Brasil vai testar novo exame para reforçar luta global contra malária
19/06/2018
O Instituto Nacional de Ciência da Eliminação da Malária (Instituto Elimina), um consórcio de cerca de 30 organizações nacionais e internacionais criado em 2016 com o objetivo de gerar conhecimento para a erradicação da malária, vai começar a testar em campo em breve um exame capaz de viabilizar o uso de um novo medicamento que impede a volta da doença após seu tratamento. 

Os testes terão o apoio da Fundação Bill & Melinda Gates, que anuncia nesta terça-feira na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) investimentos de US$ 600 mil (cerca de R$ 2,24 milhões) no combate à malária no Brasil. A doença mata quase meio milhão de pessoas ao ano em todo o mundo e voltou a crescer no país. Entre 2016 e 2017, os registros subiram pela primeira vez em quase uma década, e fortemente: alta de pouco mais de 50%.

O exame rápido e portátil identifica pacientes da doença com deficiência em seus organismos de uma enzima conhecida como G6PD. Essa condição afeta cerca de 5% da população da Amazônia, principal região endêmica da malária no Brasil. A deficiência dessa enzima impede que os médicos tratem esses doentes com a tafenoquina, nova droga em desenvolvimento capaz de impedir a recaída da malária com a vantagem de ser tomada em apenas uma dose. Já a substância usada atualmente para tanto, a primaquina, demanda um regime de sete dias para impedir estas chamadas recidivas, o que gera desafios de disponibilidade, acesso e adesão dos pacientes.

Já na chamada fase 3 de ensaios clínicos com humanos, geralmente a última antes da eventual aprovação de um novo remédio pelas autoridades sanitárias, a tafenoquina pode provocar reações adversas severas nas pessoas com deficiência da G6PD e levá-las à morte por anemia grave, problema também observado em menor grau, mas ainda assim perigoso, com a primaquina. Por isso, o teste financiado pela Fundação Gates é essencial para poder fornecer o tratamento com segurança.

— A dose única é uma grande vantagem da tafenoquina, que vai ajudar muito no controle e erradicação da malária, mas não podemos administrar esta medicação sem saber antes se o paciente tem a deficiência da enzima — explica Marcus Lacerda, infectologista e doutor em medicina tropical que atua como coordenador do Instituto Elimina. — Com o financiamento da fundação vamos colocar pela primeira vez em campo um teste desta enzima em um projeto-piloto para sua validação, o que vai abrir caminho para o uso deste novo remédio no Brasil.

Paraguai eliminou a doença

O apoio da Fundação Gates vem em boa hora. Para além da crise de investimentos que a ciência brasileira enfrenta nos últimos anos, com cortes no repasse de recursos pelos governos federal e estaduais, o Brasil vive uma ressurgência de casos de malária cujas causas ainda são um mistério, observa Lacerda. Foram quase 194 mil casos registrados em 2017, contra 129 mil no ano anterior. Este ano já foram contabilizados mais 77 mil ocorrências.

Enquanto isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) certificou, na semana passada, que o Paraguai eliminou a malária de seu território, sendo o primeiro país do continente a conseguir fazê-lo desde 1973, quando Cuba realizou o feito. Em abril deste ano, um painel independente já havia certificado que a transmissão autóctone da doença havia sido interrompida no país vizinho. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) destacou que a eliminação da malária endêmica no Paraguai se deveu à adoção de um plano quinquenal em 2011, que coordenou campanhas de educação e erradicação.

De acordo com dados da Opas, a incidência de malária caiu 62% nas Américas entre 2000 e 2015. E as mortes recuaram 61% no mesmo período. Apesar disso, entre 2016 e 2017, as notificações aumentaram em alguns países, incluindo o Brasil.

— Estamos animados com o potencial deste investimento em acelerar a erradicação da malária no Brasil e na América Latina — avalia Sue Desmond-Hellmann, presidente da Fundação Bill & Melinda Gates, que veio ao país especialmente para o anúncio do novo financiamento da organização para as pesquisas do Instituto Elimina. — Nosso objetivo é reduzir dramaticamente o tempo que novos tratamentos e testes para a malária e suas recaídas levam para ficarem disponíveis para pacientes que estão hoje muito doentes para irem para a escola ou muito fracos para o trabalho. O desafio é grande, mas as recompensas são ainda maiores: melhorar em muito a vida de milhões de brasileiros.

Para isso, o Instituto Elimina trabalha em várias frentes, conta Lacerda. Uma delas é a crescente resistência do Plasmodium vivax — principal agente causador da malária no Brasil, aonde responde por cerca de 90% dos casos — ao medicamento mais usado para combatê-lo atualmente, chamado cloroquina. A malária é transmitida ao homem por meio da picada de mosquitos do gênero Anopheles.

— Verificamos com o tempo que o vivax tem desenvolvido algum grau de resistência à medicação usada hoje, e por isso também estamos conduzindo estudos clínicos com drogas alternativas — explica Lacerda.

Entre essas alternativas, o cientista cita a chamada terapia combinada com artemisinina, atualmente o tratamento de primeira linha no combate a outra espécie do protozoário causador da malária, o Plasmodium falciparum, mais comum na África. Ele menciona também o eurartesim, medicamento produzido na Itália também baseado na artemisinina e indicado contra o P. falciparum.

Infectados sem sintomas

Outra frente de trabalho importante do Instituto Elimina é o desenvolvimento de exames rápidos e portáteis para o diagnóstico da malária em si e da espécie de plasmódio que infecta o paciente. Neste caso, o principal objetivo é identificar pessoas assintomáticas. São indivíduos que têm o parasita em seu organismo mas não adoecem e, portanto, não procuram atendimento nem fazem tratamento, mas continuam a contaminar os mosquitos que transmitem o protozoário para outras pessoas.

— Sem sintomas, essas pessoas mantêm a doença circulando em suas comunidades — destaca Lacerda. — Só quando tivermos um teste de campo sensível deste tipo é que vamos conseguir acabar com estes reservatórios do plasmódio nessas pessoas que não ficam doentes, e de fato começaremos a vislumbrar um cenário de erradicação da malária.

Dessa forma, aponta o pesquisador, o desenvolvimento dos exames está no foco do esforço global de combate à malária por meio de diversas colaborações internacionais, nas quais o Instituto Elimina mais uma vez ocupa um papel central por seu fácil acesso ao “campo de testes” da Amazônia e formação de pessoal qualificado para executar essas pesquisas.

— Não dá para lutar contra doenças da Amazônia longe da Amazônia, e um subproduto importante do trabalho do Instituto Elimina é justamente a formação desse pessoal — conclui. — São pessoas que estão fazendo mestrado e doutorado em pesquisas sobre eliminação da malária, e são elas que vão levar à frente o desafio de erradicação da doença no futuro.
Fonte: O Globo




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