Quando os medicamentos param de funcionar: uma crise que mata
18/11/2025

Estamos diante de um dos maiores riscos à saúde global e também à nossa realidade local: a resistência aos antimicrobianos (RAM). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019 as bactérias resistentes foram responsáveis diretas por cerca de 1,27 milhão de mortes e contribuíram para quase 5 milhões de óbitos em todo o mundo.

Apesar desses números alarmantes, o enfrentamento do problema ainda apresenta graves lacunas. Prescrições padronizadas, escassez de laboratórios de microbiologia, produção de carne com uso indiscriminado de antimicrobianos e o saneamento precário compõem um cenário em que os medicamentos que salvam vidas hoje podem não funcionar amanhã.

Nos hospitais e unidades de saúde, a cultura do uso rápido e generalista de antibióticos permanece enraizada. Diagnósticos imprecisos ou tardios resultam em tratamentos ineficazes quando o micro-organismo já apresenta resistência. Fora do ambiente hospitalar, o uso de antimicrobianos na criação de animais e a falta de medidas básicas de prevenção — como higiene, vacinação e controle de infecções — agravam ainda mais a crise.

As consequências não são apenas sanitárias. O Banco Mundial estima que, sem ações efetivas, a RAM poderá consumir até 3,8% do PIB mundial e empurrar milhões de pessoas para a pobreza.

O que se exige agora é ação coordenada

Primeiro: responsabilidade sistemática no uso de antimicrobianos — profissionais de saúde, gestores públicos e privados, produtores e a comunidade devem prescrever, dispensar e usar esses medicamentos com critério e monitoramento contínuo.

Segundo: transparência e vigilância. Unidades de saúde precisam divulgar indicadores de consumo e resistência (antibiogramas locais), além de taxas de infecção associadas a dispositivos e o tempo até a terapia efetiva quando a resistência é identificada.

Terceiro: prevenção. Higiene das mãos, vacinação, saneamento, diagnóstico rápido e programas de stewardship com auditoria e feedback reduzem infecções — e, consequentemente, a necessidade de antibióticos.

A resistência aos antimicrobianos está corroendo silenciosamente uma das maiores conquistas da medicina moderna. Se nada mudar, o que hoje é rotina — uma cirurgia, um parto, um tratamento oncológico — voltará a ser arriscado. Os antibióticos, que já salvaram milhões, podem se tornar inúteis diante de infecções banais.


*Mara Machado é CEO do IQG (Instituto Qualisa de Gestão).





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