Estamos bem ou mal?
Revista Exame
10/04/2013

O Brasil está bem ou mal?

O paradoxo do Brasil de hoje: o emprego e o consumo nunca foram tão altos, mas o investimento está lento e o crescimento não empolga. Como explicar essa dualidade — e o que fazer para a economia deslanchar

Humberto Maia JúniorPatrick Cruz e Patrícia Ikeda, de 

Fábrica da Mangels, no ABC paulista

Últimos dias: por falta de competitividade, a fábrica da Mangels, no ABC paulista, será fechada

São Paulo - Jano era o deus de duas faces da mitologia romana. Uma face olhava para o passado, e a outra, para o futuro. Quando uma mentia, a outra dizia a verdade — e, assim, um interlocutor jamais obtinha uma resposta assertiva para perguntas como: afinal, estou certo ou errado?

Por séculos, Jano foi uma figura popular na cunhagem de moedas de bronze — que, como ele, têm dois lados. E é até hoje invocado para designar situações ambíguas, em que as dúvidas se sobrepõem às certezas. É exatamente assim o Brasil de hoje.

Por um lado, boas notícias não nos faltam. O país chegou ao patamar invejável das economias com pleno emprego. Aproximadamente 35 milhões de pessoas ascenderam ao mercado consumidor desde 2003. Regiões mais atrasadas finalmente parecem ter saído da letargia.

É a face do Brasil que dá certo. Mas há outro lado da moeda que causa preocupação crescente. Em 2012, a produção industrial e o investimento minguaram. E o crescimento do PIB nos últimos dois anos perdeu gás — crescemos apenas 0,9% em 2012.

Neste ano, a economia começa a retomar o crescimento, mas ainda de forma tímida e desigual — a média das previsões é de uma expansão de 3% em 2013. Diante desse quadro, a pergunta é inevitável: estamos mais para o Brasil do pleno emprego ou o da quase estagnação? Afinal, vamos bem ou mal?

A face feliz do Brasil é frequentemente exaltada nos pronunciamentos oficiais. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff reafirmou a melhora da distribuição de renda, o desemprego baixo e o resgate de 20 milhões de pessoas da extrema pobreza.

Metade da população brasileira está hoje na classe média e pode se entregar a desejos antes represados, como a compra de uma TV de alta definição, um pacote de férias ou uma refeição fora de casa.

É comum as empresas nesses mercados apresentarem números de deixar chineses com inveja. Foi assim com a International Meal Company, dona de redes de restaurantes como Viena e Frango Assado. Sua receita aumentou 30% em 2012. “Foi o melhor ano de nossa história”, diz Neil Amereno, diretor de relações com investidores da IMC. O setor de serviços, no qual a IMC atua, cresce à média de 3,5% ao ano desde 2005.

Mas uma parcela crescente do país não se identifica com esse Brasil sorridente. A infraestrutura em frangalhos, a carga de tributos acachapante, a burocracia paralisante e a educação de terceiro mundo seguem como inimigos do crescimento de muitos setores, em especial da indústria de transformação — o setor teve retração de 2,5% em 2012.

As análises recentes mostram que, como consequência da combinação perversa, essa porção do país padece de uma anemia comum: a falta de produtividade. O conceito é mais abstrato — e, portanto, bem menos compreensível para o brasileiro médio — do que ter emprego ou não. Mas ele é crucial para o Brasil. “O crescimento sustentável depende de mais produtividade”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central.

Corrida de obstáculos 

Um estudo dos economistas Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Samuel Pessoa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, ajuda a desvendar o aparente paradoxo.

O texto faz relação entre a produtividade e o avanço dos setores que, há dez anos, sustentam o crescimento e a geração de emprego. Lisboa e Pessoa mostram que reformas feitas nos anos 90 e leis específicas criadas no início da década passada produziram um ganho de eficiência que se fez sentir especialmente no ramo de serviços.

Isso ocorreu no comércio e na área financeira, atingindo desde o mercado de capitais até a concessão de crédito ao consumidor. Primeiro o país logrou estabilizar a moeda, com o Plano Real. A partir de 2003, o crédito se popularizou graças à criação do empréstimo consignado e de outras reformas.

Em dezembro de 2005, a taxa de juro do crédito pessoal era de 5,3% ao mês. A do consignado era de 2,7%. Hoje, o crédito pessoal custa 3,4% ao mês, e o consignado, 1,7%. No período, o volume de crédito cresceu 150%. E isso gerou a alegria do consumidor que perdura até hoje.

Já a indústria teve dificuldade em obter ganhos de produtividade. Muito mais que os serviços, o setor industrial depende de boas estradas, portos, oferta de energia. Nessas áreas, o Brasil continuou padecendo de falta de regras claras, demora na liberação de licenças ambientais e barreiras ao investimento privado, entre outros percalços.

“As dificuldades cresceram nos últimos anos, sobretudo para a realização de investimentos mais complexos”, diz Lisboa. Grandes obras de infraestrutura costumam levar anos até vencer a verdadeira corrida de obstáculos ambientais e burocráticos para sair do papel. Resultado: na indústria, a produtividade do trabalhador brasileiro caiu 10% de 2003 a 2009.

 

A baixa produtividade explica em parte o fato de setores que levaram 46 bilhões de reais em benesses tributárias no ano passado crescerem pouco ou até encolherem. A indústria têxtil foi uma das beneficiadas por bondades despejadas pelo governo nos últimos dois anos — como a desoneração da folha de pagamentos, concedida em 2012.

Essa e outras iniciativas, como a desvalorização do real, deveriam ter ajudado a contrabalançar os problemas do setor, abatido pela concorrência de artigos importados da China. Mas não foi o que ocorreu. A fabricação de tecidos caiu 4,6% no ano, e a de roupas, 10%, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil.

Entre empregos diretos e indiretos, foram cortados 130?000 postos — ou quase 10% da força de trabalho do setor. “Não crescemos em 2012. A desoneração foi importante e o juro caiu,  mas essas medidas ainda são insuficientes”, diz Aguinaldo Diniz, presidente da Cedro Têxtil e também presidente da Abit.

O baixo crescimento do mundo nos últimos quatro anos fez subir os estoques de bens industriais — e esses produtos começaram a ser desovados no aquecido mercado de consumo brasileiro. É o que ajuda a explicar casos como o da metalúrgica Mangels. Ela é fornecedora do setor automotivo, o campeão em receber estímulos do governo — foram 11 medidas desde 2011.

Ainda assim, a empresa decidiu fechar sua unidade de serviços de aço localizada em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, responsável por um quarto de seus negócios. Os 380 empregados da fábrica começaram a ser demitidos em 28 de fevereiro.

“A carga fiscal excessiva, a falta de projetos de longo prazo e a logística precária tiram a nossa competitividade”, diz Robert Mangels, presidente da Mangels. A empresa teve prejuízo de 25 milhões de reais nos nove primeiros meses de 2012. O fechamento da fábrica é uma tentativa de reduzir dívidas, cortar custos e recuperar a rentabilidade.

E agora?

Os problemas que sufocam parte da indústria suscitam a questão: até que ponto poderá coexistir o país que vai bem com o que vai mal? O Brasil é hoje mais rico do que jamais foi. Essa guinada ganhou força no fim dos anos 90, com a adoção do tripé sobre o qual a política econômica brasileira se sustenta — superávit primário das contas públicas, câmbio flutuante e meta de inflação.

 

Essa combinação de políticas foi o ponto de partida para o segundo avanço, ocorrido no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa fase, passaram a ser concedidos aumentos reais do salário-mínimo, e o programa de transferência de renda Bolsa Família em dez anos injetou 100 bilhões de reais na economia. Mas não há bem que dure para sempre.

“A médio prazo, o que faz a diferença é o crescimento econômico. Sem ele, não há programa social que dê conta”, diz Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

Mesmo empresas que aproveitaram a onda de consumo veem a luz amarela quando projetam o futuro. A fabricante de tubos plásticos Amanco, que cresceu em média 11% ao ano desde 2006, espera expansão bem mais modesta nos próximos anos — cerca de 1,5 ponto percentual acima da variação do PIB.

“Já passamos pelo crescimento baseado na aceleração da renda”, diz Maurício Harger, vice-presidente do Grupo Mexichem, dono da marca Amanco. “Continuamos otimistas, mas a expansão agora vai ser menor.”

A empresa planeja investir 100 milhões de dólares até 2015 para aumentar a produtividade das fábricas. O que motiva os investimentos é o custo da mão de obra — só no ano passado, os salários de operários da montagem subiram 30%. “A continuar assim, chegaremos a um ponto em que nem governo nem setor privado vão conseguir bancar novos aumentos”, diz José Roberto Mendonça de Barros, economista da MB Associados.

Sem falar na pressão de custos sobre a taxa de inflação, que já anda acima de 6% ao ano. Em parte, ela é combatida com medidas que criam distorções, como o controle de preços dos combustíveis. O recente corte de impostos de produtos da cesta básica é de efeito duvidoso e pode funcionar como mais um estímulo ao consumo.

“A cada crise, a tentação dos governos é adotar medidas de curto prazo, mas é preciso olhar à frente”, diz Werner Baer,­ economista da Universidade de Illinois e autor do livro The Brazilian Economy, Growth and Development.

Alguns movimentos de espectro mais amplo alimentam a esperança de que isso tenha começado. A série de concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos para a iniciativa privada, anunciada no ano passado, foi o mais notório deles.

A recente revisão das condições oferecidas aos investidores, permitindo que o retorno do capital saia da faixa de 5% para 10% a 15% ao ano, é outro alento. Os cerca de 40 economistas, empresários e executivos ouvidos por EXAME concordam que o Brasil não está às portas de perder os ganhos da última década.

“Quando olhamos para a frente, vemos motivos para manter o otimismo, entre eles o tamanho do mercado interno e os projetos de infraestrutura”, afirma Jua­rez Lopes de Araújo, presidente da consultoria Deloitte. “Mas o otimismo é garantido só para os próximos dois ou três anos.” Para que o futuro continue a ser promissor, é vital uma agenda de novas reformas.

No longo prazo, as escolhas do Brasil de agora significarão a diferença entre ser uma nação mais velha, porém rica, ou ser uma sociedade envelhecida e ainda lutando para deixar a condição de emergente.

“O risco é o país ficar limitado a perseguir um projeto mais modesto do que o que poderia de fato realizar”, diz José Alexandre Scheinkman, professor de economia na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Ainda é tempo de optar pelo melhor.





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