No Brasil, é crescente o debate em torno do número de diagnósticos de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Nas escolas, por exemplo, as matrículas de alunos com TEA cresceu 44% de 2023 para 2024, segundo o Censo Escolar 2024, divulgado este mês pelo Ministério da Educação.1 Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, conforme o relatório publicado em abril de 2025, apontam que 1 em cada 31 crianças de 8 anos nos Estados Unidos está no espectro do autismo. Esta é a maior prevalência já registrada na série histórica do CDC, superando a taxa anterior de 1 em cada 36 crianças e correspondendo a mais de 3% da população estudada2.
Esse aumento alimenta a impressão de que o transtorno estaria se tornando mais comum — mas é preciso analisar esse quadro com cautela, pois trata-se de um aumento na prevalência (número total de casos existentes), e não na incidência (número de novos casos). Dados do Censo Brasileiro 2022, informam que mais de dois milhões de brasileiros declararam ter recebido o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autista (TEA). O número (2,4 milhões de pessoas) equivale a 1,2% da população. O dado considera somente quem relatou ter diagnóstico realizado por profissionais de saúde3.
Observa-se que, embora hoje os diagnósticos de transtorno do espectro do autismo sejam mais frequentes do que no passado, os dados disponíveis sugerem que isso pode estar mais relacionado a mudanças importantes tanto no conhecimento sobre o TEA quanto na estrutura de saúde e educação do Brasil, do que a um fenômeno de hiperdiagnóstico. Na base desse fenômeno, podemos identificar:
A consequência direta desse cenário é o aumento da demanda por atenção e monitoramento especializado, acompanhada por uma expansão dos serviços públicos e privados da oferta de cuidados. Um exemplo relevante é a inauguração recente de unidades municipais de autismo na cidade de São Paulo, que oferece apoio e atendimento especializado a crianças diagnosticadas, marcando um avanço importante no acesso ao cuidado no sistema público.
No setor privado, surgem novos modelos de cuidado, como o das clínicas especializadas que adotam uma abordagem de jornada integral para pessoas com TEA e suas famílias. O formato implementado recentemente pela Dasa em São Paulo, por exemplo, aposta num sistema interdisciplinar integrado: neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, psicopedagogos e psicomotricistas que atuam de maneira articulada, construindo juntos um plano terapêutico individualizado para cada paciente. Além disso, há articulação direta com a escola e suporte estruturado às famílias desde o momento da avaliação, promovendo continuidade e eficiência no tratamento.
A demanda ampliada por diagnósticos trouxe o crescimento e a necessidade de especialização da mão de obra envolvida nessa assistência. O desafio passa a ser garantir não só o aumento do acesso ao diagnóstico, mas principalmente a oferta de um acompanhamento qualificado, efetivo e humanizado, capaz de garantir desenvolvimento e inclusão.
Devemos enxergar esse cenário como um copo cheio: celebrando os avanços conquistados e reconhecendo os esforços contínuos para estruturar uma rede de cuidado mais abrangente, humana e integrada. O transtorno do espectro do autismo, quando identificado precocemente e acompanhado por uma abordagem qualificada, possibilita atuação no desenvolvimento das potencialidades individuais. Nosso compromisso, enquanto sociedade, profissionais da saúde e gestores públicos, deve ser transformar cada diagnóstico em um ponto de partida para uma vida com mais oportunidades, autonomia e respeito.
*Fabiane Minozzo, gerente de práticas assistências da Dasa.
Referências:
1 – AGÊNCIA GOV. Crescem matrículas de alunos com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em: www.agenciagov.ebc.com.br. Acesso em: 02 maio 2025.
2- CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Prevalence and Early Identification of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 4 and 8 Years — Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 16 Sites, United States, 2022. MMWR Surveillance Summaries, Atlanta, v. 74, n. SS-2, p. 1-20, abr. 2025. Disponível em: www.cdc.gov. Acesso em: 27 maio 2025.
3 – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2022: 2,4 milhões de pessoas de 2 anos ou mais se declararam autistas. Rio de Janeiro: IBGE, 2024. Disponível em: agenciadenoticias.ibge.gov.br. Acesso em: 27 maio 2025.