Aborto: a dificuldade no atendimento em casos garantidos por lei
06/08/2018
Maria* precisou deixara cidade onde mora e percorrer mais de 120 quilômetros, no ano passado, par ater um direito legal atendido. Moradora de Caruaru, interior de Pernambuco, ela procurou um hospital da cidade, após ter engravidado em decorrência de um estupro, para fazer um aborto —o que é reconhecido por lei desde 1940. Chegando lá, ouviu das duas médicas :“Aqui agente não faz isso, não”. Sem orientação, ela recorreu à internet e acabou encontrando o Grupo Curumim. A ONG levou-a, então, ao Recife, e o procedimento foi feito no Hospital Agamenon Magalhães. Ela teve alta no dia seguinte.

— Quando eu me vi grávida, fiquei perdida. Não sabia se procurava uma UPA, um hospital, a Delegacia da Mulher. Não é um serviço divulgado (o aborto nos casos legalizados) — lamenta Maria, hoje com 25 anos.

Com o atual debate no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gravidez, reacende-se a discussão sobre a dificuldade pela qual mulheres passam par ateremacessoa o abor tonas situações garantidas legalmente. O Código Penal admite interrompera gestação em dois casos:risco devida para a mulher ou gravidez em decorrência de estupro. Em 2012, o STF acrescentou mais um: feto com anencefalia, má-formação incompatível com a vida.

Segundo a normativa técnica mais recente do Ministério da Saúde, de 2011, qualquer unidade que tenha serviço de obstetrícia tem o dever de atender mulheres em busca de aborto legal. Na prática, isso está longe de acontecer.

Um levantamento feito pelo Grupo Curumim ano passado mostra que apenas 84 hospitais em todo o Brasil realizam aborto legal.

—Esse número, para um país com as dimensões do Brasil, é nada — critica Paula Viana, enfermeira do grupo. — Há, ainda, a questão de alguns hospitais terem o serviço de aborto legal, mas só às terças, quando tem plantonista engajado com o serviço. Dependendo do médico, não funciona.

O número de abortos legais feitos nos últimos anos é baixo.

Em toda a rede estadual do Rio, por exemplo, somente sete interrupções de gravidez foram feita sem 2017, a minoria dela sem decorrência de estupro. Este ano, até 3 de julho, nenhum aborto por violência sexual foi feito. E todos são concentrados no Hospital da Mulher, o Heloneida Studart, em São João de Meriti.

Na rede municipal,foram 50 abortos ano passado e 52 este ano, até o momento. Nos dois casos, a esmagadora maioria foi realizada no Hospital Fernando Magalhães, em São Cristóvão. A Secretaria municipal de Saúde conta que, desde outubro de 2017, desenvolve trabalho focado em estimular que as suas 12 maternidades ofereçam o serviço.

—O fato de todas as mulheres serem encaminhadas para o Fernando Magalhães nos incomodava—dizapsicóloga Amanda Almeida, da superintendência da secretaria. — Agora, temos quatro unidades fazendo. Poucas, mas acho que estamos avançando.

Segundo o Ministério da Saúde, o número de abortos legais no país se mantém estável nos últimos anos. Em 2016, foram 1.682 — a pasta não distingue os motivos.

— O que muita vezes acontece é que os hospitais escolhem o tipo de aborto que querem fazer. Com risco de vida para amulherou anencefalia, não é tão difícil. O problema mesmoéquan dose trata de estupro—comenta Paula Viana.

*Nome fictício.

“O que muita vezes acontece é que os hospitais escolhem o tipo de aborto que querem fazer. Com risco de vida para a mulher ou anencefalia, não é tão difícil. O problema mesmo é quando se trata de estupro” _ Paula Viana, enfermeira e membro do Grupo Curumim
Fonte: O Globo




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