiu tratar diversos tipos de tumores com resultados cada vez melhores.
Nos anos 90, outro passo importante foi dado com a consolidação da hormonioterapia, que atua bloqueando hormônios que estimulam o crescimento de certos tumores, como os de mama e próstata. Essa estratégia continua sendo arma muito importante no tratamento de vários tipos de câncer.
Em 1998, o Trastuzumabe foi aprovado para tratar o câncer de mama HER2 positivo, um subtipo agressivo que, até então, tinha poucas opções de tratamento. Esse foi o primeiro anticorpo monoclonal amplamente utilizado em oncologia e marcou o começo da era da medicina personalizada, com a chegada das terapias-alvo.
Na sequência foram desenvolvidas outras drogas-alvo, como o Imatinibe, aprovado em 2001 para leucemia mieloide crônica, que transformou essa doença de fatal para crônica em muitos casos. Esse momento marcou um dos primeiros avanços reais da medicina personalizada, em que o tratamento passou a ser guiado pelas particularidades biológicas do tumor de cada paciente.
Em 2011, vivemos outra revolução no tratamento do câncer: a chegada da imunoterapia. Com um mecanismo de ação inovador, ela não ataca diretamente as células tumorais, mas estimula o próprio sistema imunológico do paciente a reconhecê-las e combatê-las.
A primeira aprovação foi do Ipilimumabe, o primeiro inibidor de checkpoint imunológico, para o tratamento de melanoma metastático. Esse tipo de medicamento age bloqueando proteínas que freiam a resposta imune, como CTLA-4 e PD-1, liberando o sistema imunológico para atacar as células tumorais. Antes da imunoterapia, pacientes com melanoma avançado tinham uma sobrevida média de cerca de 6 a 9 meses. Com os novos imunoterápicos, muitos passaram a viver anos, alguns com controle total da doença.
Desde então, a imunoterapia vem sendo estudada e aprovada para diversos tipos de câncer, como de pulmão, bexiga, rim, mama triplo negativo, linfomas, esôfago, entre outros. Em algumas situações, já é usada até mesmo em estágios iniciais da doença, com o objetivo de aumentar as chances de cura desde o começo do tratamento.
Vale destacar que a resposta à imunoterapia não é universal, nem todos os pacientes se beneficiam da mesma forma. Por isso, a oncologia moderna vem se orientando cada vez mais pelos princípios da medicina de precisão, que busca personalizar o tratamento com base nas características biológicas do tumor de cada indivíduo. Essa abordagem personalizada, que busca conhecer o “nome e sobrenome” de cada tumor, permite selecionar os pacientes com maior probabilidade de resposta à imunoterapia e evitar a exposição desnecessária a toxicidades.
Nesse cenário, o uso de biomarcadores preditivos — como a expressão de PD-L1, a carga mutacional tumoral (TMB) e a instabilidade de microssatélites (MSI) — tem sido essencial para identificar os pacientes com maior chance de resposta à imunoterapia. Essa abordagem não só aumenta as chances de eficácia do tratamento, como também reduz a exposição desnecessária a toxicidades em casos com baixa chance de benefício, promovendo um cuidado mais racional e eficiente.
Diante de todos esses avanços, é fundamental lembrar que, mais do que oferecer tratamentos eficazes, a prática oncológica de excelência exige um olhar humano, atento e individualizado.
Cada paciente vive uma jornada única, com suas próprias demandas físicas, emocionais, sociais e existenciais. A ciência tem nos permitido prolongar vidas e, em muitos casos, alcançar a cura. Mas é o cuidado centrado na pessoa que garante que essa trajetória seja percorrida com dignidade, acolhimento e propósito. Como disse o médico e escritor William Osler, um dos pais da medicina moderna “O bom médico trata a doença. O grande médico trata o paciente que tem a doença”. Que possamos, cada vez mais, unir tecnologia e empatia para transformar não só o prognóstico, mas também a experiência de quem enfrenta o câncer.
*Carolina Rutkowski é médica oncologista do Grupo Orizonti.