Quando pensamos nos impactos de uma catástrofe ambiental, é inevitável associarmos as prioridades à preservação da vida, à integridade física das pessoas e à contenção de danos materiais imediatos. Em instituições de saúde, essa lógica se aplica diretamente: salvar pacientes, realocar equipamentos, proteger insumos e garantir energia mínima para manter sistemas essenciais em funcionamento.
Mas há um aspecto que não pode ser negligenciado nas etapas iniciais de resposta a emergências: a preservação dos dados clínicos. Em contextos hospitalares, a informação armazenada nos sistemas é tão estratégica quanto o estoque de medicamentos ou a manutenção de aparelhos de suporte à vida.
O histórico médico digitalizado, o prontuário eletrônico, os resultados de exames, prescrições e anotações clínicas formam o alicerce do cuidado assistencial moderno. Sem eles, a continuidade do tratamento se torna incerta, a tomada de decisão médica perde agilidade e precisão, e a segurança do paciente é colocada em risco.
Eu sou gaúcha e acompanhei com aflição o que aconteceu no estado em 2024, quando as chuvas forçaram o deslocamento de 600 mil pessoas de suas casas. Acompanhei novamente esse ano, quando o tempo extremo causou novos estragos, ainda que não tão intensos quanto os do ano passado. Sei que, mesmo os hospitais e clínicas que contam com planejamento físico de contingência, enfrentam dificuldades operacionais por não conseguirem garantir o acesso seguro aos seus sistemas e bases de dados.
Esse tipo de fragilidade não se limita a eventos extremos. Quedas de energia prolongadas, ataques cibernéticos e falhas em equipamentos também podem interromper o acesso a dados clínicos em momentos críticos. E em todos esses cenários, a ausência de protocolos bem definidos de gestão e recuperação de dados pode comprometer a prestação de cuidados essenciais.
Preservar informações clínicas é uma questão de responsabilidade institucional. Em tempos de digitalização acelerada e interoperabilidade entre sistemas, a perda de dados representa uma falha em cadeia com consequências éticas, administrativas e financeiras. O conceito de resiliência digital passa a integrar o conjunto mínimo de critérios estruturais para instituições de saúde. Isso inclui: sistemas redundantes e replicação geográfica de dados; planos operacionais para migração e recuperação emergencial; testes regulares de contingência digital e infraestrutura escalável e compatível com ambientes críticos. Esses elementos precisam ser planejados antes da crise, com investimentos direcionados, definição de responsabilidades e revisão periódica de estratégias de continuidade.
A operação de saúde moderna não existe sem dados. E, em contextos emergenciais, garantir a integridade e a disponibilidade dessas informações é parte indissociável da resposta rápida e segura aos pacientes. O desafio não está apenas em reagir à crise, mas em ter meios técnicos, humanos e estratégicos para sustentar a operação quando o imprevisível acontece. Os dados, nesse cenário, não são suporte – são estrutura.
*Caroline Figueredo é diretora de serviços gerenciados da Octafy.