Neurociência aplicada à liderança na saúde: como decisões conscientes estão moldando resultados
20/08/2025

Em ambientes de alta pressão, como hospitais, laboratórios e operadoras de saúde, líderes lidam diariamente com decisões críticas, conflitos, exaustão das equipes e a necessidade constante de engajamento. A resposta para lidar com esses desafios pode estar na neuroliderança, uma forma de liderança embasada em neurociência que só foi possível de ser desenvolvida a partir do entendimento do genoma humano e da química cerebral.
 

O termo foi popularizado pelo pesquisador David Rock, no início dos anos 2000, e desde então vem sendo aplicado em organizações que buscam lideranças mais conscientes e eficazes.

A neuroliderança aplica os conhecimentos da neurociência em áreas da liderança como motivação, colaboração, gestão de mudanças, resolução de problemas, tomada de decisão, gestão das emoções, entre outras. Ao entender como o cérebro funciona, os líderes podem tomar melhores decisões para si mesmos e para suas equipes.

Para Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nemesis Neurociência Organizacional, as emoções fazem parte da experiência humana, mas, quando intensas demais, podem prejudicar a qualidade da tomada de decisão.

“Contextos de alta pressão fazem parte da rotina das lideranças e, por isso, compreender o que acontece no cérebro, tanto da liderança quanto das equipes, nesses momentos, é fundamental para que se possa aprender a lidar com diferentes situações desafiadoras, mantendo a calma e permitindo que os centros cognitivos mais sofisticados do cérebro sigam funcionando bem. Isso irá permitir a ativação adequada de regiões cerebrais como o córtex pré-frontal, responsável por habilidades como autocontrole, visão de longo prazo, empatia, foco atencional, dentre outras, que favorecem essa tomada de decisão com mais qualidade, pois nos permite pensar antes de agir”, explica

Segundo a especialista, a neurociência oferece instrumentos que vêm sendo aplicados em programas de desenvolvimento de lideranças, como treinamentos sobre vieses cognitivos, que ajudam líderes a reconhecer distorções mentais que afetam julgamentos e decisões; protocolos de tomada de decisão, que criam passos objetivos para manter a racionalidade em momentos críticos; e práticas de foco e escuta ativa para fortalecer a atenção plena, melhorar o feedback e a gestão de conflitos.

“Aplicar o conhecimento da neurociência organizacional permite criar ambientes mais saudáveis e aumentar o engajamento e a performance dos times. Diferentes estratégias de engajamento e comunicação podem ser usadas para se atingir esses objetivos. O mais importante é que essas ações sejam consistentes ao longo do tempo e coerentes entre diferentes áreas da organização, garantindo uma cultura robusta capaz de colher bons resultados”, destaca Ana Carolina.

A liderança é uma habilidade social e por isso a empatia é considerada importante nesse contexto. Ela é uma das funções cerebrais que permite compreender o outro e a partir disso direcionar melhor as nossas ações.

“Muitas pessoas já conhecem a empatia emocional, que seria a capacidade de sentir o que o outro sente, mas além dela, temos também a empatia cognitiva, que nos permite imaginar o que se passa na cabeça do outro e suas intenções. Ambas são necessárias para que possamos adaptar nossa comunicação, tomar decisões que influenciam o outro, ou o grupo no qual estamos inseridos, direcionar atividades, reconhecer necessidades, alinhar expectativas, negociar.”

Neurociência aplicada à liderança nas instituições de saúde: experiências reais

Em um setor marcado pela complexidade e pela pressão constante, o Grupo Sabin decidiu incorporar conceitos da neurociência no desenvolvimento de seus líderes, traduzindo o conhecimento científico em práticas cotidianas de gestão.

Os programas de desenvolvimento adotados pela organização têm como foco central a escuta ativa, a empatia e a comunicação consciente. A partir de conceitos da neurociência, líderes são estimulados a compreender como as emoções são processadas e de que forma impactam o engajamento e a segurança psicológica das equipes.

“Na prática, isso se reflete em ações como o incentivo ao feedback construtivo, à valorização das microvitórias e à criação de ambientes que favorecem o pertencimento e a colaboração”, detalha Marly Vidal, diretora administrativa e de pessoas do Grupo Sabin.

A empresa também estruturou trilhas de liderança que combinam momentos presenciais e online, com conteúdos técnicos e comportamentais. Essas trilhas incluem práticas de autoconhecimento, inteligência emocional e neurogestão, apoiadas por treinamentos, mentorias e acompanhamento individual.

O objetivo, conta Marly, é fortalecer a cultura do diálogo, aprimorar a gestão de pessoas e preparar líderes para conduzir equipes de forma mais humanizada, estimulando ambientes de trabalho colaborativos e saudáveis.

Essa experiência também já vem sendo observada em outras organizações de saúde, como na Amil, que investe em modelos de liderança baseados em empatia, segurança psicológica e regulação emocional para sustentar equipes mais resilientes.

“Na Amil, integramos elementos da neurociência no nosso Programa de Desenvolvimento de Lideranças (PDL), por meio de conteúdos e práticas que estimulam o equilíbrio entre razão e emoção, o autoconhecimento e a qualidade das relações interpessoais”, conta Ricardo Burgos vice-presidente de Pessoas e Segurança.

O executivo avalia que, à medida que os líderes entendem que a neurociência oferece evidências sobre os mecanismos cerebrais que sustentam a tomada de decisão e ao compreender como o cérebro processa estresse, recompensas e interações sociais, é possível elaborar programas de capacitação mais assertivos, fundamentais para a liderança eficaz. “Com isso, além de melhorar a performance dos nossos líderes, esperamos promover ambientes de segurança psicológica.”

Desde os primeiros módulos do PDL, temas como autogestão, inteligência emocional, conversas difíceis, feedback e gestão de conflitos são abordados com metodologias práticas, dinâmicas e estudo de casos. “Assim, estimulamos nossos líderes a desenvolverem a autorregulação emocional, escuta ativa e comportamento adaptativo”, explica Burgos.

No programa, os participantes refletem sobre a predominância entre os lados esquerdo (lógico e analítico) e direito (emocional e intuitivo) do cérebro, como ponto de partida para discutir o equilíbrio entre a mente que pensa e a mente que sente, base da integração entre inteligência cognitiva e emocional.

“Essa abordagem evidencia que liderar vai além do quociente de inteligência (QI) – envolve o desenvolvimento da empatia, da escuta ativa, da autorregulação emocional e da tomada de decisão consciente. O programa reforça que é na harmonia entre razão e emoção que os líderes tomam decisões mais equilibradas e eficazes.”

Para Burgos, a comunicação geradora de segurança psicológica é uma competência que pode mitigar riscos de burnout e favorecer um clima organizacional saudável, além de reduzir estressores, fortalecer vínculos interpessoais e preservar a saúde mental dos colaboradores. “Nos próximos módulos, vamos aprofundar temas como líder coach, segurança psicológica, vieses inconscientes e gestão de equipes adaptativas.”
 

Decisões estratégicas mais conscientes

No Sabin, esse modelo de liderança tem impacto direto em decisões estratégicas, como na condução de processos de desligamento com respeito e clareza, realização de feedbacks contínuos e estruturados, definição de estratégias para desenvolvimento de equipes de alta performance e o fortalecimento de um clima organizacional saudável.

“Com mais consciência sobre como as pessoas reagem em diferentes contextos, os líderes equilibram resultados e cuidado com as equipes. Isso se traduz em adesão mais rápida às mudanças, maior confiança e engajamento coletivo”, reforça Marly.

Impactos já observados

Segundo Marly, os resultados dessa abordagem são tangíveis. A empresa reporta ganhos expressivos no clima organizacional e no engajamento dos colaboradores, além de redução de conflitos e maior capacidade de adaptação às mudanças.

“Em áreas assistenciais e de suporte, essas práticas vêm refletindo em melhorias nos indicadores de satisfação dos pacientes e na percepção de qualidade do atendimento. Para a instituição, investir em liderança consciente não é apenas uma iniciativa de gestão de pessoas, mas um fator estratégico para assegurar resultados sustentáveis e impacto positivo em toda a cadeia do cuidado.”

Burgos destaca que, ao promover inteligência emocional, empatia e tomada de decisão consciente, a Amil fortalece uma cultura interna centrada no colaborador, prevenindo o adoecimento mental do time. “Isso se reflete diretamente na experiência dos clientes e no cuidado a pacientes em nossas unidades assistenciais, garantindo qualidade e os melhores desfechos em saúde, além de valor sustentável para a empresa.”

O executivo destaca ainda que, no relacionamento com pacientes, o conhecimento da neurociência sobre como o cérebro processa a dor e as emoções orienta os profissionais a adotar práticas como escuta ativa, empatia e comunicação clara. “Essa abordagem contribui para reduzir a ansiedade, gerar confiança e estimular a participação ativa do paciente no próprio cuidado, proporcionando uma experiência mais acolhedora e resultados mais efetivos.”

A neurociência abriu novas portas para entender o que torna a liderança verdadeiramente eficaz. É claro que os líderes mais bem-sucedidos são aqueles que priorizam os relacionamentos e o bem-estar emocional, tanto para si quanto para suas equipes. Ao gerenciar o estresse, promover conexões emocionais positivas e focar na liderança relacional, os líderes podem criar ambientes onde o bem-estar e a inovação prosperam. Isso, por sua vez, leva ao sucesso organizacional sustentável, beneficiando todos os envolvidos.

 





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