A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a Embrapa a conduzir pesquisas com a cannabis em um movimento considerado decisivo para destravar a regulamentação do cultivo no Brasil. A liberação, aguardada há um ano pela instituição, permite estudos exclusivamente medicinais e científicos, sem possibilidade de comercialização.
A decisão ocorre no mesmo momento em que a agência abriu o edital de chamamento nº 23/2025, que recebe até 12 de dezembro evidências científicas já publicadas sobre cultivo de Cannabis. O material servirá de base para a primeira norma brasileira sobre cultivo medicinal e farmacêutico, uma demanda histórica de pesquisadores, entidades e pacientes, além de uma obrigação imposta pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Embrapa iniciará três linhas de pesquisa
Com a autorização, a Embrapa iniciará três linhas de pesquisa: a conservação do material genético da Cannabis sativa para criar uma base inédita sobre a planta no Brasil; o desenvolvimento de tecnologias para a cannabis medicinal, com foco no canabidiol (CBD); e o pré-melhoramento do cânhamo, subespécie da cannabis com potencial econômico para a produção de fibras e sementes.
Antes de iniciar as atividades, a instituição passará por inspeção da Anvisa para verificar se todos os protocolos de segurança, rastreabilidade e controle de risco estão adequados. Segundo a Embrapa, o interesse mundial na cannabis cresce devido à sua relevância econômica, social e medicinal. No Brasil, o mercado de cannabis medicinal deve movimentar R$ 1 bilhão até o fim do ano, segundo dados da própria entidade.
Associações já sustentam parte expressiva da produção científica brasileira
Enquanto a Embrapa comemora o avanço institucional, pesquisadores apontam que uma parcela significativa da ciência brasileira sobre cannabis já nasce há anos dentro das universidades frequentemente apoiada por associações de pacientes.
Entre elas, a Santa Cannabis de Florianópolis em Santa Catarina, tornou-se uma das principais articuladoras de pesquisa no país. A associação divulgou um novo levantamento com 32 estudos nacionais em diferentes estágios, desenvolvidos em parceria com UFSC, UFPR, UNILA, USP, UNESP, UDESC, UNISUL, UNOESTE, UNESC e UFLA.
Os estudos contemplam desde ensaios clínicos até pesquisas agronômicas, análises fitoquímicas, investigações sociais e modelos experimentais. A associação fornece extratos, mudas, flores, materiais de cultivo, dados clínicos e suporte técnico insumos fundamentais para que pesquisas avancem mesmo sem regulamentação de cultivo no país.
O Brasil não está começando do zero
Para a farmacêutica e responsável técnica da Santa Cannabis, Gabriela Kreffta, o conjunto de pesquisas apoiadas pela associação evidencia que o país já tem base científica sólida para avançar com a regulação.
“A quantidade e a qualidade das pesquisas que apoiamos mostram que o Brasil não está começando do zero. Há rigor, dados e ciência robusta sendo produzida aqui. O que falta é transformar esse conhecimento em políticas públicas que assegurem cultivo nacional, qualidade farmacêutica e acesso seguro aos pacientes.”
A entidade vê o chamamento da Anvisa como um esforço positivo para organizar a produção científica já existente, mas reforça que a construção desse conhecimento não começa agora. O presidente da associação, Pedro Sabaciauskis, afirma que a ciência brasileira sobre a cannabis avançou apesar da ausência de uma norma definitiva.
“Mesmo sem uma norma clara para o cultivo, conseguimos apoiar mais de 32 pesquisas sérias em universidades de todo o país. Isso prova que o Brasil já tem evidências sólidas sobre Cannabis. As associações têm sido fundamentais para que esses estudos avancem, oferecendo insumos, dados e suporte técnico. Seguimos à disposição da comunidade científica e da Anvisa para contribuir com essa construção.”
Panorama das mais de 30 pesquisas apoiadas pela Santa Cannabis
Pesquisas em andamento – 14 estudos
Pesquisas iniciando – 17 estudos
Pesquisas finalizadas – 3 estudos