Uma das principais despesas das empresas e famílias, os convênios médicos acumulam aumento de preço que chega a ser mais de quatro vez superior à inflação geral, no acumulado de 2015 a 2025. Nesse período, o reajuste do plano de saúde coletivo, modalidade que abarca 43,6 milhões de pessoas, acumulado atingiu 383,5% e no plano individual, a variação é de 146,48%. Já o IPCA sobe 84% (com projeção de 5,2% para este ano).
Esses reajustes, em especial a partir de 2022 - quando as operadoras amargaram prejuízo operacional de R$ 10 bilhões e, com isso, passaram a elevar o preço das mensalidades para compensar as perdas - podem estar impactando o crescimento de clientes de planos de saúde. Nos últimos três anos há uma desaceleração do crescimento de novos contratos.
Em 2021, houve incremento de 1,4 milhão de clientes e, no ano seguinte, subiu para quase 1,5 milhão. Já em 2023, houve a entrada de 690 mil contratos. Em 2024 foram 400 mil novos usuários. Nos primeiros quatro meses de 2025, o setor registrou o incremento de 133,4 mil vidas, puxado pelas operadoras Amil e SulAmérica. Considerando apenas os primeiros três meses de 2025, o setor tinha queda de 70 mil usuários.
O levantamento é da consultoria Arquitetos da Saúde e difere dos dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Isso porque o órgão regulador considera uma carteira de 580 mil usuários da Ipasgo, uma operadora pública de plano de saúde que atende aos servidores públicos e militares de Goiás desde 1962. Essa operadora passou a ser regulada pela ANS apenas em outubro de 2024. Houve inclusão retroativa, de 2019, e não a partir de 2024 quando efetivamente a Ipasgo tornou-se uma operadora regulada. (leia mais em Base de dados da ANS tem ajuste de 580 mil vidas)
Atualmente, 52,3 milhões de pessoas têm planos de saúde no Brasil, cerca de 25% da população do país. Esse é o mesmo patamar de dez anos atrás, mesmo com a inclusão de cerca de 4 milhões de contratos de convênio médico desde 2020. Antes da pandemia, o setor vinha perdendo clientes.
Nos últimos anos, o crescimento veio basicamente dos planos de saúde PME, em especial daquelas pequenas e médias empresas com até cinco usuários. Uma demanda que cresceu devido à falta de convênio médico individual, cujo reajuste é menor e controlado pela ANS. Hoje, já há 5,4 milhões de pessoas com esse produto, quase o mesmo volume dos planos de saúde por adesão (adquiridos por meio de entidades de classe) que, por sua vez, vêm perdendo mercado diante dos altos reajustes - em média, acima de 20%.
Muitos trocaram o adesão para o PME, mas os planos para pequenos empresários também passaram a ter aumentos elevados nos últimos anos. “O plano PME, que puxou a expansão do setor, parou de crescer. Os reajustes agora estão menores, mas lá atrás tiveram aumento forte”, disse Luiz Feitoza, sócio da Arquitetos da Saúde.
A desaceleração do crescimento é vista com preocupação, uma vez que há operadoras com práticas comerciais agressivas. O Bank of America (BofA) destacou em seu relatório que a “Amil tem adotado, desde dezembro de 2024, abordagem agressiva de crescimento, com descontos de até 40%, levantando preocupações sobre o crescimento e a lucratividade de seus concorrentes, especialmente, em São Paulo e Rio de Janeiro, onde detém 82% da base de beneficiários.”
Segundo fontes, a Amil tem ofertado novos planos de saúde com valores semelhantes ao da Hapvida, convênio médico que tem o menor preço do mercado devido a sua estrutura verticalizada.
''Custo do convênio médico representa 15,8% da folha de pagamento das empresas”
— Rosimeire Muricy
A Amil informou por meio de comunicado que sua “eficiência no controle da sinistralidade com aumento da qualidade ao cliente, resultado do foco no cuidado médico efetivo, no combate à fraude e do alinhamento com sua rede médica credenciada, tem permitido à empresa proporcionar preços mais acessíveis ao consumidor e, consequentemente, um expressivo aumento da sua base de clientes.” Hapvida não retornou até o fechamento da reportagem.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) informou que “um dos principais fatores a pressionar o reajuste das mensalidades de planos de saúde é a variação dos custos médicos, historicamente superior à inflação geral. Fatores estruturais explicam a aceleração dos preços da saúde suplementar, aqui e em todo o mundo: novas tecnologias cada vez mais caras, envelhecimento da população e predominância de doenças crônicas. No Brasil, porém, há fatores conjunturais, como o aumento contínuo do rol de cobertura obrigatória e a excessiva judicialização, muitas vezes voltada à obtenção de coberturas não previstas nos contratos.” A Abramge, associação das operadoras de planos de saúde, não vai se pronunciar.
Após reajustes elevados entre 2022 e 2024, as operadoras estão apresentando taxas pouco menor. No plano empresarial, a estimativa para este ano é de aumento médio de 17,32% contra 18,32% em 2023. No plano PME, as maiores operadoras estão aplicando majoração na casa de 15%, sendo que, em 2022, muitos contratos tiveram alta de 25%. No individual, a ANS estabeleceu índice de 6,06%, queda de 3,57 pontos percentuais em relação ao indicador de há dois anos.
Do total de usuários de planos de saúde no Brasil, 37,8 milhões, o equivalente a 72% do total, são funcionários de alguma empresa que concede o convênio médico como benefício. Em 2015, o gasto com plano de saúde equivalia a 11,5% do custo da folha de pagamento e, neste ano de 2025, esse percentual deve chegar a 15,8%, segundo a consultoria Mercer Marsh, que administra carteira com 5 milhões de usuários.
Em média, as empresas que são clientes da Mercer Marsh gastam R$ 709,50 com plano de saúde de cada funcionário. Há dez anos, esse valor era de R$ 225,23. “Os custos de saúde têm subido em forte velocidade o que têm sido um desafio às companhias”, disse Rosimeire Muricy, superintendente da Mercer Marsh Benefícios.
Com os reajustes elevados a partir de 2022, aumentou o número de empresas compartilhando a mensalidade do convênio médico com os funcionários. Há dez anos, 51% das empresas cobravam fatia do custo do convênio médico e esse percentual vinha em queda até 2021, quando atingiu 36%. No entanto, em 2023, subiu para 47% e atingiu 55% neste ano. “Estamos alertando as empresas, nossos clientes, que ao cobrar o plano de saúde do funcionário, do titular do plano, há um passivo sendo gerado. Em casos de demissão e aposentadoria, esses funcionários que contribuiram com uma parcela do plano tem direito a permanecer com o convênio”, disse Muricy.
Nos casos de contribuição por dez anos ou mais, o aposentado tem direito a permanecer com o convênio por prazo indeterminado, pagando do seu bolso o valor integral. Já aqueles que foram demitidos, podem manter o produto por seis meses a dois anos.
Essa regra vale apenas para as situações em que o titular paga uma fatia. Por isso, muitas empresas estão concentrando as cobranças nos dependentes dos funcionários. Em 2024, o custo médio de um plano de saúde para aposentado era de R$ 1,9 mil, sendo que para o funcionário ficava em R$ 642.
Historicamente, a inflação médica cresce acima do IPCA e vem se acentuando no mundo todo. Neste ano, a inflação médica no Brasil esperada é de 12,7% - acima da média global que é de 10,9%, segundo estudo da Mercer Marsh. No país, pesam nessa conta o envelhecimento da população, mudanças nas regras de cobertura dos planos de saúde que passou a permitir sessões em número ilimitado de terapias para pacientes TEA (transtorno do espectro autista) e judicialização.