Tivemos uma reunião com dois executivos da consultoria Ernst&Young, Leandro Sanches, Partner Advisory Services e Mariana Wiezel, gerente sênior de estratégia em saúde. A conversa girou em torno de como tecnologia, valor e sustentabilidade implicam (ou se aplicam) na jornada do paciente.
Começo perguntando sobre uma pesquisa da EY que divulgava a informação de que cerca de um terço da população estava interessada em diagnósticos domiciliares, telemedicina (que ainda não está autorizada o Brasil) e captação de dados através de seus celulares, e quão perto, em termos de cultura populacional estamos de uma mudança no consumo de saúde.
Para Mariana, existem muitas iniciativas em andamento nesse segmento, especialmente entre as startups. “Existe um movimento de “empurrar” as organizações de saúde para que elas fechem os gaps”. Isso pode ser, por exemplo, através de cuidados que as organizações tradicionais nem pensavam anos atrás, e que, agora com a tecnologia, são possíveis como, por exemplo, um registro automático do uso de uma determinada medicação pelo paciente. Assim, o médico consegue realizar uma assistência de melhor qualidade através de dados assertivos. Ao mesmo tempo, o movimento das novas tecnologias produz um efeito sobre o consumidor: eles enxergam que as empresas não estão fazendo novos produtos aleatoriamente, há uma centricidade nos desejos da população e, com isso, um direcionamento maior da cadeia no desenvolvimento de produtos que atendam os interesses populacionais.
“Essa é uma questão de evolução cultural, estamos em um processo no qual todos estão se integrando a essas questões digitais”, disse Leandro, completando que a tecnologia e os dados vão além do uso direto em instituições de saúde. “Hoje vemos grandes corporações investindo em saúde dentro da própria empresa como, por exemplo, através de um médico no local para cuidar daquela população. A gestão de saúde populacional de uma empresa só é possível através de dados, então se você não atua em conjunto com a operadora, você não consegue saber quem são os seus crônicos, super consumidores, é necessário um monitoramento para orientar o uso da forma correta. Estamos em um processo de mudança cultural, de verdade”
Aliás, a cooperação entre empresas e operadoras não é o único modelo para promover a sustentabilidade. Grandes empresas já fazem autogestão no Brasil e, fora daqui, gigantes como Apple e Amazon, já anunciaram a opção como aposta. “Eu acho até confortante que indústrias fora da saúde estão endereçando o problema. Em especial, estas que foram constituídas com a concepção do Vale do Silício, porque testam modelos de forma rápida e podem olhar com uma visão diferente o problema” disse Mariana.
Leandro ainda destaca que, no Brasil, existe um deslocamento grande entre a evolução do setor de saúde, em termos de tecnologia e experiência do usuário, e outras indústrias. E ainda que esse setor é geralmente o último a passar pelo processo de digitalização. Mas isso abre portas para que outras empresas, menores, mais ágeis e de outros setores, ofereçam serviços complementares a essa cadeia.
De acordo com a consultoria, a transição para agregar valor na jornada do paciente passa por quatro etapas e pode ser resumida como a proposta de entregar o melhor resultado clínico a um custo ótimo de assistência. Isso em um ambiente que promova a melhor experiência do cliente e que seja entregue por prestadores engajados.
No detalhe, o primeiro pilar é o da experiência do cliente, que pode ser entendido como paciente ou profissional de saúde, com altos níveis de satisfação em todos os momentos de sua jornada. O segundo ponto é a eficiência clínica: é preciso diminuir a variabilidade dos tratamentos, para uma mesma pessoa, não é aceitável ela ter dois desfechos diferentes dependendo do hospital no qual ela está sendo tratada. Isso pode ser resolvido por meio de alinhamento e governança médica, iniciativas de padronização de protocolos e relatórios sobre a qualidade entregue.
O próximo é chamado de otimização de performance ou eficiência operacional, e diz respeito a melhorias de processos que visem eliminar o desperdício, redundância e uso indevido de recursos. Por último, o engajamento do provedor, seja ele médico ou farmacêutico. “Temos que pensar nesse ciclo como um todo. Será que a implantação de um aplicativo ou prontuário eletrônico vai ajudar ou atrapalhar a vida dele? Porque, se, por um lado, agora temos mais informações, por outro, o paciente pode, por exemplo, se comunicar com o médico 24h em vez de 8h por dia.” conta a gerente. A base de qualquer projeto de valor está nessas decisões.
A transformação cultural possibilita soluções orientadas por valor na jornada do indivíduo, esteja ele dentro ou fora de uma situação médica. Modelos alternativos de pagamento, gestão contínua de saúde populacional, organizações de alta confiabilidade (HROs) e a gestão holística do desempenho da organização são alguns exemplos de soluções que levam o valor em consideração.
Para finalizar, Leandro diz: “São vários desafios, o primeiro é entender que não é uma cadeia única, não existem lados. Não tratar a doença, e sim tratar a saúde. Assim conseguiríamos uma evolução um pouco mais rápida desse mercado fragmentado, no qual cada um olha o seu. Temos que desenvolver uma cadeia mais interessante, a mudança não se dá somente através de resultados financeiros, mas também da percepção de qualidade”, quando perguntado sobre quais são os maiores desafios para a adoção dessa nova mentalidade e promoção da sustentabilidade na interação entre os players.