Croma Oncologia começa a operar com integração de dados e modelo de remuneração baseado em valor
29/09/2025

Dois anos de planejamento, R$ 678 milhões em aporte inicial e um diferencial ousado: adotar, desde o início, um modelo de remuneração baseado em bundles, que remunera a jornada completa do paciente oncológico em vez de cada procedimento isolado. Assim surgiu a Croma Oncologia, joint venture formada pela Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), Bradesco Saúde e Grupo Fleury. 

A operação começou em 2025 com três unidades em São Paulo — Lapa, Tatuapé e Morumbi — e uma no Rio de Janeiro, em Botafogo, que será inaugurada em breve. Até o momento, cerca de R$ 103 milhões já foram aplicados na estruturação do projeto, em tecnologia, processos e recursos humanos. 

“Nosso core é a gestão do tratamento. Queremos reduzir o tempo de acesso, mitigar desperdícios e oferecer uma experiência em que o paciente só precise se preocupar com a própria saúde, não com a burocracia”, afirma Cesar Franco, CEO da Croma Oncologia, em entrevista exclusiva ao Saúde Business

Rompendo a lógica do fee for service 

Se na assistência a palavra-chave é integração, na sustentabilidade o foco é previsibilidade. A Croma nasceu com a proposta de substituir o tradicional fee for service — modelo de remuneração em que cada exame ou procedimento é cobrado separadamente — por pacotes de cuidado, também chamados de bundles, que englobam toda a linha terapêutica. 

“Com os bundles, conseguimos reduzir burocracias, dar previsibilidade às fontes pagadoras e simplificar a vida do paciente. Ele não precisa ficar pedindo autorização a cada etapa, porque já está tudo contemplado no pacote”, esclarece o CEO. 

O modelo também envolve compartilhamento de risco. Exames complementares e possíveis complicações cirúrgicas, quando estatisticamente previstos, são absorvidos pela Croma e não repassados à operadora. “Se houver mais intercorrências do que o estimado, o risco é nosso. Isso exige informação de qualidade, mas dá fluidez ao tratamento”, afirma. 

Nos casos metastáticos, em que ainda não há dados suficientes para precificação de toda a jornada, a empresa adota pacotes parciais, evitando recorrer ao fee for service isolado. “Hoje, só aplicamos o modelo fee-for-service em casos metastáticos, porque ainda não temos dados para empacotar o tratamento. Mas já estamos pensando em alternativas”, explica Franco. 

O desafio de nascer integrada 

Ao contrário de outros players que crescem por fusões e aquisições, a Croma foi criada do zero. Isso trouxe vantagens — como a possibilidade de desenhar processos sem heranças estruturais —, mas também exigiu grande esforço para viabilizar a interoperabilidade entre empresas com culturas e tecnologias distintas. 

 

“Quando você precisa colocar integração na prática, percebe que os desafios são enormes: desde a escolha de tecnologia até a conformidade com a LGPD. Ganhamos ao poder inovar, mas o trabalho foi maior do que imaginávamos”, relata o CEO. 

Além da integração tecnológica, outro desafio foi repensar contratos. A lógica tradicional de credenciamento e tabelas de procedimentos não servia para um modelo baseado em jornada. Foi preciso redesenhar instrumentos jurídicos e comerciais para refletir esse conceito, o que demandou meses de negociação. 

A formação de equipe também foi estratégica. Hoje, a Croma conta com cerca de 80 profissionais, a maioria dedicada ao atendimento. O corpo clínico inclui oncologistas clínicos e cirúrgicos próprios, além de especialistas de referência externos. A marca dos sócios fundadores ajudou a atrair talentos experientes. “Ter BP, Fleury e Bradesco como acionistas dá segurança e credibilidade. Profissionais sentem que estão entrando em um projeto sólido e de longo prazo”, diz o CEO. 

O papel das empresas e a mudança cultural 

Um dos pontos destacados por Franco é a relevância das grandes empresas, que passaram a atuar como “advogadas” do modelo. Departamentos de saúde corporativa, criados para lidar com absenteísmo e custos crescentes, têm se mostrado aliados estratégicos. 

“Muitas empresas têm uma área de saúde mais preparada que algumas operadoras. Sabem exatamente o que acontece com cada colaborador e fazem benchmarking entre prestadores. Esse nível de conhecimento nos ajuda a mostrar o valor do modelo integrado”, diz o executivo. 

A relação com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também foi decisiva. Ao apresentar o projeto, a Croma ouviu que já havia previsão regulatória para a figura de “gestor de rede” — exatamente o papel que a joint venture pretende exercer. “Foi interessante perceber que a base normativa já existia, mas quase ninguém aplicava. Estamos dando vida a esse conceito”, afirma o executivo. 

Indústria farmacêutica e a lógica do “markup zero” 

Outro aspecto disruptivo do modelo é a relação com a indústria de medicamentos. A Croma não aplica margem sobre insumos: o preço pago ao fornecedor é o mesmo repassado à fonte pagadora. Descontos obtidos em negociações também são transferidos. 

“É uma prática para gerar confiança. Queremos ser remunerados pelo serviço, não pelo medicamento. No início, a indústria questionava a falta de escala. Mas, ao perceber que não trabalhamos com margens, alguns fornecedores já estão nos dando condições especiais, inclusive em projetos-piloto”, relata Franco. 

Essa abordagem pode alterar incentivos de mercado, estimulando maior transparência na formação de preços e alinhando interesses entre prestadores e financiadores. 

A tecnologia como facilitadora da jornada 

A navegação do paciente é sustentada por dois sistemas: o Tasy, da Philips, como prontuário eletrônico, e a solução da Tabia, que organiza agendamentos e fluxos administrativos. O diferencial, porém, está no uso do WhatsApp como principal canal. 

Desde a primeira consulta, o paciente recebe uma carteirinha digital que substitui o cartão do plano de saúde. Exames, autorizações e retornos passam a ser gerenciados diretamente pela equipe da Croma. Familiares autorizados também podem acompanhar o processo. 

“Optamos pelo WhatsApp porque é a ferramenta que o brasileiro mais usa. Queremos reduzir fricção e logística, principalmente para pacientes debilitados”, afirma Franco. 

Além disso, a empresa já iniciou testes de inteligência artificial para desburocratizar processos administrativos e facilitar a comunicação com fontes pagadoras. 

Modelo em construção e expectativas 

Nos primeiros meses de operação, cerca de dez pacientes foram atendidos — número ainda pequeno, mas que deve escalar a partir da entrada plena nos produtos da Bradesco Saúde e da ampliação de parcerias com operadoras e autogestões. 

Os relatos iniciais são positivos. “Tivemos pacientes que se surpreenderam ao sair da consulta já com exames e autorizações encaminhados. Para nós, isso deve ser o básico. O verdadeiro sucesso será quando, após dois ou três anos, o paciente puder dizer que só precisou se preocupar com a própria saúde”, projeta Franco. 

Para Franco, o grande teste da Croma não é apenas clínico ou financeiro, mas cultural. “O custo da saúde não vai cair, ele sempre sobe. O que podemos fazer é reduzir o ritmo desse crescimento. E isso só será possível se prestadores, operadoras, indústria e empresas trabalharem de forma integrada, com foco na jornada do paciente.” 

A ambição é que a Croma se consolide como um exemplo de “gestão de rede oncológica”. “E, se outros players também adotarem, melhor: isso oxigena o setor”, afirma Franco. Para o executivo, trata-se de uma experiência que dialogue tanto com a lógica da saúde suplementar quanto com princípios de coordenação próximos ao SUS. 

“Queremos provar que é possível executar esse modelo de forma sustentável. Só com dois ou três anos de operação teremos massa crítica suficiente para avaliar resultados, ajustar processos e confirmar o impacto real na sustentabilidade do sistema”, conclui. 

Expansão e integração regional 

Até o fim de 2025, a Croma pretende oferecer 20 linhas de cuidado oncológico para adultos, cobrindo cerca de 97% dos tipos de câncer. A entrada na oncologia pediátrica está prevista para 2026/2027. 

O plano de crescimento não passa pela construção de novas unidades próprias, mas pela integração de prestadores regionais ao modelo. “Nosso investimento deve se concentrar em tecnologia e aprimoramento clínico. O tijolo não é o foco”, afirma Franco. 

Para o CEO, o futuro da oncologia na saúde suplementar dependerá da capacidade de reduzir a curva de crescimento dos custos, mantendo qualidade e eficiência no atendimento. 





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