A tecnologia para o envelhecimento é hoje um dos setores mais promissores e está no centro da estratégia industrial dos países desenvolvidos denominada economia da longevidade. Até a crise mundial de 2008, a visão fiscal sobre a dinâmica demográfica, ou seja, o aumento do custo dos sistemas de seguridade social, era a única perspectiva dos economistas em relação às sociedades envelhecidas. Embora essa ainda seja uma visão hegemônica, outro aspecto das rápidas transformações populacionais passou a emergir, sobretudo nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão. O horizonte, agora, é bem menos catastrófico. O envelhecimento passou a ser visto como fonte de geração de riqueza a partir da mudança da estrutura de consumo das famílias, com mais idosos e menos crianças, portanto, com novas necessidades a serem atendidas pela inovação industrial.
Esse panorama explorado por Peter Diamandis, fundador da Human Longevity Inc., em "Abundância: o futuro é melhor do que você pensa" já é realidade para muitas empresas. Como sempre, para as que estão chegando primeiro, como o Google, proprietário de mais de uma centena de startups destinadas às necessidades do cuidado de longa duração de idosos ou a garantir uma velhice sustentável.
O mundo da tecnologia despertou para o homo senectus do século XXI, aquele que define seu comportamento econômico a partir de um novo perfil epidemiológico, no qual as doenças crônicas e incuráveis, como Alzheimer e Parkinson, substituem as mazelas bacterianas. "Apesar do medo imenso que temos hoje de uma pandemia gripal, não vivemos numa época viral. Graças à técnica imunológica, já deixamos para trás essa época", escreve Byung-Chul Han, em seu best-seller "A sociedade do cansaço".
Essa é uma das explicações para estarmos vivendo mais e melhor, relativamente, do que quem tinha a mesma idade e a mesma condição social nossa nos séculos passados. O grande desafio é oferecer respostas à megatendência do envelhecimento e, mais ainda, às suas microtendências, principalmente, os cuidados de longa duração. É nesse aspecto que a tecnologia aparece como elemento fundamental e, consequentemente, abre possibilidades de negócios estabelecendo uma concorrência global no âmbito da economia da longevidade. "O envelhecimento saiu do foco fiscal e foi ampliado mais como oportunidades pelos policy-makers envolvendo tecnologias e inovações sociais, e identificando soluções transversais para melhorar a saúde e o bem-estar dos idosos", afirma o relatório The Silver Economy ("A economia da longevidade") lançado este ano pela consultoria Technopolis por encomenda da Comissão Europeia.
O relatório define as oportunidades na intersecção dos setores público e privado para fomento da tecnologia nas áreas de saúde, cuidados, turismo, educação, automação de residências, entretenimento (games, principalmente) e robótica assistiva. Desde 2013, inspirada em uma iniciativa da França, a estratégia La French Tech, a Comissão Europeia tem divulgado inúmeros relatórios sobre o tema e destinado milhões de euros para pesquisa e desenvolvimento na área da tecnologia do envelhecimento.
O objetivo da economia da longevidade na região é construir um complexo industrial da saúde e do cuidado que visa sobretudo a exportação desses produtos e serviços de alta sofisticação produtiva para a América do Sul e outros países que, na avaliação desses relatórios, envelhecerão sem alcançar essa excelência tecnológica.
Essa estratégia tem obtido bons resultados na criação de empresas tecnológicas para o envelhecimento nos setores de saúde e automação residencial. De 2010 a 2016, o número mais que triplicou, saindo de menos de 400 para mais de 1.200 nos 24 países analisados pela Technopolis e a Oxford Economics no relatório setorial divulgado este ano como parte do Programa "Active and Assisted Living" com as futuras perspectivas do segmento com a adoção da inteligência artificial.
A idade de corte do estudo é de 50 anos, pois apresenta as tendências tecnológicas em áreas como fitness, lazer, mobilidade urbana, mobilidade pessoal, automação, segurança e "robôs companheiros". Este último, porém, ainda é mais uma obra de ficção do que uma possibilidade real de ser adotado para os cuidados. Os robôs ainda não estão aptos a executarem tarefas complexas, como a troca de fraldas, por exemplo, ou dar banho.
O investimento na pesquisa da robótica tem produzido uma quantidade de informações sobre a relação humano-robô que acabam arando o terreno europeu, norte-americano e asiático para novas invenções na engenharia. Um dos exemplos é a empresa francesa Auxivia. Há cinco anos, ela surgiu como startup e venceu o Burse Charles Foix, o prêmio promovido pela ONG Silver Valley, Île-de-France. O principal produto da Auxivia é o eVe, um copo (verre, em francês) conectado à internet para medir a quantidade de água bebida pela pessoa idosa, lembrá-la ou a seus cuidadores de beber líquido e, assim, mitigar o risco de desidratação - um grave problema na saúde pública das sociedades envelhecidas. A Auxivia hoje fornece o eVe por assinatura, para diversas residências coletivas de idosos. Em 2016, abriu o capital em uma plataforma digital, beneficiando-se de isenção de impostos para seus novos acionistas.
"A tecnologia tem o potencial de facilitar muito o processo de envelhecimento com aplicativos, como evitar quedas, promover a fidelidade de medicamentos da pessoa idosa, mas requer também políticas públicas que tenham premissa ética de inovações tecnológicas que satisfaçam as necessidades e que sejam seguras, eficazes, acessíveis, adequadas e disponíveis", explica a professora Carla Santana, da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto e presidente da Sociedade Brasileira de Gerontecnologia - uma área em pleno crescimento no mundo e dedicada à pesquisa científica dos usos da tecnologia para o envelhecimento. Ela lembra que a pesquisa básica na área sempre depende de recursos do estado.
No Brasil, os segmentos mais promissores na área da saúde são a telemedicina e, na área dos cuidados, a teleassistência. A Associação Paulista de Medicina promoverá, em 2019, o Global Summit Telemedine and Digital Health, em São Paulo, com o tema "Tecnologia a serviço da vida". Um exemplo do potencial de crescimento da teleassistência é a empresa Telehelp, líder no setor e com crescimento anual de 22% nos últimos três anos. Em 2016, a empresa atendia a 8.200 clientes, hoje já são 12.500 e a expectativa é atingir 16.000 em 2019. "Nosso grande desafio hoje é o desconhecimento por parte dos 60+ de que já existem produtos e serviços tecnológicos destinados especificamente a eles", afirma José Carlos Vasconcelos, CEO da Telehelp. "Há uma dificuldade de comunicação e marketing com o público 60+ porque existe um preconceito por parte deles mesmos em relação ao envelhecimento", completa.
Talvez o maior serviço da tecnologia seja quebrar essa barreira promovendo maior integração entre as gerações ao mediar os cuidados, reduzir o isolamento social e aproximar as pessoas, configurando-se assim, na sociedade envelhecida, como uma nova forma de carinho.