Precisamos falar sobre fraudes, medicina e saúde suplementar
24/06/2019

No Brasil, vivenciamos um fenômeno bastante interessante: denúncias surgem, ganham peso, chegam ao ápice do interesse público, algumas vezes até prisões ocorrem. Em outras, o parlamento instaura uma CPI, para depois de um tempo, tudo cair em total esquecimento. O envolvimento de parlamentares e do Ministério Público em investigações também têm data de vencimento. Alguns casos acabam sendo degraus de visibilidade, mas, em curto espaço de tempo, são engavetados e novos assuntos entram em pauta.

Temos hoje um Congresso e Senado renovados, com um número inédito de parlamentares em primeiro mandato, acontecimento que representa uma mudança positiva na expectativa de ruptura deste “status quo”. No entanto, neste momento, assuntos absolutamente relevantes para o Brasil estão parados no Congresso Nacional. Findo o primeiro trimestre de adaptações deste renovado parlamento, é preciso que as comissões sejam retomadas, assim como os assuntos urgentes de interesse da população.

Um destes temas, que ganhou enorme destaque em 2015, e ainda sem desfecho, é o caso das máfias das Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME), que desencadeou uma CPI e continua gerando grande impacto para a saúde, tanto na rede pública, como às operadoras e planos de saúde. No início do ano passado, o Ministério da Saúde anunciou medidas para evitar fraudes na compra e fornecimento de órteses epróteses ao SUS, com o lançamento de um conjunto de editais para registro de preços desses produtos. Entretanto, na prática, o que se nota é que nada evoluiu e as fraudes continuam sendo praticadas.

Um estudo recente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) apontou que fraudes e procedimentos desnecessários corresponderam a quase R$ 28 bilhões dos gastos das operadoras de planos de saúde do país em 2017. Já as despesas assistenciais das operadoras somaram R$ 145,4 bilhões no mesmo ano. Ou seja, os gastos com excessos e fraudes, como as realizadas pelas máfias das OPME, representaram 19% do total das despesas assistenciais, que incluem também consultas em pronto socorro, terapias, internações, exames, medicamentos e demais despesas médico-hospitalares.

Há cerca de um mês, outro estudo, desta vez do Insper, evidenciou que a judicialização na saúde cresceu 130% entre 2008 e 2017. A análise, solicitada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) atribuiu a maior parte dos processos contra a saúde pública envolvendo o acesso a medicamentos, enquanto no setor privado é mais comum pedidos de cobertura de procedimentos, especialmente ligados às OPME.

Quem acredita que a questão não chega ao bolso da sociedade, se engana. A inflação médica, que no Brasil tem alcançado patamares três vezes maiores que a inflação geral de preços, a alta sinistralidade, a superlotação da rede pública e também os atendimentos aos clientes de planos privados são significativamente impactados. Contudo, o mais preocupante é que continuamos a permitir que atitudes espúrias, patrocinadas por médicos que maculam a nossa profissão, advogados, representantes e proprietários corruptos de distribuidoras destes materiais continuem ganhando dinheiro, realizando cirurgias desnecessárias e colocando, inclusive, os pacientes em risco.

Como resultado da CPI instalada em 2015, foram propostos quatro projetos de lei e indiciamentos de vários envolvidos. Os projetos, porém, seguem parados em diferentes instâncias: PL 2451/2015 (disciplina a tutela de urgência em demandas judiciais), PL 2542/2015 (tipificação penal), PL 2453/2015 (sistema de educação) e PL 2454/2015 (regulação geral). Quem irá assumir projetos já maduros, importantes e necessários para a regulamentação e profissionalização deste segmento? Quando os novos governantes e parlamentares eleitos assumirão discussões tão necessárias para a saúde?

Enquanto esperamos atitudes efetivas para essas questões, as operadoras e planos tentam fazer a sua parte – aplicando regras de compliance, monitorando e buscando alternativas éticas para os pacientes com indicação de cirurgias para a implementação de dispositivos médicos.

Ainda assim, ao negar um procedimento, com todo o embasamento técnico, o beneficiário recorre sistematicamente à judicialização e, novamente, temos a questão vista sob uma ótica invertida. Não é o plano de saúde negando tratamento e sim apontando que algo deve ser revisto dentro do sistema de saúde. As máfias das OPME continuam lucrando, explorando pacientes desavisados e juízes sem os devidos embasamentos técnicos. A consequência é uma desinformação geral. Afinal, aquilo que não está na mídia, não tem relevância, certo? Só que neste caso, tem sim.

Sobre o autor

Alexandre Ruschi é médico e presidente da Central Nacional Unimed.





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