INPI concede patente a remédio com genérico em produção e afeta o SUS
20/09/2018
Organizações de defesa do acesso a medicamentos e movimentos sociais preparam-se para apresentar contestação ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) contra a liberação da patente, à farmacêutica americana Gilead Science, do Sofosbuvir. O composto é considerado um dos mais eficazes tratamentos para a hepatite C, levando à cura em 95% dos casos, e permitiria ao Sistema Único de Saúde (SUS) economizar R$ 1 bilhão na compra de 50 mil tratamentos contra a doença.

A concessão está no centro de uma disputa entre o consórcio nacional BMK - que reúne a farmacêutica Blanver, a Microbiológica Química e Farmacêutica e a KB Consultoria, em parceria com o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) - e a multinacional Gilead. Com o monopólio, a produção do genérico do Sofosbuvir, mais barato, será proibida até expirar a patente. A decisão sobre a liberação da patente foi publicada pelo INPI ontem.

"Consideramos que essa é uma patente concedida de forma imerecida, pois impede o acesso ao genérico mais barato. Por isso, primeiramente, vamos entrar com um processo administrativo de nulidade", explicou ao Valor Pedro Villardi, líder do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).

O grupo - que reúne 17 organizações humanitárias e de defesa do interesse público no Brasil e internacionais, como a ONG Médicos Sem Fronteiras-Brasil (MSF) - chegou a encaminhar representação ao Ministério Público (MP). No documento, questionava as pressões da Gilead sobre o INPI a fim de obter a patente do Sofosbuvir.

O genérico foi registrado em maio na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com a perspectiva de redução dos custos do tratamento, uma vez que essa versão, por lei, deve ser ao menos 35% mais barata que o medicamento de referência. Mas os descontos podem chegar a 60% ou mais. O registro na Anvisa foi obtido pela Blanver. Comercialmente, o Sofosbuvir é fornecido sob a marca Sovaldi, da Gilead. Procurada pelo Valor, a Blanver informou que aguarda a publicação do parecer com mais informações.

"Analisamos a decisão do INPI, que recai sobre um processo da rota de síntese desse medicamento, e não sobre sua molécula. Por essa razão, o genérico fabricado no Brasil, que passa por essa síntese, pode ser produzido mas não comercializado", detalhou Villardi. Segundo ele, é como se, numa receita de bolo, uma farinha usada no preparo estivesse sob monopólio, e não o bolo em si.

Villardi afirmou que, para o GTPI, as argumentações apresentadas anteriormente não foram analisadas de forma apropriada pelo INPI. "Vamos contra-argumentar e temos certeza de que essa decisão será reconsiderada pelo instituto", disse ele. O grupo tem 60 dias para se movimentar nesse sentido. Ele disse também que o segundo passo, na hipótese de negativa do pleito no âmbito administrativo, seria pedir anulação da decisão do INPI pela via judicial.

Conforme o INPI, a decisão se baseou em critérios técnicos previstos na Lei da Propriedade Industrial e a patente foi concedida para a molécula relativa a duas reivindicações da Gilead. Inicialmente, a multinacional entrou com 126 reivindicações no órgão. O instituto informou que o parecer definitivo levou em conta 13 manifestações de terceiros interessados.

Em relação aos pedidos de patente da Gilead para o Sofosbuvir em outros países, o INPI explicou que são processos independentes. "Cabe mencionar que África do Sul, Colômbia, Escritório Europeu de Patentes, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia concederam patentes semelhantes à que foi agora deferida pelo INPI", destacou.

Em nota, a Gilead informou que está comprometida em fornecer "medicamentos inovadores e economicamente sustentáveis" para o Brasil. "Reforçamos nosso compromisso de apoiar o governo brasileiro no projeto de eliminação [da doença] e expandir o acesso dos nossos medicamentos a todos os pacientes que deles necessitam". Conforme a multinacional, inovação e propriedade intelectual são essenciais para o investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos.

A MSF divulgou nota em que se manifesta contra a decisão do INPI e classifica a medida como um erro. "O posicionamento do órgão brasileiro responsável pela análise de patentes ocorreu a despeito de haver sólidos argumentos contrários à concessão e de um evidente interesse público. Há no Brasil mais de 700 mil pessoas com hepatite C e que não estão tendo acesso ao tratamento da doença devido ao alto custo", observou a organização não governamental.

A ONG defende que o governo emita licença compulsória para permitir que outros fabricantes produzam o remédio. "Não podemos deixar de ouvir as mais de 50 mil pessoas que se juntaram a nós apoiando a petição", disse Ana de Lemos, diretora-geral de MSF-Brasil, sobre manifesto lançado na Internet contra a Gilead. A medida permitiria a produção do genérico mediante pagamento de royalties à detentora da patente.

O Valor procurou o Ministério da Saúde, que, por meio de nota, informou que não havia sido comunicado oficialmente do deferimento. "A pasta esclarece ainda que o processo de aquisição dos medicamentos utilizados para o tratamento da hepatite viral C e coinfecções vai seguir todos os trâmites legais previstos na Lei de Licitações nº 8.666/93."

"A Gilead já estava vendendo o medicamento para o Ministério da Saúde, que continuará a ser extorquido", afirma Villardi. "Essa empresa já faturou mais de US$ 50 bilhões com a venda desse remédio no mundo desde 2014. Resta saber se o governo conseguirá adquirir os 50 mil tratamentos pelo preço que pratica."
 
Fonte: Valor




Obrigado por comentar!
Erro!
Contato
+55 11 5561-6553
Av. Rouxinol, 84, cj. 92
Indianópolis - São Paulo/SP