Expansão da saúde da família e de redes regionais estão entre as propostas
A polêmica reforma do SUS volta a ser tema de debate nesta quarta (3), em audiência pública a partir das 9h30 na Câmara dos Deputados. As propostas constam em relatório do Banco Mundial, divulgado em 2018 em seminário realizado pela Folha.
O documento aponta áreas de ineficiência no sistema público de saúde brasileiro e mostra caminhos para o país evitar desperdícios na ordem de R$ 22 bilhões por ano.
Entre as medidas estão a expansão de equipes da ESF (Estratégia Saúde da Família), a criação de redes de saúde para prover os municípios pequenos na média e alta complexidade e a integração digital de dados em saúde.
A consolidação desse tripé é tida como fundamental não apenas para melhorar a eficácia mas também para garantir a sustentabilidade do SUS.
Algumas dessas medidas, porém, têm um custo político até agora evitado. A substituição do modelo de saúde municipalizada para a criação de redes integradas de saúde é uma delas.
A proposta é que grupos de municípios menores se unam e dividam um mesmo sistema com provedores de serviços de saúde, como laboratórios, ambulatórios e hospitais.
Embora já existam no país iniciativas nesse sentido, elas, em geral, não conversam com o conjunto de toda a rede de assistência. Por isso, são importantes regulação e controle robustos para evitar que lobbies deste ou daquele grupo político continuem ditando as regras a despeito do que comprovadamente seja mais eficaz para o sistema.
Uma questão polêmica é o fechamento ou a transformação em outros fins de hospitais pequenos, que, no frigir dos ovos, podem render alguns votos, mas geram pouco resultado em cuidados de saúde.
Atualmente, cerca de 55% das instituições hospitalares brasileiras têm menos de 50 leitos e metade da eficiência de hospitais maiores, com mais 300 leitos. Isso reflete nas baixas taxas de ocupação de leitos, em média 45% para todos os hospitais do SUS (muito abaixo da taxa de ocupação desejável, entre 75% e 85%). Além de ineficazes, hospitais pequenos também podem trazer mais riscos aos pacientes.
Mais resolutiva, a atenção primária poderia desafogar tanto os ambulatórios de especialidades quanto as emergências dos hospitais, que vivem lotadas de pacientes de baixa complexidade. Hospitais regionais bem equipados e resolutivos também evitariam o envio de muitos pacientes para as capitais.
Mas não dá para falar em aumento de eficiência sem lembrar que o SUS também carece de investimento. Segundo dados da OMS, em 2015, o país gastou em saúde pública o equivalente a 3,8% do PIB (Produto Interno Bruto) ou US$ 333 (cerca de R$ 1.265) por pessoa.
São gastos equivalentes aos de países africanos, como a Namíbia. Em países como Argentina e França, esse valor foi de US$ 713 (cerca de R$ 2.700) e US$ 3.178 (pouco mais de R$ 12 mil) no mesmo ano, respectivamente.
O fato de a proposta de reforma do SUS ser discutida na Câmara dos Deputados é uma ótima oportunidade para debater outro importante fator de desorganização e de ineficiência do Sistema Único de Saúde: as emendas parlamentares que dão a deputados e senadores acesso a verbas públicas que são distribuídas em bases eleitorais.
Por exemplo, muitos desses hospitais pequenos, construídos sem planejamento e sem verbas garantidas para o custeio posterior, são frutos dessas emendas.
As renúncias tributárias, estimadas em R$ 283,4 bilhões pelo Tribunal de Contas da União, também drenam recursos que poderiam estar indo para o SUS. Renúncias fiscais individuais, como a dedução do Imposto de Renda dos gastos com saúde, são outro ponto de questionamento.
Ainda que se pesem as críticas que o relatório do Banco Mundial tem recebido, como as parcerias sugeridas com o mercado privado de saúde, a discussão ganha importância neste momento em que algumas das propostas encontram eco em promessas da atual gestão do Ministério da Saúde. A ver se, em meio a tantos equívocos neste início do governo de Jair Bolsonaro (PSL), haverá apoio político para a implementação de tantas medidas urgentes que o SUS precisa.