No Healthcare Innovation Show 2025, a liderança clínica será discutida a partir de uma perspectiva que vai além da técnica. Renato Vieira, diretor médico do Hospital Santa Catarina, é palestrante confirmado no Palco Cuidado Digital e Humanizado, que recebe o painel “A evolução da liderança clínica na era digital e orientada por dados”.
O executivo adianta, em entrevista exclusiva ao Saúde Business, que o debate será direto: como equilibrar tradição e inovação, ciência e empatia, experiência e algoritmos.
Ao refletir sobre a transformação da liderança médica nesta nova era, Vieira destaca o papel do líder diante das novas tecnologias. “Independentemente do setor, o líder é a figura que catalisa a transição entre épocas, modelos e paradigmas. Ele precisa sintetizar preservação e mudança”, afirma.
As tecnologias digitais potencializaram a prática clínica de diversas maneiras. Elas permitem integrar grandes volumes de dados científicos, ampliar o acesso em regiões remotas e trazer precisão em procedimentos complexos, como as cirurgias robóticas.
Diante desse cenário, Vieira faz uma pergunta que guia sua visão: “Qual o impacto que quero causar na saúde da população e dos nossos pacientes com a tecnologia que incorporo?”
É nesse contexto que os dados assumem papel transformador, permitem redistribuir conhecimento e responsabilidades na prática clínica.
Um dos pontos centrais da revolução digital é a capacidade de ampliar o acesso ao conhecimento. “Em um cenário orientado por dados, um generalista em uma região desprovida de recursos pode tomar uma decisão tão sensata quanto a de um especialista renomado em um grande hospital”, explica.
Esse movimento aproxima a resolutividade do paciente e exige competências que vão além da literacidade digital. Vieira é enfático: ética, empatia, humildade e curiosidade científica são atributos essenciais para transformar a frieza dos dados em mudanças reais de comportamento e melhoria na qualidade de vida.
Se os dados trazem oportunidades, também impõem novos dilemas. “Diferentemente de protocolos clínicos auditáveis, muitos sistemas de inteligência artificial operam como caixas-pretas, com bilhões de parâmetros de difícil compreensão até mesmo para especialistas”, observa.
Lidar com essa opacidade — conciliando inovação e segurança — se torna uma competência essencial para lideranças clínicas. Esses desafios tecnológicos ampliam a tensão entre inovação e segurança, um dilema central da saúde contemporânea.
A saúde vive um paradoxo: é a área que mais precisa de disrupção, mas também a que menos pode errar.
“Nossos pacientes muitas vezes não têm uma segunda chance diante de um erro. A incorporação de tecnologias deve ser orientada a problemas concretos, com supervisão rigorosa, até que haja confiança em seu desempenho”, reforça Vieira.
Para ele, a discussão não é se confiaremos ou não nas novas ferramentas, mas como garantir segurança em sua aplicação, diante da falta de frameworks universais e regulações claras que assegurem a qualidade dos algoritmos e protejam os pacientes.
O impacto da digitalização também pode ser entendido em perspectiva histórica. Vieira lembra que, já no início do século XX, o relatório Dawson, base para o sistema de saúde inglês, destacava a importância de integrar cuidado, propósito e informação. “Passado mais de um século, apenas agora vislumbramos soluções concretas para esse dilema”, pontua.
Vieira conta que a experiência do Hospital Santa Catarina reflete essa trajetória. Desde cedo, a instituição priorizou a solidez das bases de informação: codificação epidemiológica confiável, prontuário eletrônico robusto, governança clara de indicadores e uso de ferramentas de analytics e BI.
“Cada decisão baseada em evidências expõe fragilidades e abre espaço para ciclos contínuos de revisão e melhoria. É um processo que nunca se encerra”, afirma.
Se a tecnologia avança rapidamente, a gestão nem sempre acompanha o mesmo ritmo. O setor hospitalar ainda opera em um modo de sobrevivência, pressionado por verticalizações, disputas entre prestadores e operadoras, problemas de compliance, subfinanciamento e regulações rígidas.
Esse contexto leva gestores a decisões de curtíssimo prazo, mais voltadas a certezas imediatas do que a apostas transformadoras. “É um dos maiores obstáculos à incorporação tecnológica, porque a revolução digital ainda não pode oferecer todas as garantias que esse ambiente exige”, explica Vieira.
Apesar dos entraves, já é possível enxergar mudanças estruturais. Vieira observa que cirurgias robóticas permitem que profissionais com menos experiência alcancem resultados comparáveis aos de referências internacionais. Algoritmos de decisão podem levar tratamentos de segunda ou terceira linha para o nível primário da saúde.
“A tecnologia tem o potencial de nivelar competências entre profissionais e ampliar o acesso ao conhecimento clínico. Se isso se consolidar, estaremos diante de uma transformação profunda, não apenas técnica, mas também ética, cultural e organizacional”, avalia.