Escudo contra o HIV
10/07/2018
Um regime experimental de vacinação contra o HIV, o vírus causador da Aids, obteve resultados promissores em testes com humanos e macacos, abrindo caminho para um ensaio clínico mais amplo que pode ajudar a dar fim à epidemia da doença — meta traçada para 2030 pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). 

Relatada em artigo publicado ontem no periódico científico “The Lancet”, a experiência teve como peça central uma vacina “mosaico”, que pega pedaços de diferentes linhagens do HIV para despertar uma resposta imunológica contra uma variedade maior de “tipos” do vírus. A pesquisa também envolveu outros imunizantes e substâncias conhecidas como adjuvantes na busca por um esquema vacinal que indique quanto, quais, como e quando administrar esses compostos para conferir proteção contra a infecção pelo vírus em caso de exposição.

Esta é apenas a quinta experiência vacinal contra o vírus da Aids que chega a testes de eficácia em humanos nos mais de 35 anos de pesquisas desde o início da epidemia global da doença, nos anos 1980. Segundo o Unaids, o HIV já atingiu 76,1 milhões de pessoas, matando 35 milhões delas, até 2016.

Segundo os pesquisadores liderados por Dan Barouch, diretor do Centro de Virologia e Pesquisas de Vacinas do Centro Médico Beth Israel Deaconess e professor da Escola de Medicina de Harvard, ambos nos EUA, tanto as vacinas usadas no experimento quanto as substâncias adjuvantes foram bem toleradas e geraram uma robusta reação imunológica nos voluntários e nos macacos. A maioria dos animais também ficou protegida da infecção por um vírus similar ao HIV quando deliberadamente “desafiados” a combatê-lo. Diante disso, os cientistas já iniciaram ensaios clínicos para investigar a segurança e eficácia da estratégia imunizante, na chamada fase 2b deste tipo de experiência, com 2,6 mil mulheres sob risco de contrair o HIV de cinco países no sul da África.

PESQUISA ENVOLVEU QUASE 400 PESSOAS

As tentativas anteriores de vacina ficaram limitadas a algumas regiões do mundo e linhagens do vírus. Além disso, dos quatro regimes que anteriormente passaram por ensaios com humanos, só um, designado RV 144 e testado na Tailândia, se mostrou capaz de bloquear a infecção pelo HIV. Sua taxa de redução da contaminação pelo vírus de apenas 31%, porém, foi considerada muito baixa para ampla aplicação. Apenas nos testes com macacos, a nova vacina alcançou 67%.

Já o novo esquema é baseado em uma vacina “mosaico” batizada Ad26.Mos.HIV, ou simplesmente Ad26, desenvolvida pelo laboratório Janssen com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates e do Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH). Criada a partir de diferentes linhagens do HIV, ela contém os antígenos — substâncias que, ao entrarem no organismo, são dadas como “estranhas” e provocam reação do sistema imunológico — Env, Gag e Pol “apresentados” às células de defesa do corpo por um vírus derivado do que causa o resfriado comum, mas alterado para não se replicar justamente para não correr o risco de provocar a doença. Ele é conhecido como adenovírus 26. Além disso, o experimento buscou solucionar problemas de comparação dos ensaios pré-clínicos e clínicos das vacinas testadas, que usam tecnologias e abordagens diversas.

Para tanto, os pesquisadores recrutaram 393 adultos saudáveis com idades de 18 a 50 anos em clínicas no Leste da África, África do Sul, Tailândia e EUA entre fevereiro e outubro de 2015. Os voluntários foram então divididos aleatoriamente em grupos que receberam uma de sete combinações de vacinas e adjuvantes ou apenas uma solução salina, formando um grupo de controle, num total de quatro injeções ao longo de 48 semanas.

Para estimular, ou “iniciar”, a reação imunológica, cada participante — com exceção dos do grupo de controle — recebeu uma injeção intramuscular da Ad26 no começo do estudo e novamente 12 semanas depois. Já para “reforçar” essa resposta imunológica, os voluntários receberam mais duas vacinações em intervalos de 24 e 48 semanas após a inicial, que incluíram várias combinações da Ad26 e diferentes imunizantes desenvolvidos com uma abordagem chamada Vaccinia Ankara Modificada (MVA). Tudo com ou sem duas diferentes doses da proteína gp140 do envelope proteico do HIV, a “capa” externa do vírus, como adjuvante.

Os resultados do experimento mostraram que todos os regimes testados foram capazes de gerar uma resposta imunológica contra o HIV nos voluntários com taxas similares de reações adversas nos diferentes grupos. Estes efeitos colaterais foram de leves a moderados, com apenas cinco dos participantes relatando reações de grau 3, como dores abdominais e diarreia, tonturas e dores nas costas.

PROTEÇÃO ALTA NO TESTE COM MACACOS

Paralelamente, os cientistas também avaliaram a eficácia protetora dos diferentes esquemas baseados na vacina “mosaico” em 72 macacos rhesus repetidamente “desafiados” com o vírus da imunodeficiência símio-humana (SHIV), similar ao HIV. Nestes testes, o regime vacinal Ad26 mais Ad26 com reforço da gp140, que apresentou a mais forte resposta imunológica nos voluntários humanos, se mostrou capaz de impedir a infecção pelo SHIV em cerca de dois terços dos animais após seis tentativas de contaminação.

— Estes resultados representam um marco importante — considerou Barouch. — Este estudo demonstra que o mosaico induziu uma robusta resposta imunológica em humanos e macacos, promovendo ainda uma proteção de 67% contra o vírus nos macacos.

Mas os resultados também devem ser interpretados com cautela, acrescentou:

— Os desafios no desenvolvimento de uma vacina para o HIV são sem precedentes, e a capacidade de induzir respostas imunológicas não indica necessariamente que a vacina vai proteger humanos da infecção pelo HIV. Esperamos com ansiedade os resultados do ensaio de eficácia de fase 2b, que vai determinar se esta vacina vai proteger humanos contra o HIV.

George Pavlakis e Barbara Felber, pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer dos EUA, comentaram a pesquisa ressaltando que mais estudos são necessários para confirmar se a reação imune aos diferentes esquemas vacinais também vai dar proteção contra a infecção pelo HIV em humanos, e numa eficácia superior à observada no RV 144.

“Novos conceitos de vacina e vetores estão em desenvolvimento e podem progredir para ensaios de eficácia, um processo muito importante, já que o desenvolvimento de uma vacina contra a Aids ainda é urgente”, escreveram. “Apesar dos avanços sem precedentes no tratamento e profilaxia do HIV, o número de pessoas vivendo com a infecção continua a subir em todo mundo. A implementação de mesmo uma moderadamente eficaz vacina contra o HIV junto com as atuais estratégias de prevenção e tratamento pode contribuir enormemente para a evolução da resposta ao problema do HIV/Aids.”
Fonte: O Globo




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