Grande parte da inovação em saúde continua esbarrando na mesma armadilha: tentar integrar soluções novas em sistemas que já não dialogam nem com as necessidades do presente, que dirá com as possibilidades do futuro.
Um dos grandes mitos que ainda persistem sobre a saúde digital é o da complexidade inevitável. Tudo precisa ser pesado, demorado, burocrático. Mas não precisa ser assim. É possível criar soluções seguras, com inteligência embarcada, que respeitam a infraestrutura existente, mas que não se submetem às suas limitações.
Existe uma interoperabilidade. Na prática, ela é o que permite que diferentes sistemas conversem entre si. Imagine um paciente que faz um exame de glicose em um laboratório e depois leva esse resultado para um hospital. Se os sistemas dessas duas instituições não estiverem integrados, aquele exame pode não ser interpretado de forma correta, mesmo sendo tecnicamente o mesmo dado. Para que essa troca aconteça, é necessário que ambos adotem padrões de dados. Ou seja, estejam falando a mesma língua.
Historicamente, a forma encontrada para resolver esse desafio foi o uso de campos estruturados logo no input dos dados. Profissionais de saúde passaram a preencher formulários com campos pré-definidos, o que garante padronização, mas cobra um preço alto em tempo, energia e fluidez no atendimento. A estruturação do dado é, sim, essencial para interoperar. Mas a verdadeira inovação está em como a padronização é alcançada.
Com os avanços da inteligência artificial generativa, já é possível capturar dados em texto livre ou áudio e transformá-los em informações estruturadas e interoperáveis.. Além de não sobrecarregar o profissional na ponta com formulários extensos e campos obrigatórios, as tecnologias emergentes permitem capturar a conversa real com o paciente – uma história clínica mais rica – e, a partir dela, extrair automaticamente um volume muito maior de dados relevantes, já seguindo algum padrão.
A principal diferença é que, ou seja, o esforço de organização não precisa mais estar na ponta, com o usuário do sistema, mas sim em etapa subsequente, com apoio de IA para uma categorização eficiente e rápida.
A capacidade de compartilhamento de informações, com consistência e segurança é o que permitiria, por exemplo, um modelo de Open Health, nos moldes do Open Banking. Em qualquer instituição, o profissional de saúde poderia acessar o histórico do paciente, com autorização dele, mesmo que os atendimentos anteriores tenham sido realizados em locais distintos. Isso seria bom para a clínica e hospitais, bom para a eficiência do sistema e, principalmente, bom para o paciente.
Uma transição que amplia a quantidade e a riqueza dos dados disponíveis
A inteligência artificial generativa deve provocar uma transformação tão profunda quanto a causada pela internet – talvez até maior. Essa mudança não é mais uma previsão distante: ela já começou. Nos próximos anos, as soluções não virão de quem tenta adaptar tecnologias novas a processos antigos, mas de quem redesenha esses processos a partir das novas possibilidades.
*Fillipe Loures