As políticas ESG (Environmental, Social and Governance) vêm sendo cada vez mais usadas para avaliar instituições não só pelos aspectos ambientais ou de governança, mas também pelo fator social.
No setor da saúde, a dimensão “S” envolve a gestão das relações das instituições de saúde com seus funcionários, pacientes, comunidades e demais stakeholders. Nesse cenário, as principais abordagens incluem: promoção da saúde e bem-estar das comunidades, bem-estar e valorização dos colaboradores, qualidade do atendimento e segurança dos pacientes.
Na área hospitalar, o Hospital Pequeno Príncipe busca democratizar o acesso à medicina de alta complexidade. Em 2024, 74% de todos os atendimentos foram realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A instituição possui diversas iniciativas que consolidam o impacto social do hospital. Ety Cristina Forte Carneiro, diretora-executiva, elenca algumas delas:
Entre as iniciativas recentes que ampliam o acesso à saúde e fortalecem a prevenção, destacam-se a Telepediatria, em parceria com secretarias municipais de saúde, que fortalece a atenção primária do SUS; o Telessaúde, que oferece teleconsultorias e monitoramento remoto a profissionais de outras instituições; e programas de educação e prevenção, como o Primeiríssima Infância, voltado à capacitação de cuidadores de crianças de 0 a 3 anos, e o HPP nas Escolas, focado em segurança e promoção da saúde.
Ety destaca que o hospital também mantém canais estruturados de diálogo com pacientes, famílias e colaboradores, reforçando a cultura de escuta ativa. O programa Voz do Paciente, criado em 2023, coleta relatos presenciais e on-line para fortalecer o cuidado centrado na pessoa. Internamente, o Canal de Escuta e a Central de Atendimento ao Colaborador (CAC PP) acolhem manifestações de forma anônima e digital, enquanto as Rodas de Conversa promovem integração entre equipes, estimulando pertencimento e corresponsabilidade.
Para medir o resultado de suas iniciativas, o Pequeno Príncipe adota uma abordagem integrada que combina indicadores assistenciais, de experiência do paciente, engajamento comunitário e reconhecimento institucional. Net Promoter Score (NPS), tempos de espera e densidade de reclamações funcionam como referências estratégicas para aprimorar práticas, fortalecer programas e embasar decisões voltadas à humanização e ampliação do cuidado.
Ety conta que, em 2024, o hospital alcançou NPS de 92,91%, superando a meta de 83,3%, e reduziu a densidade de reclamações de 1,5 para 1,1 por mil pacientes.
O Pequeno Príncipe atende crianças de todo o país, mas o equilíbrio financeiro é desafiador. Atualmente, o hospital conta com o apoio de 334 empresas e 4.120 doadores.
“Em 2024, o déficit de R$ 43 milhões foi compensado por doações e parcerias estratégicas. Cerca de 17,6% da receita bruta do Complexo Pequeno Príncipe veio da sociedade civil — recursos financeiros, doações de medicamentos e alimentos, patrocínios e investimentos de governos. Esses aportes permitiram cobrir o déficit assistencial e investir em pesquisas, equipamentos e infraestrutura.”
O hospital também participa de redes colaborativas como o Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif), do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (Confoco) e de conselhos de direitos da criança, reforçando a governança compartilhada.
Em busca de reforçar sua sustentabilidade, a instituição criou o Futurin — Funds for Life, fundo patrimonial voltado à perenidade financeira e social.
“Para os próximos anos, o foco é consolidar a sustentabilidade institucional em múltiplas dimensões — financeira, ambiental e social — com metas como: ampliação da telemedicina e programas de prevenção, conclusão do hospital-dia do Pequeno Príncipe Norte e investimentos contínuos em tecnologia e digitalização hospitalar.”
“A dimensão social está no centro da atuação do Sistema Unimed. Em 2024, cerca de 200 cooperativas investiram R$ 102 milhões em ações socioambientais em todo o país, voltadas à responsabilidade social, capacitação profissional, cultura, esporte, meio ambiente e promoção da saúde”, diz Omar Abujamra Junior, presidente da Unimed do Brasil.
Esses recursos sustentam programas como o Movimento Mude1Hábito, que incentiva estilos de vida mais saudáveis, e políticas de diversidade e inclusão, refletidas na criação de mais de 7 mil novos empregos diretos em 2024 — um crescimento de 27,5% em relação a 2023. “Hoje, 76% dos 130 mil postos de trabalho nas cooperativas participantes são ocupados por mulheres, demonstrando compromisso com a equidade de gênero.”
Na formação profissional, foram investidos mais de R$ 84 milhões na capacitação de médicos e colaboradores em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), além da inserção de mais de 4 mil jovens em programas de estágio e aprendizagem.
“Todas essas iniciativas estão alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), e as melhores práticas são reconhecidas pelo Selo ESG Unimed, que fortalece a cultura de responsabilidade em todo o Sistema”, pontua Abujamra.
As cooperativas também mantêm parcerias com municípios e secretarias de saúde para ampliar o acesso à medicina de qualidade, sobretudo em regiões vulneráveis.
O impacto dessas ações é medido por meio do Balanço Social da Unimed do Brasil, que consolida indicadores econômicos, sociais e ambientais de 200 cooperativas. Em 2024, 16 cooperativas Unimed figuraram entre as 18 operadoras médico-hospitalares com nota máxima no Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS) da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e 82 foram classificadas na faixa de excelência.
“Os programas sociais e de prevenção são financiados majoritariamente com recursos próprios. Em 2024, o Sistema movimentou R$ 96 bilhões em serviços de saúde privados e R$ 102 milhões em investimentos socioambientais, além de colaborações com Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e órgãos públicos que potencializam o alcance das ações.”
Na avaliação de Abujamra, os benefícios são amplos e compartilhados, refletindo em diferentes dimensões e beneficiando públicos diversos. “As comunidades têm acesso ampliado a iniciativas de promoção da saúde, educação, capacitação profissional, diversidade e inclusão, o que contribui para o fortalecimento social e econômico dos territórios onde a marca atua. Os pacientes percebem ganhos diretos na qualidade de vida, com a redução de internações evitáveis e o estímulo a hábitos mais saudáveis.”
O setor público também é beneficiado, na medida em que as ações de promoção e prevenção colaboram para desafogar o sistema de saúde e reduzir a demanda por atendimentos de alta complexidade. “Já o próprio Sistema Unimed reforça sua eficiência e capacidade assistencial, com 665 milhões de eventos assistenciais realizados em 2024, entre consultas, exames, internações e outros procedimentos.”
Para os próximos anos, a instituição projeta novas frentes de impacto, voltadas à saúde digital, economia verde e transição energética, conectando inovação, sustentabilidade e propósito social. “Assim, o cooperativismo médico se consolida como um dos pilares mais relevantes da sustentabilidade no ecossistema de saúde brasileiro, transformando investimento social em valor compartilhado para toda a sociedade.”
A dimensão social do ESG não pode ser vista como acessória para instituições de saúde: ela integra diretamente missão, operações, reputação, sustentabilidade financeira e compliance. Quando bem endereçada, traz impactos positivos — melhor qualidade de cuidado, maior equidade, equipes mais engajadas, comunidades mais saudáveis, maior confiança dos pacientes e parceiros.
Por outro lado, negligenciá-la pode acarretar riscos: reputação debilitada, maior rotatividade de colaboradores, menor eficiência operacional, dificuldade de atração de capital ou parcerias, e até impacto adverso na qualidade de atendimento.
“A inclusão da estratégia ESG é uma questão muito particular de cada empresa. Aquelas que escolhem a estratégia ESG se beneficiarão do acesso ao capital de impacto, além de dirimirem questões sociais e ambientais”, analisa Alexandre Furtado, professor do MBA em Saúde da Fundação Getulio Vargas.
Na visão de Furtado, há grandes oportunidades sociais para empresas privadas de saúde, como as parcerias público-privadas para coordenar programas de equidade e prevenção de saúde. “Basta ter a capacidade de oferecer esse tipo de serviço, o que acredito que muitos hospitais privados que já possuem SUS poderiam realizar com excelência, ou até mesmo operadoras de saúde. Existe um nicho interessante de modelo de negócio da saúde que vem com a pegada social do ESG.”
Mas Furtado destaca que as empresas do setor que não perceberem esse tipo de modelo de negócio, que é alavancado pelo social, acabarão perdendo a relevância na rede de atenção.
Quando se fala de risco reputacional, o especialista avalia que as empresas ainda estão situadas na seara da obrigatoriedade regulatória, onde o seu não atendimento por falta de transparência gerará multas e outras punições por parte dos órgãos reguladores, o que gera, na mesma amplitude, a perda de reputação.
“Essa perda reputacional se agravará ainda mais com a vinda das novas normas de sustentabilidade sob o padrão do International Financial Reporting Standards (IFRS), as IFRS S1 e S2, que tratam das obrigatoriedades de divulgação das informações de ESG aos investidores que companhias abertas, bancos e seguradoras do setor de saúde terão que atender a partir de 2026.”
As normas internacionais de sustentabilidade determinam que as empresas divulguem não apenas os riscos, mas também as oportunidades ligadas ao ESG, refletindo uma mudança estrutural nas finanças corporativas.
“Essa transformação tem origem no modelo de “cap and trade” (limite e compensação) — base das finanças sustentáveis — criado nos Estados Unidos no fim dos anos 1980. O sistema surgiu para combater as chuvas ácidas causadas por emissões industriais: as empresas poluidoras eram cobradas, enquanto as que reduziam emissões recebiam incentivos.”
O princípio é simples: governos impõem metas e penalidades a quem polui e oferecem incentivos a quem investe em sustentabilidade. Com isso, a sustentabilidade deixou de ser vista como um custo regulatório e passou a representar uma vantagem competitiva.
“No setor de saúde, essa mudança é clara: instituições que incorporam práticas ESG têm acesso tanto a financiamentos mais baratos quanto a gerar ganhos com créditos de carbono, por exemplo. As empresas estão percebendo que a sustentabilidade é hoje uma exigência estratégica, principalmente, para ter acesso a um capital mais barato para financiar suas operações”, diz Furtado.
O impacto social no setor de saúde deixou de ser apenas uma ação filantrópica para se tornar um investimento estratégico. Iniciativas como as do Hospital Pequeno Príncipe e do Sistema Unimed demonstram que programas de equidade, prevenção e educação produzem resultados concretos para pacientes, comunidades, colaboradores e o sistema de saúde como um todo.
Além disso, a adoção de práticas ESG gera vantagens financeiras e estratégicas. Por outro lado, negligenciar a dimensão social implica riscos significativos: perda de reputação, dificuldade em atrair capital ou parcerias, menor engajamento de equipes e impacto negativo na qualidade do cuidado.