Saúde e política
30/08/2017
As definições mais comuns de política envolvem conceitos como a ciência da governança de um Estado ou nação e a arte de negociação para compatibilizar interesses. Governança é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções (Banco Mundial).

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988 trouxe como princípios da política de saúde brasileira, entre outros, definidos na Constituição, a universalidade, a integralidade, e a igualdade no acesso às ações e serviços de saúde de saúde, bem como a descentralização, com ênfase na municipalização, em sua execução.

No entanto, a consecução destes princípios gerais exige grande conjunto de (sub) políticas setoriais de saúde, além de composições com outras políticas externas à saúde.

A partir das necessidades ou dos desejos dos cidadãos e de agentes públicos, devem ser planejadas e desenvolvidas com base em critérios técnicos, administrativos e financeiros, por meio de programas, serviços e unidades para atingir metas planejadas. O adequado acompanhamento com estudos de custos e de benefícios pode medir a efetividade, eficácia e eficiência destas atividades, corrigindo rumos e evitando o sangramento do erário e, pior, a insatisfação das comunidades.

Exemplos indicam a complexidade deste planejamento. Análise da base geográfica e demográfica no Estado de São Paulo, com 43.359.005 habitantes em 2016, demonstra que 80% dos 645 municípios possuem menos de 50 mil habitantes, totalizando 16% da população do Estado. Constata-se que 73% da população está concentrada em cinco regiões metropolitanas e dois aglomerados urbanos. Ambas as situações tem implicações na provisão de saúde. A cobertura do sistema privado de saúde suplementar no Estado atinge por volta de 42% da população, devendo ser levado em conta no planejamento.

Busca no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde, evidencia que 301 municípios não possuem leitos hospitalares instalados e certamente não teriam escala e profissionais para possuir hospitais. Consulta ao Conselho Regional de Medicina demonstra que 125 deles não possuem médicos residentes (isto não afasta a possibilidade de existir profissional trabalhando no município, sem nele residir).

Outros municípios possuem hospitais de pequeno porte, abaixo de 50 leitos, cuja ocupação situa-se na faixa dos 34%, ou seja, atendendo doenças simples ou internando pacientes por condições sensíveis à atenção básica/Estratégia de Programa de Saúde da Família (em torno de 15% das internações). Alguns realizam um a dois partos por mês, inviabilizando custos e qualidade do atendimento.

Limitações tecnológicas, administrativas e de pessoal são evidentes. A diluição do financiamento público e privado (custeio e investimento) impede a qualidade e produtividade da atenção, aumentando os custos. Há no Estado, algo em torno de 20 mil leitos ociosos, enquanto faltam leitos para atender alta complexidade. Um hospital médio, de cerca de 200 leitos, gasta pelo menos R$ 130 milhões/ano e uma unidade básica de saúde de bom tamanho, cerca de R$ 3,6 milhões/ano, indicando a importância de se planejar melhor.

Nestes municípios, com população idosa crescente, problemas sociais e de saúde se somam e somente com a integração das políticas de saúde com as de outras áreas (como bem estar social), será possível evitar longas internações de idosos em hospitais de forma pouco criteriosa, ocupando vagas mais úteis para tratamento de outros tipos de problemas, sem prover atenção adequada às suas necessidades específicas de saúde e muitas vezes complicando-as (as infecções hospitalares são causa de morte em idosos).

Políticas que contemplem o estabelecimento de redes assistenciais (vários tipos de unidades de saúde), criação de consórcios de saúde (hoje existem 17 no Estado de São Paulo, sem expressividade), transporte sanitário de qualidade, são parte das soluções. A existência de políticas públicas de investimento, principalmente na área hospitalar, evitando duplicação de esforços entre entes da federação é fundamental para a sustentabilidade do sistema em longo prazo. Ênfase na Política de Recursos Humanos, adequação do perfil do profissional de saúde, merece diálogo com quem faz assistência, pesquisa e ensino. Áreas como as vigilâncias de saúde merecem carreiras de Estado, garantindo segurança aos agentes.

A interação com áreas econômicas, sociais, ciência e tecnologia, justiça, legislativo, transporte, segurança, meio ambiente, mercado de saúde (instituições públicas e privadas que visam ou não o lucro), e com comunidades cujo comportamento individual e coletivo influi na relação saúde-doença, cooperam na elaboração e condução das políticas de saúde.

A evolução científica e tecnológica traz inovações com incorporação de materiais, medicamentos, drogas, comunicação, tele saúde, logística, ferramentas administrativas, que fazem repensar as políticas, propiciando revisão de processos, novas formas de atendimento e facilitando o acesso e terapias.

A parceria com o setor privado deve ser estimulada, exemplificando com o êxito das organizações sociais de saúde no Estado de São Paulo. Investimento em sistema de informação efetivo para monitoramento e consequente transparência dos resultados do sistema é relevante.

Sendo a política de saúde desenvolvida em três esferas de governo totalmente autônomas, é preciso evitar consequências danosas quando partidos e políticos de diferentes ideologias assumem e se digladiam.

Negociação, formação de lideranças, estabelecimento de relações técnicas entre Executivo, Legislativo, Judiciário e o cidadão, deslocando o entendimento político para qualidade (de vida e dos programas e serviços), produtividade (melhor utilização de pessoal, equipamentos, consultórios, salas cirúrgicas) e custos (racionalização, coibição do desperdício) produzirão uma saúde melhor, governabilidade e sustentabilidade, evitando a dispersão descontrolada de recursos.
Fonte: Valor




Obrigado por comentar!
Erro!
Contato
+55 11 5561-6553
Av. Rouxinol, 84, cj. 92
Indianópolis - São Paulo/SP