Segundo o executivo, o comportamento do consumidor brasileiro segue tendências observadas em mercados como Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, nos quais as farmácias já se consolidaram como hubs de saúde, bem-estar e conveniência. “Em 2024, registramos mais de 1,26 bilhão de atendimentos no setor - o equivalente a mais de cinco visitas por habitante no ano”, diz Mena Barreto.
Essa mudança de comportamento tem reflexo direto no mercado de OTC. “No Brasil, essas tendências se traduzem em um ritmo constante de expansão. A expectativa é que o setor registre uma taxa média de crescimento anual de 3,8% entre 2025 e 2029”, afirma Eduardo Magalhães, diretor de marketing da Opella no Brasil. A companhia, especializada em saúde e autocuidado, reúne marcas como Allegra, Novalgina, Dorflex, Enterogermina e Dulcolax.
A Opella passou a operar de forma independente em abril deste ano, após a farmacêutica Sanofi concluir a venda de 50% da operação ao fundo americano de private equity Clayton, Dubilier & Rice (CD&R), que assumiu o controle global do negócio. A Sanofi manteve 48,2% de participação, enquanto a estatal francesa Bpifrance detém 1,8%.
A reestruturação ocorre em um momento em que o escopo da categoria de autocuidados se amplia, alcançando nichos antes pouco explorados, como o de produtos voltados ao alívio do estresse. “Estamos atentos aos novos comportamentos dos consumidores e, em resposta a essa demanda crescente, lançamos o Targifor Te Ajuda Stress, uma extensão da nossa linha Targifor”, destaca Magalhães.
Segundo ele, estratégias de marketing no ponto de venda e inovações focadas na experiência do consumidor têm tornado o mercado mais acessível e dinâmico. Ferramentas educativas, como fichas informativas e árvores de decisão para manejo da dor, têm despertado o interesse de médicos e reforçado o engajamento dos pacientes.
“A digitalização da promoção e distribuição têm ampliado o alcance e a conveniência para os consumidores, com farmácias cada vez mais presentes em plataformas on-line”, afirma o executivo.
A sazonalidade também segue como um motor relevante para o avanço das vendas. Com a chegada do inverno, cresce a procura por antigripais e antialérgicos nas farmácias. A Cimed, uma das maiores indústrias do setor, projeta faturar R$ 1 bilhão com produtos voltados a doenças sazonais nos meses de frio, frente aos R$ 790 milhões registrados no mesmo período de 2024. Segundo o CEO João Adibe, essa linha - composta por cerca de 40 produtos - responde por 34% do faturamento total da empresa e deve alcançar 120 milhões de unidades comercializadas.
“As categorias de inverno são estratégicas para a Cimed. Só o Cimegripe deve gerar R$ 46,2 milhões em faturamento neste inverno”, afirma. A empresa projeta um crescimento de 10,9% em 2025 com as marcas voltadas para essa estação.
A indústria farmacêutica EMS também vem reforçando sua presença no segmento de medicamentos OTC com aquisições estratégicas e pesquisa. As compras do sabonete íntimo Dermacyd e da linha Vitamine-se estão entre as principais apostas da companhia para expandir sua atuação.
Segundo Cinthia Ribeiro, diretora da Unidade de Negócios OTC da EMS, os investimentos têm foco em inovação, capilaridade de distribuição e escuta qualificada. “Desde 2023, temos conduzido uma série de estudos para entender profundamente as necessidades do público e, com isso, expandir nossa atuação de forma mais precisa e relevante”, afirma.
O desafio é agregar conhecimento e conscientização sobre saúde e bem-estar”
— Cinthia Ribeiro
Além de ampliar o portfólio com foco em prevenção, beleza e qualidade de vida, a EMS prioriza o papel educativo do setor como diferencial competitivo. “Mais do que anunciar produtos, o desafio do OTC é agregar conhecimento e conscientização sobre saúde e bem-estar”, diz Ribeiro.
Outro ponto estratégico, segundo a executiva, é o uso da comunicação em massa para fortalecer marcas. “O verdadeiro canal de geração de demanda para nosso portfólio OTC ainda é a televisão.”
Essa transformação no perfil de consumo também é observada por Paulo Paiva, vice-presidente corporativo da Close-Up Internacional, empresa que audita o setor farmacêutico. “A jornada do paciente mudou nos últimos anos - houve um aumento claro na busca por prevenção. A pandemia de covid-19 acendeu um alerta sobre imunidade e comorbidades, reforçando a percepção de que é preciso cuidar melhor da saúde”, afirma Paiva.
O impacto dessa mudança de comportamento reflete-se também nas estratégias de comunicação. “É uma categoria em transformação permanente, que exige das marcas a capacidade de acompanhar de perto as mudanças no comportamento do consumidor”, afirma João Consorte, presidente do grupo IPG Health no Brasil, que reúne agências como McCann Health Brasil e FCB Health Brasil.
Para Consorte, o marketing de saúde demanda equilíbrio entre apelo criativo e rigor técnico. “É preciso oferecer uma linguagem acessível, sem abrir mão da responsabilidade ética, o que faz com que a gente trabalhe com equipes multidisciplinares.”
No varejo, a consolidação de marcas próprias também tem redesenhado o setor. A RD Saúde - controladora das redes Raia e Drogasil - concentra-se nesse modelo há mais de uma década. Em 2024, os produtos OTC representaram 20,5% da receita bruta das farmácias da companhia. Segundo levantamento da IQVIA, a RD liderou o mercado de marcas próprias em farmácias no país, com faturamento de R$ 1,6 bilhão no ano passado. Entre os destaques está a Needs, marca que desde 2023 ultrapassa a barreira de R$ 1 bilhão em receita anual, ao lado de outras como Bwell e Natz.
Um dos focos da empresa tem sido a digitalização da experiência de compra. Um levantamento da RD Saúde revelou que os clientes digitalizados - aqueles que usam app, site ou programas de fidelidade - geram um faturamento entre 20% e 25% superior ao dos clientes físicos. A participação dos canais digitais nas vendas da companhia passou de 2% para 20% nos últimos cinco anos.
Do ponto de vista regulatório, a propaganda dirigida ao público leigo no Brasil é autorizada apenas para medicamentos OTC. Os demais devem ser promovidos exclusivamente em canais voltados a profissionais de saúde.
Além de movimentar bilhões e transformar o varejo, o mercado de OTC tem potencial para aliviar o Sistema Único de Saúde (SUS). Estudo da FIA Business School mostra que, para cada real investido em medicamentos de venda livre, o SUS pode economizar até R$ 7 em custos com internações e agravamentos.