O avanço do Mercado Livre no setor farmacêutico é um fator de pressão para redes de varejo, como RD Saúde e Pague Menos, avaliam analistas. Mas a intensidade e profundidade de eventuais mudanças no mercado ainda dependem dos próximos passos do marketplace.
Por meio de uma subsidiária de sua plataforma de entregas Kangu, o Mercado Livre está adquirindo a Cuidamos Farma, uma farmácia que pertence à Memed, empresa de prescrição digital de receitas médicas, segundo o Pipeline, site de negócios do Valor. A drogaria fica no bairro Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo. A aquisição foi submetida ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e aguarda aprovação do órgão antitruste.
O Mercado Livre confirmou as tratativas e disse que "no momento oportuno, irá compartilhar mais informações a respeito". Procurada, a Memed confirma que negocia a possível venda de um ponto de varejo físico, “sem o estabelecimento de qualquer relação societária ou comercial entre as empresas citadas”.
“O Meli vem tentando avançar em categorias que aumentem frequência e recorrência, como alimentos, higiene, beleza, cosméticos, e claramente o medicamento tem essa capacidade”, afirma Alberto Serrentino, sócio-diretor da Versace Retail, consultoria especializada em varejo. Dentre esses segmentos mais rentáveis, “farma” era o único em que a empresa não estava presente no Brasil.
Serrentino destaca que, historicamente, o Mercado Livre não costuma desenvolver categorias. “Ele fomenta com o 1P [venda direta] para depois crescer no 3P [‘marketplace’]. Então as farmácias provavelmente seriam potenciais sellers [vendedores] do Meli”, avalia.
As vendas digitais de grandes varejistas farmacêuticas, como a RD Saúde, têm registrado crescimento de 40% a 50% nos últimos trimestres, destaca o Jefferies, mostrando um mercado em potencial importante que a plataforma pode explorar.
Do ponto de vista regulatório, o Brasil não permite a venda de medicamentos em “marketplaces”, mas a resolução 812/2023 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a entrega por dispensadores de farmácias licenciadas, pontua o Santander. “Acreditamos que a aquisição dá ao Meli a ‘casca’ legal para operar uma frente própria de farmácia, mas não autoriza listar medicamentos OTC ou de prescrição dentro do site do mercado livre”, escrevem os analistas do banco, em relatório.
Para o time da XP, a chegada de um competidor com a escala e a capacidade logística da plataforma representa um risco significativo de mudança no setor. Por outro lado, as farmácias tradicionais ainda têm vantagens competitivas, como a entrega ultrarrápida e a proposta de valor da loja física.
Os reais impactos das mudanças nas estruturas competitivas no mercado farmacêutico serão revelados somente com o tempo, diz o Itaú BBA. O banco acredita que redes maiores e mais estruturadas devem prevalecer em termos relativos, protegendo parte de sua participação ao superar concorrentes menores mais expostos a medicamentos isentos de prescrição. “Mas, em termos absolutos, é impossível não contar com maior pressão na economia unitária do modelo de drogarias como ele é hoje”, comentam os analistas liderados por Rodrigo Gastim.
Segundo eles, o Mercado Livre deverá se destacar em conveniência para competir de forma eficaz, uma vez que mais de 70% das vendas da RD Saúde são de modo que o cliente compra no site e retira o produto fisicamente e grande parte do público com maior poder aquisitivo mora a até cinco minutos de uma unidade. “Isso torna a entrega de última milha extremamente eficiente, limitando a vantagem competitiva inicial do Mercado Livre nesse aspecto”.
As farmácias já esperavam um novo cenário concorrencial com o avanço do projeto de lei que regula a venda de medicamentos em supermercados. Um parecer favorável será avaliado na próxima semana, segundo o BTG Pactual.
Apesar das incertezas, o banco permanece com perspectivas otimistas para o setor no restante do ano.