Novo ministro da Saúde enfrenta pressão da indústria
03/04/2018
O agora ex-ministro da Saúde Ricardo Barros não vai deixar muita saudade na indústria farmacêutica brasileira. Os atos finais de Barros, que entregou o cargo para tentar se reeleger deputado federal, escancararam uma relação que não foi exatamente tranquila e jogaram nas mãos de seu sucessor, o ex-presidente da Caixa Gilberto Occhi, a missão de contornar pontos de tensão com premência. "A gestão foi exitosa, mas a saída, desastrosa", afirma um executivo. 

Alterações no programa Farmácia Popular - um dos programas de maior sucesso do país na área de saúde, depois dos genéricos e do tratamento do HIV -, mudanças no protocolo clínico da artrite reumatoide sem consulta à classe médica e a autorização à compra pública de medicamentos por distribuidoras não autorizadas pelo laboratório detentor da patente azedaram as relações do ministério com o setor.

Um dos embates mais notórios pôs de um lado a pasta e, do outro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e as farmacêuticas - com graves consequências aos portadores de doenças raras que ganharam na Justiça o direito de tratamento pago pelo governo.

A Saúde defende a compra pública de medicamentos para doenças raras com a dispensa de um documento considerado essencial para garantir que o produto é autêntico, sob o argumento da redução de custos. Já os laboratórios e o órgão regulador justificam que abrir mão desse atestado, a Declaração do Detentor do Registro (DDR), é correr risco de receber, inclusive, medicamento falsificado. 

Até agora, duas empresas que venceram tomadas de preço do ministério para fornecer esse tipo de tratamento não apresentaram as devidas DDRs. E, ainda assim, foram autorizadas pela pasta a fornecer o medicamento. Uma delas recebeu pagamento adiantado. Diante da queda de braço com a Anvisa, que exige o documento, o caso foi parar na Justiça e a indústria resolveu falar abertamente contra iniciativas do ministério. 

Em documento conjunto divulgado no dia 19 de março, a Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica de Pesquisa e de Capital (Grupo FarmaBrasil), a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos) e o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma) saíram publicamente em defesa da Anvisa.

Conforme a indústria, "estranha a atitude de autoridades [o ministro da Saúde] que, inadvertidamente, atuam para destruir o consistente arcabouço regulatório sanitário instituído no país". Além de defender a importação de cinco medicamentos (enzimas) sem apresentação da DDR, Barros estaria indicando um consultor jurídico do próprio ministério a pacientes que estão sem tratamento, com vistas a processarem a Anvisa.

O então ministro, em entrevista ao Valor, disse que não tem culpa da judicialização desse debate e não tem lado na disputa. "Essa briga é dos fornecedores, não tenho preferência por ninguém, quero garantir o fornecimento dos medicamentos", afirmou, em 14 de março.

Cinco dias depois, os laboratórios se uniram novamente contra o ministério, desta vez por causa de mudanças na sistemática do Farmácia Popular. Há meses existem rumores de que o programa, considerado um dos melhores em termos de saúde pública no país, passaria por mudanças relevantes - que poderiam colocar em risco sua viabilidade, segundo a indústria.

Em meio à tensão por causa da importação de medicamentos sem a DDR, a pasta anunciou a alteração dos repasses de 22 medicamentos distribuídos gratuitamente dentro do Farmácia Popular, sob a justificativa de que seus preços estavam defasados ou acima do valor de mercado. A economia prevista é de até R$ 800 milhões, uma vez que, na prática, há redução dos valores pagos pelo governo.

Mas, para a indústria, "uma mudança dessa profundidade, feita cinco dias antes da troca de ministro, não parece oportuna nem sensata". "E trará, como consequência imediata, instabilidade e preocupação para milhões de brasileiros", informou o setor, em novo comunicado conjunto.

No fim da mensagem, um recado direto ao novo gestor: "apelamos, portanto, para que se retome o caminho prudente e, antes de qualquer providência açodada, o novo ministro da Saúde institua o grupo de trabalho que analisará o programa". Para executivos do setor, está claro que Occhi terá muito a resolver já nos primeiros dias de ministério.
Fonte: Valor




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