Planos de saúde vão processar ‘máfia das próteses’ na Justiça dos EUA
14/09/2016

Justiça. Pelo esquema, médicos e hospitais recebiam comissões dos fabricantes de dispositivos para usar produtos de suas marcas nas cirurgias feitas. Em alguns casos, doentes foram operados sem necessidade; ação criminosa teria causado prejuízo de R$ 3 bilhões.
Por Fabiana Cambricoli

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) entrou com ação na Justiça dos Estados Unidos contra oito empresas americanas que têm filiais no Brasil envolvidas na chamada máfia das órteses e próteses. Pelo esquema, médicos e hospitais recebiam comissões dos fabricantes de dispositivos médicos para usar produtos de determinada marca nas cirurgias feitas em seus pacientes. Em alguns casos, doentes foram operados sem necessidade.
Na ação, as operadoras pedem indenização pelos custos indevidos provocados pela máfia e propõem um acordo para que a matriz adote regras mais rígidas para coibir tais práticas entre suas subsidiárias. Nesta semana, a diretoria da Abramge viajou para os Estados Unidos para iniciar a abertura dos processos. Como cada empresa tem sede em um Estado americano diferente, serão oito ações. Em cada uma delas, a Abramge pedirá uma indenização de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões.
“Por ter regras mais rígidas de compliance, a legislação americana não perdoa que as empresas subsidiárias americanas em outros países pratiquem essas ações criminosas. A grande dificuldade que nós tínhamos era mostrar que a matriz nos Estados Unidos sabia que a filial no Brasil estava pagando propina para médico e para hospital. Buscamos as provas e vimos que todas sabiam que suas subsidiárias estavam tendo um aumento de receita porque faziam essas práticas”, diz Pedro Ramos, diretor da Abramge, que não quis revelar o nome das empresas processadas.

Ele afirma que o maior objetivo da ação não é o ressarcimento econômico, uma vez que o valor somado das indenizações não cobre o prejuízo de R$ 3 bilhões causado pela máfia. “O escopo dessa ação não é financeiro, é provocar uma mudança de postura”, afirma Ramos.
Superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), Paulo Henrique Fraccaro afirma que a ação movida pela Abramge é positiva para o setor. “As empresas que agiram de forma errada terão de arcar com as consequências, mas a mudança de postura precisa acontecer em todas as esferas. As regras de compliance serão uma ferramenta importante para que as concorrências sejam mais iguais. As empresas que não se adequarem a isso estão fadadas ao fracasso”, diz ele.
Sequelas. Enquanto as operadoras buscam acabar com o esquema fraudulento, pacientes prejudicados pela máfia ainda esperam a responsabilização dos médicos.

Há dois anos, a secretária executiva Daniela de Castro Nichele, de 42 anos, perdeu os movimentos dos pés e passou a andar com dificuldades, por causa da demora na realização de uma cirurgia por um ortopedista de Porto Alegre investigado por suposta participação no esquema. Em 2014, ela teve uma crise de hérnia de disco e foi internada, mas o médico só aceitou operá-la se fossem utilizados parafusos importados.
“Ele disse que os parafusos nacionais não prestavam e me indicou uma advogada para entrar na Justiça e obrigar meu plano de saúde a pagar os importados. Com isso, minha operação demorou cinco meses para acontecer”, conta ela.

“Nesse meio tempo, o plano de saúde entrou em contato comigo e disse que aquele médico estava sendo investigado. Me passaram para outro cirurgião e ele me operou com material nacional e deu tudo certo. O problema é que, como demorou demais, minha hérnia começou a comprimir minha medula e meu nervo ciático e eu fiquei com essas sequelas”, diz.
Ela entrou com ação na Justiça contra o médico, mas, enquanto a investigação está em andamento, o profissional continua atuando. “Ele já devia estar preso porque prejudicou muita gente”, afirma Daniela.
Faturamento:

R$ 6 bilhões, foi o valor movimentado pelo setor de implantes médicos no País em 2015, conforme estimativa da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo). Desse montante, R$ 4,5 bilhões foram gastos com a compra de produtos importados.
Empresas

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) representa mais de 100 operadoras. Juntas, elas atendem cerca de 20 milhões de beneficiários de planos médicos e odontológicos.
*Análise: Edmond Barras

Paciente é quem arca com as piores consequências

Vários estudos no Brasil e no exterior já mostraram que parte das cirurgias feitas todos os dias não é necessária. Entre 2011 e 2015, uma parceria entre a Bradesco Saúde e o Hospital Israelita Albert Einstein buscou avaliar a real necessidade de intervenção cirúrgica em 2,8 mil pacientes com problemas na coluna que receberam essa recomendação médica.
Todos os casos que chegavam até a operadora eram encaminhados para uma comissão médica para uma segunda opinião. Em 58% dos casos, a comissão chegou à conclusão de que a operação era desnecessária porque o problema poderia ser solucionado com tratamento clínico. Se tivessem sido realizadas, essas 2,8 mil cirurgias custariam R$ 134 milhões. Separados apenas os pacientes que realmente precisavam, a despesa foi de R$ 32 milhões, uma economia de mais de R$ 100 milhões.
Muito além da questão econômica, é o paciente quem costuma arcar com as piores consequências de uma cirurgia feita sem necessidade. Por melhor que seja a técnica, se uma operação é feita de forma desnecessária, o resultado será ruim. O paciente fica sujeito à piora do quadro clínico, maiores dores, incapacidade, além de infecções e riscos inerentes a qualquer procedimento cirúrgico. Acredito que as federações que congregam as operadoras de planos de saúde, os hospitais privados e as sociedades médicas deveriam se unir para estabelecer diretrizes sérias de conduta pensando sempre no melhor para os seus clientes e pacientes.
* Edmond Barras – É CIRURGIÃO DE COLUNA DO HOSPITAL BENEFICÊNCIA PORTUGUESA.

Fonte: Abramge




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