Suficiência dos reajustes de planos de saúde individuais
29/07/2025

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fixa anualmente o índice máximo de reajuste para os para os planos médico-hospitalares individuais e familiares. Para as datas de aniversário do período de maio de 2025 a abril de 2026, esse índice foi fixado em 6,06%. Esse valor resulta da aplicação da fórmula de cálculo fixada pela ANS na Resolução Normativa 441, de dezembro de 2018. Com essa resolução, passou-se a ter norma escrita, clara e transparente, para a fixação do índice máximo de reajuste. 

Regra de reajuste escrita e publicada é um notável avanço da ANS, há que se reconhecer. No entanto, permanecem questionamentos, especialmente quanto a se o índice assim definido será suficiente para a sustentabilidade das carteiras de planos individuais/familiares.

O índice é único e aplicável a todas as operadoras de todas as regiões do País, mesmo sabendo das enormes diferenças entre elas, tanto relativamente à infraestrutura de serviços de atenção à saúde, disponibilidade de profissionais e equipamentos, quanto às diferenças de custos dos serviços. Diferenças essas, relembre-se, reiteradamente mencionadas nos fóruns de debate da ANS em diversas ocasiões. 

Essas últimas observações apontam para a conveniência de se diferenciar os reajustes por esses aspectos. Não vou insistir nessa demanda, já bastante conhecida e argumentada. Abordo, agora, outro aspecto, o da suficiência desse índice de reajuste, definido em fórmula matemática, para que essas carteiras de planos individuais não carreguem ônus demasiadamente pesado sobre as finanças das operadoras. 

Parâmetros do cálculo e limitações do controle das operadoras

A própria nota de esclarecimento da ANS, que acompanha a divulgação do índice, traz informações que permitem uma primeira avaliação dessa questão. O cálculo pondera as despesas com assistência à saúde per capita das carteiras de planos individuais (peso de 80%) e o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, do IBGE), expurgado de seu componente planos de saúde (peso de 20% na composição do reajuste). Consta da Nota Técnica da ANS que a variação da despesa per capita de 2023 para 2024 foi de 9,35%. Entenda-se bem: o beneficiário gastou em 2024, em média, 9,35% mais do que em 2023.  

Para chegar ao índice de reajuste, esse percentual é deduzido da variação da receita por mudança de faixa etária, que neste ano, segundo a ANS, foi de 1,90% – percentual mais alto do que nos anos anteriores (sem explicação para esse aumento). Além desse, incide outro desconto, a título de promover a produtividade na prestação dos serviços de assistência à saúde, calculado por média da dispersão da variação de despesas per capita das operadoras que se situaram no quarto quartil. O cálculo é feito para janela fixa de quatro anos – 2019 a 2022 -, recalculado a cada quatro anos. O índice de produtividade para os reajustes de 2023 a 2026 ficou em 0,9%. 

Independentemente se a fórmula de cálculo para se chegar e a 0,9% de fato expressa produtividade, cabem duas importantes observações. Primeira, a ideia de desconto por produtividade veio da privatização dos monopólios naturais da gestão de Margaret Thatcher, a primeira-ministra do Reino Unido nos anos 1980. Monopólios privatizados precisam de controle de preços e a regra estabelecida foi de reajuste pelo índice de inflação descontado por um índice de ganhos de produtividade – índice esse que, factível, expresse a realidade e ao alcance da gestão das empresas. 

Ocorre que operadoras de planos de saúde (não inteiramente verticalizadas) têm pouca ou nenhuma gestão sobre as despesas com assistência à saúde – afinal, elas não conseguem intervir nas práticas administrativas de prestadores como hospitais, clínicas, laboratórios, profissionais etc. Portanto, a maioria das operadoras tem que conseguir produtividade sem ter a gestão para isso. Bem, pode-se argumentar que elas sejam capazes de convencer os prestadores a conseguirem e compartilharem esses aumentos de produtividade. Aceito esse argumento, ainda cabe verificar a plausibilidade de aumentos de produtividade de 0,9% ao ano, no setor da assistência à saúde, que notoriamente tem grande dificuldade de aumentar a produtividade. 

Produtividade no setor de saúde: desafios e perspectivas

A taxa de crescimento da produtividade tem alta variabilidade, pois está sujeita aos ciclos econômicos e depende do setor de atividade – no agronegócio brasileiro, por exemplo, cresceu mais de 5% ao ano por mais de uma década. O Observatório da Produtividade Regis Bonelli traz dados da economia brasileira desde 1981. Entre 1981 e 1990, a produtividade total dos fatores caiu à taxa média anual de 0,6%; na década seguinte aumentou à taxa média anual de 0,2%; na primeira década do século 21 aumentou 1,5% ao ano; entre 2010 e 2019 caiu 0,1% ao ano; e entre 2019 e 2024 caiu 0,03% ao ano. Claro que houve anos com crescimento expressivo, mas predominou a queda na produtividade total dos fatores. Isso para a economia como um todo. Agora, é notório que a produtividade total dos fatores evolui bem menos rapidamente nos serviços, especialmente na assistência à saúde, do que na economia como um todo. 

As operadoras vêm aplicando volumosos recursos para reduzir perdas e desperdícios de todos os tipos, inclusive com fraudes e abusos. As áreas de autorização examinam a pertinência técnica dos procedimentos prescritos e solicitam ao profissional assistente as justificativas. Em caso de divergência sempre resta a possibilidade de submissão à junta médica. Também cresce a utilização da IA como forma de detecção e inibição de práticas irregulares ou abusivas. Espera-se que, no tempo, essas medidas tenham impacto positivo na produtividade. 

A ideia de repassar às mensalidades a variação da despesa per capita com algum redutor a título de ganhos de produtividade é útil e diria que até mesmo necessária para forçar a busca por produtividade. Porém, o índice de ganho de produtividade utilizado deve corresponder ao que se observa no setor correspondente da economia. Parece conveniente que se desenvolvam projetos para medir/estimar a produtividade no setor de saúde. Medições adequadas da produtividade permitem melhores avaliações dos efeitos de medidas adotadas no setor e melhor desenho de políticas (entendidas em sentido amplo).

José Cechin é superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). 





Obrigado por comentar!
Erro!
Contato
+55 11 5561-6553
Av. Rouxinol, 84, cj. 92
Indianópolis - São Paulo/SP