A pesquisa clínica e o atendimento assistencial têm a capacidade de gerar uma infinidade de informações de saúde. Esses registros estão criando conjuntos de dados que podem ser extraídos com ferramentas de inteligência artificial e aprendizado de máquina para diagnósticos, previsão de resultados de tratamento e design de novas terapias.
No Brasil, as tecnologias estão transformando os estudos clínicos ao possibilitar um planejamento mais estratégico e uma execução mais eficiente da assistência.
“Nos últimos anos, a pesquisa clínica deixou de ser uma atividade periférica e passou a ocupar um papel estratégico no planejamento das instituições de saúde brasileiras. Impulsionada pelo avanço da digitalização, pela adoção de novas tecnologias, como inteligência artificial, internet das coisas (IoT) e deep learning, e por uma maior valorização do conhecimento científico, essa transformação está redesenhando a forma como hospitais geram inovação e qualificam o atendimento assistencial”, analisa Felipe Cabral, coordenador do GT Tecnologia e Inovação em Saúde da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e gerente médico de Saúde Digital do Hospital Moinhos de Vento.
Segundo Cabral, a pesquisa está se tornando um diferencial competitivo real. Ela atrai e retém talentos, gera inovação e conhecimento, qualifica a assistência e pode até diversificar a receita dos hospitais, destacando o aumento do interesse por estudos com foco tecnológico, como desenvolvimento de softwares voltados à saúde.
“Ainda há um longo caminho a ser percorrido no sentido da implementação de ferramentas tecnológicas em larga escala, mas já se conhece bastante sobre o grande potencial da aplicação dessas tecnologias para a pesquisa clínica. O uso de grandes volumes de dados de saúde permite a boa aplicação de ferramentas de inteligência artificial e nos leva à seleção mais precisa de centros de pesquisa e de populações elegíveis, além de contribuir para a definição de protocolos mais assertivos e personalizados”, afirma Fernando de Rezende Francisco, diretor executivo da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro).
Durante a condução de um estudo, a IA pode ser utilizada para monitorar dados em tempo real, detectar possíveis eventos adversos ou desvios de protocolo e ajudar a manter o engajamento dos participantes, por meio de aplicativos e sistemas interativos. Na análise de dados, técnicas de machine learning permitem processar informações complexas, como imagens, dados genômicos e informações não estruturadas, além de apoiar a predição de desfechos clínicos e a tomada de decisão mais ágil e embasada.
Já a interoperabilidade entre sistemas de saúde e plataformas de pesquisa tem favorecido a troca mais fluida e segura de informações, reduzindo erros, retrabalho e o tempo necessário para a condução de estudos. “Embora esses avanços ainda estejam em estágios iniciais no Brasil, em comparação com mercados mais maduros, há um movimento crescente de adoção dessas tecnologias, impulsionado tanto por patrocinadores globais quanto por ‘players’ locais”, detalha Francisco.
O executivo destaca ainda que algumas iniciativas têm surgido com o objetivo de integrar prontuários eletrônicos, plataformas de consentimento eletrônico (e-consent), sistemas de captura eletrônica de dados (eCRFs) e ferramentas de monitoramento remoto.
“Redes de hospitais privados, grandes centros acadêmicos e algumas organizações de pesquisa clínica têm investido no desenvolvimento ou na adoção de plataformas integradas que permitam um fluxo de dados mais eficiente entre as diferentes etapas da pesquisa. Startups e empresas de tecnologia em saúde também têm contribuído com soluções inovadoras para digitalização e monitoramento remoto de pacientes.”
No entanto, um dos maiores gargalos ainda é a fragmentação dos dados dentro dos próprios hospitais. “Os protocolos precisam estar em um único lugar. E só com a digitalização isso é possível”, afirma Cabral. Enquanto instituições como o Hospital Israelita Albert Einstein, no Brasil, e a Mayo Clinic, nos Estados Unidos, já operam com estruturas integradas, a maioria das organizações de saúde brasileiras ainda trabalha com silos de informação, dificultando a padronização e o compartilhamento.