O futuro da medicina: a individualização da prevenção e do tratamento
16/04/2019

Vivemos o início de um movimento no qual a cura virá antes da doença

A saúde foi um dos últimos grandes setores da economia a entrar na transformação digital que revoluciona o mundo. A transição para a nova era muda o eixo da prática médica. Saimos da chamada saúde reativa, assim descrita pela consultoria CB Insights, para a proativa. Na primeira, o paciente tende a procurar ajuda médica apenas quando adoece; a ele cabe consultar diferentes opções de tratamento e seus dados são capturados para confirmar o diagnóstico. Na saúde proativa, a lógica é outra. Informações vitais são capturadas por aparelhos e monitores wearables, as opções de cuidado são acionadas precocemente e o provedor de saúde tem acesso ao histórico, biomarcadores e predisposições genéticas do paciente.

Vivemos o início de um movimento no qual a cura virá antes da doença, explica o biomédico Renato Sabbatini, pioneiro da computação aplicada à medicina e criador, em 1983, do núcleo de informática biomédica da Universidade Estadual de Campinas.

Para Pedro Alvarez, chief commercial officer da Z Lifecare, empresa de gestão de tecnologia para home care, a indústria da saúde deve passar por três movimentos. “O primeiro é a consumerização, com oferta de produtos e serviços aos pacientes, como é o caso dos wearables e da genômica de consumo, com suporte médico e base em evidências clínicas”, explica Pedro. O segundo está relacionado à captura, integração, processamento e análise de dados, permitindo tratamentos personalizados. “Por fim, o paciente será colocado como protagonista de sua própria saúde”, conclui o CCO da Z Lifecare.

Caminhamos rumo a um dos maiores sonhos da medicina, a individualização das terapêuticas. “A partir do cruzamento dos hábitos e do histórico do paciente, com análises genéticas é possível traçar um mapa de risco para antecipar o que essa pessoa vai desenvolver no futuro, tratando de forma preventiva”, diz Emerson Gasparetto, vice-presidente da área médica do Grupo Dasa, a maior empresa de medicina diagnóstica da América Latina, com 700 laboratórios espalhados pelo Brasil e 250 milhões de exames realizados anualmente. “É o empoderamento do paciente.” Um movimento sem volta. “O paciente não quer mais sentar do outro lado da mesa. Quer estar ao lado do médico para ajudá-lo na tomada de decisão.”

Edvaldo, executivo da Amil, costuma dizer que “o ponto de poder é o cliente”, para explicar o processo de transformação digital da empresa de medicina privada. “Como atendimento, a gente quer simplificar, humanizar e digitalizar.” Para tanto, a companhia ouviu 10 mil pessoas para saber o que elas esperam do plano de saúde. Um dos programas a serem implantados é o de prevenção com gamification. Com o uso da I.A., traça-se um plano individualizado de cuidados preventivos e, conforme o paciente avança na construção de sua saúde, ganha pontos que podem, mais tarde, ser trocados por serviços.

Um dos trabalhos mais exemplares da importância da tecnologia na saúde foi conduzido pela healthtech brasileira Cuco. Em parceria com o Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, o aplicativo conseguiu fazer com que a adesão de crianças cardiopatas ao tratamento pós-operatório saltasse de 40% a 79%. É para se comemorar. Sem cuidado, elas ficam mais vulneráveis a novas internações e cirurgias.

Nos casos mais graves, podem morrer. Assim que a criança recebia alta, a família era instruída a baixar o aplicativo, que avisava o momento de tomar medicamento. Esse foi o primeiro produto da healthtech fundada no ano de 2017 pela catarinese Livia Cunha, 26 anos. Depois de um projeto fracassado com operadoras de planos de saúde, a jovem partiu para seu terceiro produto. Uma ferramenta mobile que acompanha o medicamento e que, além de ajudar o paciente a não perder a hora de tomá-lo, educa-o sobre sua condição. Na outra ponta, o “cuco” informa o médico sobre o comportamento do paciente.

O próximo projeto de Livia é o “Primeira Caixa”. No Brasil, de cada cem prescrições medicamentosas, apenas entre 50 e 70 chegam à farmácia. Dessas, no máximo 30% são tomadas. Das quais, duas em dez repetem mais de um ciclo de tratamento. Livia quer aumentar o número de brasileiros lá no início do processo. Para cada CPF, o laboratório parceiro da Cuco fornece a primeira caixa de remédio. No consultório, ao receber a prescrição, o paciente recebe a orientação para baixar o aplicativo e liberar virtualmente o medicamento. Ele então é apresentado a uma lista de 30 mil farmácias, onde o remédio pode ser retirado gratuitamente.

Ultraconectados, os pacientes querem saber, opinar, investigar, decidir junto. Segundo o relatório da Liga Insights, 5% do volume das buscas no Google referem-se à saúde. Por causa disso, a empresa de tecnologia lançou, em 2016, uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein para oferecer um quadro de informações de doenças sempre que algum termo médico é buscado no Google. O objetivo é compartilhar esse tipo de conhecimento com garantia de credibilidade e qualidade de conteúdo.

O caso mais emblemático do poder de decisão do paciente é o da atriz americana Angelina Jolie. Em 2013, aos 37 anos, ela descobriu ser portadora do gene BRCA1, o que praticamente a sentenciava a desenvolver tumores malignos nas mamas e nos ovários — sua mãe e sua avó morreram precocemente, vítimas da doença. Com o resultado dos testes genéticos em mãos, ela optou por não correr o risco e decidiu se submeter à extirpação radical das mamas e dos ovários.
O paciente está no comando, mas o médico nunca foi tão necessário, avalia o professor Renato, da Unicamp. Em artigo exclusivo para Época NEGÓCIOS, nas páginas 68 e 69, ele lembra que não há máquina capaz de substituir o conhecimento, a experiência, a intuição, o toque humano, no processo do cuidado da saúde e da doença. Às previsões de que um dia o profissional será substituído pela máquina, Renato ironiza: ser for esse o caso, então, é melhor mesmo ele perder o posto para o computador. Do contrário, segue imprescindível.

Sedentário até os 40 anos, o empresário Valter Lima começou a correr maratonas há 12. Ano passado, preparava-se para sua sétima corrida quando aceitou o desafio do treinador, o fisioterapeuta Fabio Rosa, para usar a plataforma TrainingPeaks. Além de medir batimento cardíaco, os sensores monitoram temperatura, intervalo da passada, oxigenação, velocidade e deslocamento.

“Pelo cálculo da oscilação vertical, dá para ver se ele está cansado”, conta Fabio. Toda manhã, Valter, CEO da empresa de tecnologia ConnectCom, sincroniza o relógio com o celular e baixa as coordenadas do dia, com metas de velocidade, tempo de corrida e descanso elaboradas pelo treinador. Já aconteceu do peso, frequência, oxigenação e estado clínico estarem tão bons que Valter espaçou os exames de rotina. “No check-up anual, sinto até satisfação quando o médico diz que minha saúde está melhor do que a dele”, conta o empresário.

Um levantamento da Goldman Sachs indica que, hoje, para a maioria das pessoas, em especial os millennials, saúde transcende o não estar doente. Ser saudável é estar comprometido com hábitos adequados. “A união desse novo comportamento e o crescimento de inovações impactam também na geração de novos negócios”, lê-se no documento da aceleradora. Em 2017, foram registrados 350 mil aplicativos de saúde — crescimento de 45% em relação ao ano anterior. O mercado, como se vê, está agitado. Alguns defendem que ainda há um longo caminho até a saúde 4.0. A revolução, para eles, nem sequer começou. Como diz Edvaldo, da Amil: “Estamos no ‘wake up call’”. Sintam-se todos, portanto, convocados.

Fonte: Anahp




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